NATAL DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO – Ano A – 25 de Dezembro

NATAL DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO – Ano A – 25 de Dezembro

Um Natal fora da “bolha da segurança”

Muitas vezes as mudanças pegam-nos desprevenidos. Aqui em Macau, até há poucas semanas, ainda vivíamos numa bolha segura e livre de Covid, com regulamentos rígidos, quase implacáveis. É verdade que muitos reclamavam pela crise económica, em resultado de anos de isolamento de Macau em relação ao resto do mundo, mas no geral sentíamo-nos seguros e protegidos.

Em questão de dias, tudo mudou! De repente, a bolha estourou, pois o Governo terminou com a maioria das restrições pandémicas, diminuindo substancialmente o número de lugares onde é obrigatório mostrar o código de saúde e permitindo a realização de reuniões públicas com número ilimitado de pessoas. A sensação de liberdade sentida anda agora de mãos dadas com a assustadora percepção de que enfrentamos um “novo normal”, apenas “armados” com um kit antipandémico, composto por alguns medicamentos, máscaras e testes. A sensação de segurança foi, repentinamente, substituída por uma sensação de vulnerabilidade. Sem restrições na que é a cidade mais densamente povoada do mundo, muitos cidadãos ficaram infectados.

É uma grande mudança psicológica: de uma fase em que a prioridade era evitar o perigo, para o facto inevitável de termos de o enfrentar. O Natal deste ano testemunhará os sentimentos ambivalentes desta mudança: alegria, mas também medo…

Se pensarmos sobre esta realidade, o nascimento de Jesus também não foi um evento totalmente pacífico. A viagem a Belém com o objectivo de Maria se recensear num estado avançado de gravidez, aliada à angústia de não se encontrar lugar na pousada, justamente na hora do parto, mais a pressa de arranjar um lugar para o Menino Jesus – acabaria deitado numa manjedoura –, faz-nos pensar que se há alguém que entende bem o que significa sair de uma “bolha de segurança”, é o próprio Filho de Deus. Ele deixou a gloriosa perfeição da Trindade para se tornar o Emanuel, “Deus connosco”, de forma verdadeira, num mundo perigoso.

Há um significado profundo e universal na história do nascimento de Jesus, consumado a meio de eventos perturbadores. Deus vem ao nosso encontro onde quer que estejamos ou em que condições nos encontremos, seja a nível individual ou colectivo; nas incertezas e complexidades que fazem parte da nossa condição humana. Pensamos muitas vezes que só somos dignos de experimentar a presença e a graça de Deus quando a nossa moral, os nossos problemas e contradições estão em linha com o desejável. Mas não! Ao invés, Deus aparece-nos na confusão do “aqui e agora” da nossa existência.

A nossa vida quotidiana é a manjedoura onde Ele nos convida a acolhê-lo. E não é assim tão difícil. Só nos últimos dias, senti a Sua presença e acção através de uma enfermeira atenciosa a trabalhar num posto de saúde; no esforço de uma mãe para discernir quanto à melhor forma para se relacionar com os seus filhos pequenos; na generosidade de muitas pessoas que oferecem o seu tempo e recursos para ajudar os outros. Eu próprio senti-O no meu corpo cansado durante a oração da noite, e na sede de Deus dos que – apesar da hora tardia – rezam comigo. Até O sinto, agora mesmo, na luta de encontrar palavras para este artigo.

Na manjedoura do nosso quotidiano, transformada em presépio acolhedor, a presença de Deus já não é uma experiência abstracta, reservada apenas a alguns místicos, filósofos ou clérigos. Assim como se tornou visível para todos na frágil carne de uma criança pequena e impotente, assim se manifesta hoje nos actos de fé, amor e caridade expressos nas escolhas, gestos, interacções e atitudes. São actos sempre imperfeitos, como tudo o que é humano, mas são sagrados, ou seja, são capazes de expressar a presença e o amor de Deus.

Este período especial, “fora da bolha”, é o momento perfeito para contemplarmos o nascimento de Jesus em Belém. Todos os problemas que afectam o mundo ou a nossa vida pessoal não são um obstáculo que nos impeça de experimentar a vinda de Deus, mas, sim, a ocasião para aprofundarmos o Mistério da Encarnação e torná-lo mais pessoal, mais actual para as nossas vidas. Com efeito, os desafios do nosso tempo contribuem para que respondamos de forma pessoal e livre ao convite de Deus para adorá-Lo não só na Liturgia, mas também através das escolhas e acções concretas que fazemos todos os dias.

O fim da “bolha de segurança” pode também ser um sinal de que está na hora de darmos um “passo adiante” noutros aspectos da nossa vida. O verdadeiro amor sempre exige o risco de deixarmos a zona de segurança. É um pouco assustador, pois expõe as nossas vulnerabilidades. Contemplemos então o Menino Jesus na manjedoura e façamos da nossa vida um dom para os outros, para as nossas famílias, para as nossas paróquias e para as nossas comunidades, assim como para a sociedade em que vivemos, com generosidade e coragem. A Sua ternura vencerá os nossos medos…

Feliz Natal!

Pe. Paolo Consonni, MCCJ

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