Santuários diocesanos completaram 60 anos
Dois santuários, nos Açores e em Setúbal, unidos pela graça de terem sido criados no passado mês de Maio. Em comum têm ainda a devoção a Jesus: em Angra ao Santo Cristo dos Milagres, e em Setúbal ao Coração de Jesus. Foram dias de festa nestes dois santuários, com cerimónias presididas por D. José Bettencourt e D. José Ornelas, respectivamente.
Maio foi mês de festa para dois santuários portugueses que comemoram sessenta anos de existência. Em Almada, na diocese de Setúbal, é impossível passar ao lado do Santuário do Cristo-Rei, monumento construído e inaugurado há sessenta anos como forma de os bispos e o povo de Deus pedirem que Portugal ficasse de fora da Segunda Guerra Mundial. O pedido foi atendido, e desde essa data a sua mensagem e espiritualidade têm estado ligadas ao tema da Paz.
«O Santuário é um marco importantíssimo que os bispos quiseram que fosse sinal de gratidão nacional pelo dom da paz. O santuário recorda muito isto: que haja paz nas nossas famílias, no nosso trabalho, na nossa sociedade. Hoje em dia há muito ruído, e este santuário, mais que um miradouro sobre Lisboa, é símbolo da fé de um povo que na segunda metade do século XX acreditou em Deus, para Ele olhou, pediu esse dom da paz e foi atendido», conta-nos o padre Sezinando Alberto, que é reitor do santuário desde 2003 e tem sido o grande obreiro na transformação de um espaço que era um simples miradouro sobre Lisboa num efectivo santuário. «As pessoas vinham ver o que havia para ver, que era a vista sobre Lisboa. A preocupação foi criar um conjunto de condições físicas para que o espaço se tornasse num centro de espiritualidade para os cristãos. E com certeza provocar a mensagem cristã naqueles que não vêm cá com essa finalidade», afirma, adiantando que gostava que quem vem como «turista saísse como peregrino». Para tal, o santuário tem estado a ser dotado de várias estruturas de apoio aos peregrinos e à reflexão, o que se tem traduzido no aumento de peregrinos que procuram o espaço para rezar e não apenas para subir o elevador para ver a vista. Desde o miradouro com a Via-Sacra, que está agora a ser pavimentado, até as obras de arte que enchem a igreja e a capela do santuário, tudo serve para, simbolicamente, aproximar as pessoas de Deus.
«O santuário é um lugar tão especial que as pessoas vêm cá por questões específicas, e por isso temos de apostar muito no simbolismo. Nos séculos passados não se sabia ler nem escrever, e a fé aprendia-se através da imagem. Actualmente, as pessoas têm uma grande cultura, mas não significa que conheçam a fé. Penso que este local, e outros semelhantes, levam a fé através do simbolismo e da imagem. Daí a aposta de convidar escultores e pintores estrangeiros e nacionais que venham fazer os seus trabalhos» a um espaço que recebe, anualmente, perto de um milhão de pessoas, entre turistas, peregrinos ou simples convidados de matrimónios e baptizados que se celebram na igreja do santuário.
SENHOR SANTO CRISTO VENERADO HÁ 300 ANOS
Em Ponta Delgada, nos Açores, a devoção ao Senhor Santo Cristo dos Milagres é bem mais antiga do que o seu santuário e tem cerca de trezentos anos. «Esta imagem, conta a tradição, veio para cá porque duas religiosas de São Miguel foram a Roma ter com o Papa Paulo III para lhe pedir autorização para a abertura de um convento de clarissas. O Papa autorizou a construção do convento e, supostamente, porque não há registos históricos disto, essas irmãs receberam das mãos do Papa a oferta desta imagem do Ecce Homo, imagem que foi trazida para os Açores, e construíram o convento que elas queriam numa zona chamada Caloura, à beira-mar, muito exposta aos perigos da pirataria que naquela altura grassavam no mar, com mais incidência nos mares dos Açores», explica-nos o cónego Adriano Borges, reitor do santuário. E esse perigo atingiu o convento. «Os piratas iam muitas vezes a terra para ir buscar mantimentos e água fresca, e havia vários assaltos e ameaças às irmãs que ali viviam. As irmãs decidiram deixar o convento da Caloura e deslocaram-se para dois sítios: metade foi para Vila Franca, onde construíram um convento, e a outra metade veio para Ponta Delgada, onde começaram a construção de outro convento, que é o convento de Nossa Senhora da Esperança. Consigo trouxeram a tal imagem do Ecce Homo, que não tinha na altura grande devoção. Mas por volta de 1700 fez-se a primeira procissão com o Senhor Santo Cristo dos Milagres, e isso deveu-se a haver uma grande crise sísmica na ilha de São Miguel, juntamente com alguns temporais e secas. Uma religiosa que vivia no convento e tinha já nesta altura uma grande devoção ao Senhor Santo Cristo dos Milagres, madre Teresa da Anunciada, vai buscar a imagem do Ecce Homo e organiza, nas ruas da cidade, a primeira procissão. Esta procissão correu, e ainda hoje continua a correr, todos os conventos da cidade. O facto é que, após a procissão, acabaram-se as crises sísmicas e a vida voltou ao normal, e tal facto foi atribuído ao Senhor Santo Cristo, que passou a ser dos Milagres».
