Santa Sé inaugurou presépio de areia na Praça de São Pedro.
Cinco metros de altura, seis de profundidade e dezasseis de largura. O presépio este ano montado na Praça de São Pedro, no Vaticano, não deixa ninguém indiferente. Milhares de pessoas, entre fiéis e visitantes, renderam-se à grandiosidade e à delicadeza do conjunto artístico oferecido à Santa Sé pela autarquia da localidade de Jesolo: uma monumental manjedoura inteiramente construída em areia.
Situada na costa oriental de Itália, numa língua de terra entalada entre a lagoa de Veneza e o Mar Adriático, a cidade acolhe todos os anos dois grandes eventos artísticos em que a humilde matéria-prima assume o estatuto de principal protagonista. No Verão, entre Junho e Setembro, as ruas da cidade enchem-se de esculturas de todas as formas e feitios, numa celebração da vitalidade estival.
Nas semanas que antecedem o Natal, a estância balnear volta a encher-se de obras de arte efémeras, centradas na Natividade e no nascimento de Jesus Cristo. «Jesolo acolhe festivais de esculturas de areia duas vezes por ano. No Verão, o tema varia de ano para ano, mas o certame de Inverno é sempre dedicado ao Natal. Eu tenho vindo a participar nestas maravilhosas iniciativas desde Junho de 2012», explica a’O CLARIMIlya Filimontsev, um dos três escultores que ao longo de duas semanas ergueram, em pleno coração do Vaticano, o gigantesco presépio.
O artista russo foi convidado no Verão do ano passado por Richard Varano e Massino Ambrosini, responsáveis pelos festivais de Jesolo, para conceber uma escultura de grandes dimensões a ser instalada, nada mais nada menos do que na Praça de São Pedro. «O Richard Varano e o Massimo Ambrosini sugeriram que eu concebesse uma escultura e me tornasse o director artístico de uma equipa de escultores que seria responsável por erguer a obra no Vaticano. Fiquei entusiasmado com a ideia, mas ao mesmo tempo um tanto ou quanto assustado. É uma grande honra e uma grande responsabilidade criar uma obra num local tão emblemático, onde estão alguns dos trabalhos mais notáveis dos grandes mestres da Renascença», reconhece Filimontsev.
Trabalho de equipa
O escultor, que desde há doze anos tem na areia a sua matéria-prima de eleição, não se deixou melindrar nem pela envergadura, nem pela visibilidade da empreitada, e preparou durante meses com afinco a escultura inaugurada na sexta-feira passada na Santa Sé.
«Em termos técnicos, a tarefa afigurava-se difícil, mas concretizável. Desenhei um rascunho do projecto, fiz um modelo da escultura e comecei a preparar material de referência relativo à anatomia dos animais, aos trajes e aos rostos, por exemplo», conta o artista.
No final de Novembro, mil e 300 metros cúbicos de areia, com um peso de setecentas toneladas, foram despejados em plena Praça de São Pedro. Ao longo de duas semanas, Filimontsev e dois outros escultores trabalharam a contra-relógio, sob o olhar atento de Richard Varano, para garantir que a estrutura estaria pronta para encantar o mundo a 7 de Dezembro. «Fiquei feliz pelo facto da Susanne [Ruseler]e do Radek [Zhivni], que são dois escultores extraordinários, se terem mostrado disponíveis para colaborar neste grandioso projecto. Trata-se verdadeiramente de uma equipa de sonho», defende.
O resultado é uma representação do presépio em tamanho monumental. A obra ocupa uma área de 25 metros quadrados e deixou o Papa Francisco visivelmente impressionado. «A areia, material humilde, lembra a simplicidade, a pequenez e a fragilidade com que Deus se mostrou com o nascimento de Jesus na precariedade de Belém», sublinhou o Papa Francisco, depois de receber os escultores e os representantes da autarquia de Jesolo.
Um projecto para mais tarde recordar
«O encontro com o Sumo Pontífice foi inesquecível. Não consegui conter as emoções. Fico muito feliz com o facto do presépio ter suscitado tantas reacções positivas. A alegria, os sorrisos, as exclamações de admiração são a melhor recompensa que um artista pode obter», refere Ilya Filimontsev.
O artista russo, que idealizou a escultura, trabalhou na concepção da Sagrada Família e do Anjo, o checo Radovan Zhivni esculpiu os rostos e a roupa dos Três Reis Magos, situados no lado direito do conjunto, e Susanne Ruseler foi responsável pelos pastores e pelos animais, instalados à esquerda.
A escultora holandesa, que trabalhou por um breve período de três meses no Ocean’s Park, na vizinha Região Administrativa Especial de Hong Kong e já participou em projectos um pouco por todo o mundo, garante que o presépio oferecido por Jesolo ao Vaticano é uma das obras mais emblemáticas em que esteve envolvida. Ruseler trabalha a areia há mais de uma década e meia, mas a pressão que diz ter sentido nos primeiros dias do corrente mês, tão cedo não a esquecerá. «O trabalho que desenvolvemos exige muita concentração e muitas vezes não é fácil encontrar a dose de concentração necessária, particularmente num lugar como a Praça de São Pedro. Durante os quinze dias em que trabalhámos na concepção da escultura havia sempre dezenas de pessoas à nossa volta. Precisamos de nos concentrar para criar as esculturas e esse foi mesmo o aspecto mais difícil desta empreitada», diz a artista. «Foi um projecto especial. O Vaticano foi o local mais emblemático onde alguma vez trabalhei e eu já tive a sorte de trabalhar no Museu da Areia, em Tottori, no Japão ou de disputar o Campeonato do Mundo. Sinto-me muito afortunada por ter sido parte activa deste processo», assume Susanne Ruseler, também em declarações a’ O CLARIM.
«Trabalhamos em qualquer lado, com o mar à porta ou não. Mas o perfil deste projecto era, de facto, muito elevado e, por isso, a pressão para fazer algo ainda mais grandioso era também maior do que habitualmente é», reconhece.
Para além da escultura e da tradicional exposição de presépio que o Museu do Vaticano acolhe todos os anos, a Praça de São Pedro recebeu ainda uma árvore de Natal, com cerca de 21 metros de altura. A árvore provém do bosque de Cansiglio, na região dos Dolomitas, e foi doada ao Vaticano pela diocese de Concordia-Pordenone e pela região de Friuli-Venezia Giulia.
Árvore e presépio permanecem em exposição até 13 de Janeiro, dia do baptismo de Jesus Cristo, data que marca o fim da quadra natalícia. A inauguração decorreu na sexta-feira, perante centenas de pessoas.
Marco Carvalho