A longa viagem da Imagem Peregrina
Esculpida em cedro brasileiro segundo indicações da Irmã Lúcia, que descreveu ao escultor as feições da Santíssima Virgem por ocasião das aparições de 1917 na Cova da Iria, a primeira imagem da Virgem Peregrina de Fátima foi oferecida pelo bispo de Leiria e coroada pelo arcebispo de Évora, a 13 de Maio de 1947. Desde então, a imagem percorreu o mundo vezes sem conta. Mas a ideia da peregrinação surgiu logo após o termo da Segunda Guerra Mundial, quando um padre de Berlim propôs que “uma imagem de Nossa Senhora de Fátima percorresse todas as capitais e as cidades episcopais da Europa até à fronteira da Rússia”. A ideia seria retomada em Abril de 1946, por um representante luxemburguês no Conselho Internacional da Juventude Católica Feminina. No ano seguinte, no próprio dia da sua coroação, teve início a viagem inicial: uma peregrinação feita a pé pela Europa fora. Uma “épica viagem pela paz testemunhada, entre lágrimas e muita comoção, por alguns daqueles que nela participaram”. Seria o início de milhares de saídas da Imagem Peregrina que, entretanto, já deu várias voltas ao mundo.
A construção do muro de Berlim foi um dos aspectos mais significativos da Guerra-Fria, e a Nossa Senhora de Fátima fica associada a muitos daqueles que conseguiram escapar à perseguição estalinista, como foi o caso do padre Kondor, “um dos grandes protagonistas da beatificação dos pastorinhos”.
Ainda em plena Guerra-Fria, a eleição de um Papa do Leste veio surpreender todo o mundo. Devido a uma bala disparada a curta distância, que miraculosamente falhou o seu objectivo final, João Paulo ficou ligado para sempre a Fátima. Consequentemente despontaram na Polónia diversos santuários dedicados a Nossa Senhora de Fátima, e o fenómeno espalhou-se por todo o Leste da Europa. Concretizava-se assim a promessa feita aos pastorinhos pela Nossa Senhora, ou seja, “a conversão da Rússia”.
O culto a Nossa Senhora de Fátima estende-se aos cinco continentes, estando contabilizados neste momento sete mil locais de devoção por esse mundo fora, do acampamento base do Everest aos montes do Líbano, passando por inúmeros locais em toda a Ásia, onde o culto assume particular relevo.
Em Macau, como é sabido, a procissão em honra da Nossa Senhora de Fátima é um acontecimento que integra o roteiro turístico do território e reúne milhares de pessoas, crentes e não crentes, de todos os países asiáticos. Em Hong Kong, chama-nos a atenção a imponência da estátua da Nossa Senhora de Fátima fitando o olhar na China Continental. A mensagem de Fátima, que deu excelentes frutos na China (onde há uma paróquia dedicada a Nossa Senhora de Fátima, perto do Pequim), permanece bem viva também na Coreia do Sul e em Timor, Filipinas, Tailândia, Myanmar e no Vietname, onde é padroeira.
Na Coreia do Sul, uma concorrida peregrinação anual culmina com uma missa na fronteira com a Coreia do Norte.
As Filipinas (se exceptuarmos o Brasil e Portugal) é o país com maior devoção no mundo. Nossa Senhora de Fátima não só é padroeira como está ligada à história de libertação do povo filipino do jugo do ditador Ferdinand Marcos. Há naquele país diversas igrejas e um santuário que espelham bem a dimensão dessa devoção. Presente na vida académica e também entre o pessoal médico e os seus pacientes, Nossa Senhora de Fátima dá o seu nome a um dos melhores hospitais e a uma das mais reputadas universidades das Filipinas, sendo inclusive admirada pelos muçulmanos que a frequentam. Consta que muitos o fazem por causa do nome: Fátima era a filha do profeta Maomé.
Na Índia a devoção estende-se do Norte ao Sul, do Oeste ao Leste do sub-continente, assumindo particular relevância em Goa (a imensa devoção a Nossa Senhora de Fátima está visível na muito concorrida procissão das velas e no santuário no colégio Dom Bosco) e nos Estados de Bengala e de Kerala, berço do Cristianismo na Índia. Ali, na cidade de Kollam, ergue-se uma conceituada e prestigiada universidade de Nossa Senhora de Fátima e também um santuário com o mesmo nome.
Em Timor são muitas as grutas e procissões em homenagem a Nossa Senhora de Fátima. Durante o período de opressão indonésia, o terço servia como arma de libertação. Quando o Papa João Paulo II, um grande devoto de Nossa Senhora de Fátima, visitou Timor, o povo sentiu que se ia libertar pelas mãos de Nossa Senhora.
O fenómeno de Fátima é, de facto, universal. O culto é perpetuado (e divulgado) por gente das mais diversas origens e nos sítios mais inesperados.
Depois de mais de meio século de peregrinações – a Imagem Peregrina visitou já mais de 64 países – a reitoria do Santuário de Fátima entendeu que só deveria sair em circunstâncias extraordinárias. Em Maio de 2000, integrou a exposição “Fátima Luz e Paz”, tendo sido venerada por dezenas de milhares de visitantes. Três anos depois, a 8 de Dezembro, aquando da solenidade da Imaculada Conceição, a imagem foi entronizada na Basílica do Santuário de Fátima, tendo sido colocada numa coluna junto do altar-mor. Com o intuito de dar resposta às inúmeras solicitações, foram entretanto esculpidas várias réplicas da primeira Imagem Peregrina, num total de treze.
Joaquim Magalhães de Castro