NOVEMBRO, MÊS DE FINADOS

NOVEMBRO, MÊS DE FINADOS

Para que serve morrer?

Oponho-me frontalmente à morte que vem nos dicionários: “Acto de morrer, termo da existência, acabamento”. É intolerável que nós, pessoas criadas à imagem e semelhança de Deus eterno, estejamos condenados a viver em “contagem decrescente” para o desastre total do enterro fúnebre num cemitério. Não posso aceitar a liquidação total da vida, a sua insolvência ou falência, ficando tudo reduzido ao pó. Foi-se. Partiu. Deixou de existir.


Vamos entrar no mês de Novembro, que vulgarmente é apelidado de “o mês dos finados”. Recuso-me a aceitar que, tendo nós o ADN de Deus eterno, sejamos um ser condenado à extinção. Reduzidos a zero. Liquidação total. Júlio Fragata, jesuíta ilustre em sabedoria e virtude, proclamava: «Eu sou para ser sempre». Roque González, santo jesuíta martirizado no Paraguai, enquanto o seu corpo era consumido numa fogueira, a 15 de Novembro de 1628, ouviu-se a sua voz clamando: «Ainda que me matem, não morro!». Que bela profissão de fé na imortalidade!

Na realidade da fé, a morte é uma operação misteriosa em que, por descomunal graça do Criador, se transplanta, para a debilidade volátil do nosso corpo mortal, o “corpo glorioso”, conservando cada um de nós a sua plena identidade. O que vulgarmente chamamos “morte” tem que ter as cores de “natal”, de nascimento para uma vida maravilhosamente original, nova e eterna. Com razão, a Igreja dos primeiros séculos chamava ao martírio de um santo o “dia de natal”. O seu renascimento para a eternidade.

É comum tentar ignorar a realidade da morte. Se é o fim de tudo, torna absurda e inglória a vida. A vida passa a ser uma maratona para um desfiladeiro, que nos tritura e aniquila definitivamente. No nosso mundo hodierno, sem tabus nem pudores de abordar e analisar todos os assuntos, o tema da morte é, normalmente, posto de lado. O Papa Francisco tem alertado para esta espécie de censura prévia, de conjura de silêncio. Recentemente, assim recordava o serviço que nos presta a morte: «que seria desta vida se ela não tivesse o seu final?[…]A pergunta sobre a morte é a pergunta sobre a vida, e manter aberta a pergunta sobre a morte talvez seja a maior responsabilidade humana, para conservar aberta a pergunta sobre a vida». Precisamos da ousadia de São Francisco de Assis que, com a ternura de uma fé sólida, a tratava por “Irmã Morte”.

Um conhecido filósofo do Século XX, Martin Heidegger, definia o homem como “um ser para a morte”. A nossa fé em Cristo ressuscitado diz-nos o oposto: o nosso destino é a vida eterna, que terá de passar pela porta estreita da morte, que nos abre o horizonte maravilhoso da ressurreição e da glória interminável na casa de Deus. Por isso, Teresa do Menino Jesus, que faleceu antes de chegar aos 25 anos, assim afirmava com a coragem da esperança que não engana: «Eu não morro. Entro na vida». «Não é a morte que me virá buscar, mas o bom Deus».

Para que serve a morte? Vista com olhos de fé, tem uma missão extremamente útil A todos desejo, como a mim, uma vida longa e feliz neste mundo. Mas não posso deixar de estar de acordo com São Paulo: «Para mim viver é Cristo e morrer é um lucro» (Fl., 1,21). Ou, como afirma o teólogo russo Paul Evdokimov: «A morte é um fenómeno provisório da vida… A morte deve ser o tempo da colheita de uma vida madura para a eternidade».

Com fé humilde, proclamo: Viva Deus, Senhor da Vida! Ele não quer que eu desapareça pelo abismo da morte. Tenho a certeza que a morte apenas me fará mudar de residência. Para imensamente melhor. Muito bem hajas, Irmã Morte, pois nos abres a porta para a herança do céu que Deus nos quer paternalmente oferecer. Mil vezes obrigado, ó morte, pelo serviço que prestas à vida. Louvada sejas, Irmã Morte, eternizadora da Vida. A tua mão bondosa nos faz passar à ressurreição. Sem ti, Irmã Morte, o botão da vida temporal não desabrochava na vida que não acaba.

Pe. Manuel Morujão SJ

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