Esperança de mudança
Fazemos hoje aqui uma pausa no ciclo de heresias, reformas, movimentos e dissidências na História da Igreja. Para abordarmos, precisamente, um país que para quase todos será um dos últimos no mundo a observar a seguinte virtude do ser religioso: a tolerância. No caso, a tolerância e coabitação com o Cristianismo, mas não só. Numa nação com mais de três mil anos, que nunca foi dominada colonialmente e ciosa dos seus remotos pergaminhos nacionalistas, com uma cultura superior muito própria e milenar, mas nos últimos quase quarenta anos dominada pelo radicalismo xiita que a tornam a mais poderosa república islâmica do mundo, é neste cenário que o Cristianismo subsiste, vive mesmo em harmonia e com as suas igrejas de portas abertas a quem as visita, mantendo o seu esplendor e beleza antigos. É verdade, o Irão não são só mesquitas, madrassas, vultos negros nas ruas e clérigos de turbantes e barbas: além da beleza natural do País e da simpatia inigualável do povo, o Irão tem torres sineiras e cruzes aqui e ali…
Não poderemos dizer que não há problemas, que não existem perseguições ou problemas de quando em vez, mas o facto é que o Cristianismo tem uma longa história no Irão, ou Pérsia, designação do País até 1934. Na antiga Pérsia subsistiram religiões de carácter politeísta até ao século VIII a.C., quando o Zoroastrismo (ou Mazdaísmo) – que ainda subsiste minoritariamente hoje em dia – se tornou a religião oficial imperial, com a dinastia Aqueménida. Assim permaneceria até 636, quando se dá islamização do País.
Recorde-se que o Irão não é um país árabe (apesar de ter uma minoria árabe e sunita no Sul e Sudoeste, que pode alcançar os dois milhões de habitantes) nem sunita maioritariamente: é sim persa e xiita. O xiismo duodecimal (os doze imãs sucessores do Profeta Maomé, a partir de Ali) implantou-se na Pérsia apenas a partir de 1501, reinavam já os Safávidas, permanecendo maioritariamente até hoje, principalmente entre os persas (etnicamente maioritários, mais de metade dos 81 milhões de habitantes) e os azéris (a segunda etnia no País, com quinze milhões).
RETRATO
Há dois mil anos uma outra religião despontou na antiga Pérsia. O Cristianismo logo ali surgiu nos seus alvores, bem antes do próprio Islão. Já existiam judeus, desde meados do primeiro milénio antes de Cristo, como ainda existem aliás vinte mil, em números redondos, podendo atingir os 25 mil, ou não ser até mais de dez mil. Mas uma nota aqui deixamos: são uma comunidade que aqui subsiste de forma integrada, com representação parlamentar e peso social e económico importantes. Muitos emigraram para Israel, Estados Unidos e Canadá, mas os que ficaram aqui permanecem, graças também ao seu anti-sionismo e discordância face à existência do Estado de Israel.
Zoroastrismo até ao século VII, Sunismo (ramo maioritário do Islão no mundo, com 85 por cento dos muçulmanos) até aos começos do século XVI e depois o xiismo duodecimal (dez por cento do Islão mundial), até hoje, foram as religiões maioritárias do País no meio das quais o Cristianismo se manteve vivo até à actualidade. Assim, temos o número impressivo de 600 igrejas (entenda-se comunidades, templos ou casas de oração, nem sempre oficiais) no Irão actual, acolhendo, no total das confissões e ritos cristãos, entre 300 a 370 mil fiéis, um número que a maior parte da opinião pública mundial não faz a mínima ideia. As fontes governamentais iranianas referem que existem 73 igrejas registadas oficialmente para uma população de trezentos mil crentes, 0,3 por cento da população nacional (81 milhões, em 2016), apontando-se para um crescimento percentual (eram 0,2 por cento em 2000).
Existem várias denominações cristãs no Irão, muitas delas ligadas a minorias étnicas, com língua e cultura próprias. É o caso da Igreja Apostólica Arménia, a mais numerosa, com 110 mil (há quem fale no dobro desta cifra) fiéis. Depois temos a Igreja Assíria do Oriente (iraniana) com 11 mil fiéis, e a Igreja Católica Caldeia com sete mil crentes. Em comunhão com a Igreja Católica Apostólica Romana, temos, além dos dois mil fiéis de rito romano – inseridos na arquidiocese de Ispahan (em 2015 tinha três paróquias, três sacerdotes, todos religiosos, oito religiosos leigos, dos quais três irmãos e cinco irmãs, directamente dependente da Congregação para as Igrejas Orientais) – 150 membros da Igreja Católica Arménia (um sacerdote e uma paróquia, apenas), também ligada ao mesmo dicastério romano, tal como a Igreja Católica Caldeia, com três arquidioceses (Ahvaz, Teerão e Urmyā) e uma diocese, Salmas. Este último rito, com sete mil fiéis, tinha em 2015 dois seminaristas, além de várias paróquias, missões, sacerdotes e religiosos, de ambos os sexos. Teremos que juntar ainda as igrejas evangélicas, como a Assíria, ou pentecostais, como a Jama’at-e Rabbani, além da Igreja Anglicana do Irão. As fontes indicam para estas últimas igrejas cristãs entre sete a quinze mil membros, embora estes dados sejam de difícil actualização. Fontes norte-americanas indicavam, em 2004, que o todo das igrejas cristãs abarcava à época trezentos mil crentes.
Quanto à Igreja Católica propriamente dita, algumas fontes anunciam cerca de oito mil fiéis iranianos de todos os ritos, a que se somarmos os católicos estrangeiros residentes por vários motivos no País (trabalho, por exemplo) teremos por volta de 21 mil e 500 crentes. Seis bispos e eparcas, treze sacerdotes (diocesanos e religiosos), um diácono permanente, mais oito religiosos e vinte irmãs, em dezoito paróquias, perfazem o clero em trabalho no Irão (Catholic Hierarchy). As estatísticas são sempre díspares num país onde existe tolerância, mas não deixa de ser problemático para todos os que não são muçulmanos xiitas. Há com efeito uma guetização dos cristãos, em particular dos católicos. Mas há mais situações difíceis: muitos católicos têm que dizer muitas vezes aos convertidos para terem cuidado ou mesmo afastarem-se, pois o baptismo de muçulmanos cria problemas para todos. Há liberdade, mas só dentro das igrejas, em todos os ritos. Há tolerância sim, mas sem diálogo ou aproximação. A diáspora iraniana deu também um rude golpe nas comunidades cristãs, pois a maior parte destas viu muitos dos seus partirem, também por motivos religiosos. A pobreza das igrejas, dos clérigos e bispos é uma nota dominante, embora não deixem de sorrir e oferecer doces e bênçãos. Em todos os aspectos o maior tesouro do Irão é o seu povo, sem dúvida, seja muçulmano ou cristão.
Os cristãos não podem fazer proselitismo, apenas acção pastoral dentro das comunidades. E pensar bem antes de converter… Têm os mesmos direitos, mas não têm a mesma progressão social e profissional. E muitos têm que ter catequese corânica todas as semanas, além de que têm que celebrar eucaristia dominical à sexta-feira, o “dia do Senhor” dos muçulmanos, para não haver problemas…
Existe culto mariano, dos santos, existe arte e iconografia cristã, existem ordens religiosas como os Salesianos, os iranianos adoram o interior das igrejas cristãs pela arte, silêncio, contemplação, mas tudo é difícil e complexo. Mas existe fé, há conversões clandestinas, secretas e, acima de tudo, há esperança de mudança….
Vítor Teixeira
No Irão
Universidade Católica Portuguesa