De Camilo Pessanha ao “Silêncio” de Martin Scorsese.
Uma conversa à mesa do café do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, com José Casaleiro, rapidamente se estendeu até aos jesuítas e ao Colégio dos Jesuítas, do outro lado da rua no aglomerado académico da luso Atenas. E, como de actualidade se tratava, o badalado filme de Martin Scorsese, “Silêncio”, não ficou na prateleira.
Afinal a história fala de um jesuíta português, Cristóvão Ferreira. Isto mesmo vai ser abordado pela Universidade de Coimbra, nomeadamente pelo Museu da Ciência, numa data ainda a confirmar, mas sempre depois de terminadas as iniciativas que o Museu do Oriente, em Lisboa, está a organizar sobre o filme de Scorcese. Certo está para breve, segundo os responsáveis do Museu da Ciência garantiram a’O CLARIM, uma projecção comentada do filme.
O personagem principal de “Silêncio” passou pelo Colégio dos Jesuítas de Coimbra antes de ter embarcado para o Oriente, onde esteve algum tempo em Macau. A vivência e os vestígios da sua passagem por locais marcantes irão ser abordados na Universidade de Coimbra depois de terminada a iniciativa levada a cabo em Lisboa.
Como é do conhecimento de todos, grande parte dos contactos com a China teve como intermediário, ou participante activo, a cidade de Coimbra, a sua Universidade e os seus estudantes. Muitos dos que viajaram até ao Oriente viveram nesta cidade antes de partirem em embarcações saídas de portos situados ao longo da costa portuguesa, contribuindo assim para alterar radicalmente os horizontes e o mapa geopolítico mundial em cerca de 15 anos (Índia, 1498 – China, 1513).
“Mas a ligação estreitou-se e ancorou-se sobremaneira através dos imensos conhecimentos aqui forjados ou recebidos, os quais, especialmente nos séculos XVII e XVIII, aproximaram portugueses e chineses, através da mútua troca de experiências e saberes científicos (sobretudo nos domínios da matemática e astronomia)”, lê-se no texto de introdução da grande exposição “Do Sul ao Sol – A Universidade de Coimbra e a China”, que entre 26 de Julho de 2013 e 28 de Setembro de 2014 esteve patente ao público e deu a conhecer muitos aspectos, até então do conhecimento de muito poucos.
É inegável e impossível ignorar a ligação de Coimbra e da sua Universidade ao Oriente, muito em concreto à China e a Macau. Grande parte dos protagonistas da secular relação entre Portugal e o Império do Meio foram formados em Coimbra, ou por ali passaram durante os estudos superiores.
Não querendo deixar os protagonistas para segundo plano, gostaríamos de salientar um dos que assumiu papel de extrema importância. Principalmente porque com a sua tenacidade e capacidade investigativa legou a Portugal, e a Coimbra, um espólio que em muito contribuiu, e ainda hoje contribui, para conhecermos a China e as suas tradições ancestrais.
José Alberto Corte-Real, natural e formado em Coimbra, desempenhou o cargo de secretário-geral do Governo de Macau e Timor entre 1877 e 1883, e foi o responsável pela recolha de um acervo de artefactos, plantas e sementes de Macau e da China. Foram cerca de cinco centenas de produtos industriais, artefactos e curiosidades que o Governador de Macau, Joaquim José da Graça (1880), enviou ao então Reitor da Universidade de Coimbra (Visconde de Vila Maior). Dois anos mais tarde seguiria, pela mesma via, uma colecção de produtos de Timor que também estão na Universidade de Coimbra.
José Alberto Corte-Real desempenhou ainda funções de encarregado de negócios de Portugal na China, no Japão e no antigo Sião, onde deixou marcas da sua passagem que perduraram nos séculos.
A colecção enviada de Macau teve lugar de destaque na exposição “Do Sul ao Sol” e pode ser vista nos museus da Universidade de Coimbra.
Outro dos ilustres de Coimbra que merecem destaque nesta relação com o Oriente é Camilo Pessanha. Nascido Camilo de Almeida Pessanha, na freguesia da Sé Nova de Coimbra, a 7 de Setembro de 1867, estudou Direito na Universidade de Coimbra e partiu para Macau em 1894, onde viveu até morrer em 1926. Deu aulas no Liceu, foi conservador da Comarca de Macau e juiz substituto. Poeta e percursor da corrente simbolista, dedicou-se também ao estudo da história da China e cultivou a língua sínica, traduzindo diversos textos em Chinês, particularmente poesia. Foi um grande apreciador e colecionador de obras de arte chinesa, sendo que parte das suas colecções estão no Museu Nacional de Machado de Castro, em Coimbra. Essas mesmas peças foram destacadas na referida exposição do Museu da Ciência em 2013.
Estes são apenas dois dos nomes que sobressaíram da conversa entre O CLARIM e Pedro Casaleiro, um dos principais responsáveis pela organização “Do Sul ao Sol”.
Mas a ligação da Universidade e da cidade de Coimbra com a China não fica por aqui. Em 2016 foi organizado o ciclo Cultura Ciência Culto, onde vários participantes abordaram a influência dos jesuítas no conhecimento global do mundo de hoje. Inevitavelmente, ao abordarem os jesuítas, abordaram a sua acção e obra no Império do Meio.
Este ano, na última semana de Abril, vai ser inaugurada a mostra “Visto de Coimbra – O Colégio de Jesus entre Portugal e o Mundo” e, no mês seguinte, nos dias 5 e 6 de Maio, a exposição irá dar origem a um colóquio com o mesmo nome, sendo aguardada a presença de inúmeros convidados vindos de todo o mundo.
João Santos Gomes