A acção sensível de Deus.
Do Latim miraculum, de mirari, “maravilhar-se”, pode significar também “prodígio”, um milagre é um facto extraordinário atribuído à intervenção divina, ou seja, à acção sensível de Deus, em resposta à fé. Se nos lembrarmos dos Evangelhos, recordaremos os milagres de Jesus, por exemplo, que são acima de tudo os sinais da chegada do Reino de Deus, como refere São Mateus, em 11, 5. Como afinal os profetas tinham anunciado. Na tradição cristã, a partir das Sagradas Escrituras, os milagres surgem em apoio do testemunho dos Apóstolos acerca da divindade de Jesus.
Em geral, um milagre é algo maravilhoso; num sentido mais específico, os miracula são já os portentos de grande peculiaridade, singulares e únicos. Os gregos, com os termos terata, dynameis, semeia, assumem os “milagres” como portentos realizados pelo poder sobrenatural, sinais de uma missão ou dom especial e sempre relacionados com Deus. São termos usados no Novo Testamento, em consonância com o significado de miraculum que surge na Vulgata. São Tomás de Aquino, no séc. XIII, definiu milagre como algo realizado por Deus, para lá das causas conhecidas pelos homens (Summa Teologica, parte I, 105).
Entre os milagres, contam-se muitas curas. Os milagres dos santos são muito importantes como prova da sua santidade, principalmente nos processos de canonização.
A Igreja Católica e os Milagres
A Igreja Católica acredita que Deus opera milagres, os quais são sinais do Seu amor e do Seu poder infinito sobre todas as coisas. Não os operou apenas nos tempos bíblicos, mas em todo o sempre, como afirmava São João Paulo II, num claro apelo à santidade: «Também hoje se operam milagres e em cada um deles se desenha o rosto do Filho de Deus e se afirma em cada um deles um dom de graça e salvação» (1987).
Não se deve confundir um milagre com os efeitos da graça santificante. Designa-se como milagre algo que é um efeito perceptível por todos os sentidos que ultrapassa as leis naturais. Deus põe ao alcance de cada indivíduo todas as graças necessárias para que se salve sem necessidade de milagres particulares par cada pessoa. Os milagres são pois um fenómeno extraordinário, concedido por Deus, se dispostos para receber graças. Os crentes têm liberdade para dar testemunho prudente do viram ou ouviram, podem dar a sua opinião sobre a autenticidade, mas a palavra final compete sempre à Igreja, que os pode caucionar ou não. O seu reconhecimento só pode ser efectuado pela hierarquia, depois de uma investigação rigorosa que envolve peritos de várias especialidades: médicos, teólogos, cientistas. A Igreja não pretende também investigar e aprovar todos os milagres, apenas os que servem para se reconhecer e comprovar a verdade, como os milagres que recordam a realidade da Eucaristia, os que se associam a aparições marianas (Fátima, Lourdes, Guadalupe…), os que confirmam a santidade de uma pessoa no processo da sua canonização, entre outros.
Os milagres não se podem programar nem exigir, nem a fé do crente, seja qual for o seu estado ou necessidade, obriga Deus a produzir um milagre. A não ocorrência deste não implica pois falta de fé do crente, como noutros tempos se acreditava. Maria rezou pelo seu Filho, seguramente, contra tudo o que lhe sucedeu. E Ele acabou na cruz, depois de até ter dito «afasta de mim esse cálice». Um milagre é a vontade de Deus, mesmo que não seja o que se espera.
Os milagres têm como propósito verificar a obra de Deus, os seus prodígios e sinais (Actos 2,22). Podem ser anunciados pelos seus mensageiros, como a Virgem, os Santos, os Anjos. Embora haja impostores, aparências e embustes. Por isso todo o cuidado da Igreja. Deus permite o sofrimento dos santos e na maioria dos casos não faz o milagre, que apenas os ajuda crescer em santidade, sofrendo.
Os Milagres de todos os tempos
Temos os milagres da Graça, espirituais, nas conversões, na passagem da ignorância à fé, da dúvida à certeza, do pecado à santidade. Recorde-se a conversão de São Paulo, por exemplo. Mas não por causas naturais, antes pela intervenção da Graça, divina, especial, da Misericórdia de Deus. Os Milagres de Jesus nos Evangelhos são as matrizes destas obras de Deus: os milagres sobre a Natureza (são 9, como o caso da transformação de água em vinho nas Bodas de Canaã, pescas milagrosas, acalmia de tempestades, etc.); as curas físicas (os mais numerosos, 20, desde curas de lepra, cegos, paralíticos); milagres de libertação de endemoninhados (exorcismos, com manifestações físicas, em número de 7); na vitória sobre vontades hostis; e 3 ressurreições, como a de Lázaro.
Depois temos os milagres por intercessão da Virgem, aliás a testemunha e figura fundamental do primeiro milagre do Filho, nas Bodas de Canaã). Os milagres de Lourdes, o Milagre do Sol de Fátima, as aparições marianas. A Igreja aqui tem tido uma avaliação e reconhecimento muito rigorosos, como nos demais aliás. Como nos milagres dos Santos, operados pela graça de Deus, por Jesus, que operam através dos que buscam a santidade em vida. São sinais do amor de Deus, manifestações do poder divino de Jesus, chamamento à Fé. Os milagres são mais do que o último reduto da esperança na fé, são uma marca de Deus, da sua acção.
A Congregação da Causa dos Santos zela por esta elevação santos de todos esses homens e mulheres que imolaram a sua vida na causa da fé e do amor, da imitação do Filho. Mais uma vez, João Paulo II, foi o grande reorganizador deste dicastério romano, de forma a refinar e apurar a santidade dos homens e em particular a veracidade e autenticidade dos milagres operados. A peneira é apertada e a avaliação levada até ao limite. Com destaque para os milagres de curas. As comissões médicas e científicas, teológicas também, são hoje cada vez mais actuantes. Como dissemos, os impostores e os embustes são muitos, obnubilando a fé dos homens, sempre ávidos por milagres, mas nem sempre lembrando que os mesmos são orientados para a fé. E não há nenhum milagre que a Igreja imponha como obrigatório de se acreditar ou como solução de problemas materiais. São sinais de Deus, não substituem a fé, apenas a ajudam.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa