Filosofia, uma dentada de cada vez (50)

O que torna um homem mais livre?

Já vimos que certos factores podem limitar a nossa liberdade interior: uma imaginação hiperactiva, ignorância, erros, emoções fortes (como o medo e a raiva) e uma vontade fraca. Também já vimos que, no entanto, essa liberdade torna-nos capazes de ultrapassar essas limitações. Uma pessoa pode forçar-se a fazer algo que não se sinta bem ao fazê-lo (tal como sair da cama de manhã, ser gentil com uma pessoa grosseira ou aborrecida, ou recuperar de um insucesso, etc.), é um sinal de que é realmente livre.

Existe algo paradoxal relacionado com a liberdade: quando escolhemos, limitamo-nos a nós próprios, mas quando limitamos a nós próprios uma determinada escolha, esse facto prepara-nos para nos ultrapassarmos a nós próprios, a irmos para além das nossas limitações.

Quando alguém decide ser médico reduz as suas opções, limitando-se a essa decisão. Contudo, ao tomá-la, prepara-se para curar pessoas, algo que não seria capaz de efectuar com competência se não tivesse tomado tal decisão (ser médico).

Como a liberdade está “radicada na razão e na vontade” (Catecismo da Igreja Católica, 1731) acompanha-nos se desenvolvermos tanto o intelecto como a vontade. Devemos ser capazes de actuar com maior liberdade; tornar-nos-emos mais capacitados para efectuarmos escolhas inteligentes e informadas. Desenvolvendo a nossa capacidade de pensar e a vontade damos um bom e consistente uso a essas duas capacidades. Com o tempo e a repetição constante, criaremos hábitos, bons hábitos. É isto que são as virtudes: bons hábitos. Bons hábitos tornam-nos mais livres, as virtudes libertam-nos.

Por exemplo, quando uma pessoa aprende a ter mais discernimento sobre o que as outras pessoas dizem; quando investiga a veracidade do que lhe dizem ou do que lê, antes de tirar quaisquer conclusões; quando faz um esforço para disciplinar os seus pensamentos (ver “FILOSOFIA, UMA DENTADA DE CADA VEZ nos 9 a 21), então desenvolverá as virtudes do pensamento crítico e da prudência, tão necessárias ao exercício da liberdade.

É provável que essa pessoa faça melhores escolhas, se comparada com outras que não verificam os factos e dependem apenas de boatos, impressões primárias, caprichos, tendências pré-concebidas, sentimentos ou reacções tolas ao tomar decisões.

Para além disto, se essa pessoa tiver “fortificado” a sua vontade com o uso sóbrio do que disfruta (virtude da temperança), cumprindo as suas funções, mesmo quando não seja fácil (virtude da fortaleza de espírito) e dando aos outros o que eles merecem (virtude da justiça), muito provavelmente fará melhores escolhas (tomará melhores decisões), não apenas para si própria, mas também para toda a sociedade onde está inserida.

A prudência, a justiça, a fortaleza de espírito e a temperança são as quatro virtudes chaves do desenvolvimento humano (também são chamadas de “as quatro virtudes cardeais”). Adquirimos e desenvolvemos as virtudes humanas da mesma maneira que um atleta desenvolve a força e as capacidades necessárias para a prática do desporto. Necessitamos de planeamento, frequência (continuidade), consistência e determinação.

As virtudes humanas libertam-nos dos nossos instintos animais básicos, tornam-nos mais humanos, mais maduros, mais livres. Quando as cultivamos deixamos de ser vítimas das circunstâncias – “não mais crianças atiradas daqui para ali e levadas por cada vento doutrinário, pela vontade do homem, pela sua enganosa e vil astúcia” (Efésios 4:14).

Ainda assim, para os cristãos, ainda há mais. Porque, para além das virtudes que nós cultivamos, Deus acrescenta-Se ao que temos (somos). Ele dá-nos a Sua Graça, as virtudes teológicas e os dons do Espírito Santo.

Mas… e todos estes conceitos não violam a nossa liberdade? Tentaremos dar resposta a esta pergunta no próximo ensaio.

Pe. José Mario Mandía

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