Com o aumento da devoção, assim se foi enriquecendo a própria imagem do Senhor Santo Cristo. «Houve pessoas de bem, não só da sociedade micaelense, que começaram a fazer doações, não só por graças recebidas, mas por verdadeira devoção, para começar a adornar aquilo que é hoje a imagem do Senhor Santo Cristo. Tudo o que era rudimentar começou a ter adornos hoje classificados como sendo de uma qualidade e de um valor extremo. É o caso das cinco peças que cobrem a imagem do Senhor Santo Cristo quando sai na sua festa do V Domingo da Páscoa: um resplendor, posto atrás da cabeça, uma coroa de espinhos, a corda que é feita com fio de ouro e pedras preciosas, um ceptro, que é um artefacto em ouro e pedras preciosas, e no centro da imagem, que antes do Concílio de Trento servia de sacrário, mas depois do Concílio deixou de ser, foi construído um medalhão em ouro e pedras preciosas incrustado na própria imagem. Depois, como os soldados romanos puseram uma capa púrpura por cima de Jesus, também no nosso caso a imagem costuma estar coberta todo o ano com uma capa fruto das ofertas dos peregrinos e devotos do Senhor Santo Cristo que, em agradecimento por graças recebidas, mandam fazer uma capa própria que é adornada com joias, conforme a possibilidade das pessoas. Uma das capas tornou-se simbólica porque foi feita com uma parte do manto de D. João V, uma oferta que este próprio fez ao Senhor Santo Cristo dos Milagres através da sua mulher, que era muito devota», conta o reitor do santuário.
Esta devoção continua bem viva no coração dos açorianos, e é visível não apenas nos mais de setenta mil peregrinos que se juntam para a festa em Maio, mas também nos próprios gestos do dia a dia. «Muitos dos emigrantes, quando vem a casa, o primeiro lugar onde vão, até antes de irem para sua casa, é o Santuário do Senhor Santo Cristo. E quando vão embora é o ultimo sítio que visitam antes de irem para o aeroporto», sublinha o cónego Borges, que adianta que «é uma devoção espalhada pelo mundo inteiro», em virtude da diáspora do povo açoriano. «Recebemos diariamente centenas de cartas de pessoas a pedir a intercessão do Senhor Santo Cristo dos Milagres, ou a agradecer por graças recebidas», diz.
A presidir às celebrações nos Açores esteve D. José Bettencourt, núncio apostólico na Geórgia e Arménia. «O convite foi uma grande honra para mim, sobretudo porque é uma devoção que levo muito no coração», revela o prelado, que conta que «após a consagração episcopal, desloquei-me à terra onde nasci e fui baptizado, às Velas, na ilha de São Jorge, e passei pelo Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres para colocar o meu ministério sob a sua orientação, tendo deixado na altura um protótipo igual ao anel episcopal que o Papa Francisco colocou no meu dedo no dia da minha consagração em Roma».
Aos fiéis que estiveram presentes nas comemorações, D. José Bettencourt dirigiu-se como «peregrino» e «filho da terra». «Eu vou até à igreja do convento de Nossa Senhora da Esperança, Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres, como peregrino, homem de fé e filho da terra, para também me prostrar diante do Senhor. Vou para rezar em acção de graças para pedir a sua intercessão pelas intenções que me são confiadas. Vou para me encontrar junto a uma fonte de fé e espiritualidade e para me renovar. Juntamente com os fiéis que se encontrarem nos Açores, espero poder testemunhar Cristo vivo, encorajar no caminho da fé e a empenharem-se cada vez mais na mensagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres – que e a mensagem de Jesus Cristo».
Em Almada, por seu lado, foi D. José Ornelas, o bispo da diocese de Setúbal, quem presidiu às cerimónias. O Santuário do Cristo-Rei oferece hoje muito mais aos peregrinos do que há uns anos, tornando a subida do elevador apenas uma das muitas actividades que ali se possibilitam, apontadas a crentes e a não-crentes. «Queremos com certeza provocar a mensagem cristã naqueles que não vêm cá com essa finalidade. Daí a nossa grande preocupação de colocar azulejos alusivos ao cântico das criaturas de Daniel no miradouro lá em cima, os quadros simbólicos da capela, a Via-Sacra exterior, toda a simbologia à volta do monumento, as estátuas que iremos colocar… É inevitável que esta é a melhor vista sobre Lisboa, e todas as pessoas que vêm com esse intuito são bem-vindas e esperamos que se sintam bem neste local. Mas com o cuidado que temos nos espaços verdes, a simbologia que damos ao espaço, queremos que as pessoas se sintam acolhidas. Muitas pessoas começam a pedir hoje visitas guiadas, que não havia, e o edifício da reitoria acolhe grupos de pessoas todos os fins de semana, sinal de que há condições para outro tipo de actividades», afirma o padre Sezinando, que aponta o futuro do espaço com mais intervenções no sentido de enriquecer a visita do peregrino, com especial incidência num projecto de passadiços que pode levar o peregrino ao contacto mais directo com a natureza. «Gostava de aproveitar a falésia do santuário que não esta acessível e que descobri que tem imensos caminhos que estão tapados pela vegetação. Já começámos a abrir esses caminhos, que são mais de um quilómetro, o que significa que daqui a algum tempo as pessoas, além de terem este miradouro de quatrocentos metros no “plateau” de cima, podem descer e podem andar em vários caminhos no meio da vegetação verde nuns passadiços de madeira que vamos construir. Isto porque Deus também nos fala na natureza, e as pessoas poderem vir e sentirem-se bem é uma mais-valia que lhes fazemos», conclui.
Ricardo Perna
Família Cristã