1.º DE JANEIRO DE 2022
DIÁLOGO ENTRE GERAÇÕES, EDUCAÇÃO E TRABALHO: INSTRUMENTOS PARA CONSTRUIR UMA PAZ DURADOURA
1. «Que formosos são sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a paz» (Is52, 7)!
Ainda hoje o caminho da paz– o novo nome desta, segundo São Paulo VI, é desenvolvimento integral[1]– permanece, infelizmente, arredio da vida real de tantos homens e mulheres e consequentemente da família humana, que nos aparece agora totalmente interligada. Apesar dos múltiplos esforços visando um diálogo construtivo entre as nações, aumenta o ruído ensurdecedor de guerras e conflitos, ao mesmo tempo que ganham espaço doenças de proporções pandémicas, pioram os efeitos das alterações climáticas e da degradação ambiental, agrava-se o drama da fome e da sede e continua a predominar um modelo económico mais baseado no individualismo do que na partilha solidária. Como nos tempos dos antigos profetas, continua também hoje a elevar-se o clamor dos pobres e da terra[2]para implorar justiça e paz.
Quero propor, aqui, três caminhospara a construção duma paz duradoura. Primeiro, o diálogo entre as gerações, como base para a realização de projetos compartilhados. Depois, a educação, como fator de liberdade, responsabilidade e desenvolvimento. E, por fim, o trabalho, para uma plena realização da dignidade humana. São três elementos imprescindíveis para tornar «possível a criação dum pacto social»[3], sem o qual se revela inconsistente todo o projeto de paz.
2. Dialogar entre gerações para construir a paz
Num mundo ainda fustigado pela pandemia, que tem causado tantos problemas, «alguns tentam fugir da realidade, refugiando-se em mundos privados, enquanto outros a enfrentam com violência destrutiva, mas, entre a indiferença egoísta e o protesto violento há uma opção sempre possível: o diálogo, [concretamente] o diálogo entre as gerações»[4].
Todo o diálogo sincero, mesmo sem excluir uma justa e positiva dialética, exige sempre uma confiança de base entre os interlocutores. Devemos voltar a recuperar esta confiança recíproca. A crise sanitária atual fez crescer, em todos, o sentido da solidão e o isolar-se em si mesmos. Às solidões dos idosos veio juntar-se, nos jovens, o sentido de impotência e a falta duma noção compartilhada de futuro. Esta crise é sem dúvida aflitiva, mas nela é possível expressar-se também o melhor das pessoas. De facto, precisamente durante a pandemia, constatamos nos quatro cantos do mundo generosos testemunhos de compaixão, partilha, solidariedade.
Enquanto o progresso tecnológico e económico frequentemente dividiu as gerações, as crises contemporâneas revelam a urgência da sua aliança. Se os jovens precisam da experiência existencial, sapiencial e espiritual dos idosos, também estes precisam do apoio, carinho, criatividade e dinamismo dos jovens.
Os grandes desafios sociais e os processos de pacificação não podem prescindir do diálogo entre os guardiões da memória – os idosos – e aqueles que fazem avançar a história – os jovens –; tal como não é possível prescindir da disponibilidade de cada um dar espaço ao outro, nem pretender ocupar inteiramente a cena preocupando-se com os seus interesses imediatos como se não houvesse passado nem futuro.
3. A instrução e a educação como motores da paz
Nos últimos anos, diminuiu sensivelmente a nível mundial o orçamento para a instrução e a educação, vistas mais como despesas do que como investimentos; e, todavia, constituem os vetores primários dum desenvolvimento humano integral: tornam a pessoa mais livre e responsável, sendo indispensáveis para a defesa e promoção da paz. Por outras palavras, instrução e educação são os alicerces duma sociedade coesa, civil, capaz de gerar esperança, riqueza e progresso.
Ao contrário, aumentaram as despesas militares, ultrapassando o nível registado no termo da «guerra fria», e parecem destinadas a crescer de maneira exorbitante[5].
Por conseguinte é oportuno e urgente que os detentores das responsabilidades governamentais elaborem políticas económicas que prevejam uma inversão na correlação entre os investimentos públicos na educação e os fundos para armamentos. Aliás a busca dum real processo de desarmamento internacional só pode trazer grandes benefícios ao desenvolvimento dos povos e nações, libertando recursos financeiros para ser utilizados de forma mais apropriada na saúde, na escola, nas infraestruturas, no cuidado do território, etc.
Investir na instrução e educação das novas gerações é a estrada mestra que as leva, mediante uma específica preparação, a ocupar com proveito um justo lugar no mundo do trabalho[6].
4. Promover e assegurar o trabalho constrói a paz
A pandemia Covid-19 agravou a situação do mundo do trabalho, que já antes se defrontava com variados desafios. Faliram milhões de atividades económicas e produtivas; os trabalhadores precários estão cada vez mais vulneráveis; muitos daqueles que desempenham serviços essenciais são ainda menos visíveis à consciência pública e política; a instrução à distância gerou, em muitos casos, um retrocesso na aprendizagem e nos percursos escolásticos. Além disso, os jovens que assomam ao mercado profissional e os adultos precipitados no desemprego enfrentam hoje perspetivas dramáticas.
Particularmente devastador foi o impacto da crise na economia informal, que muitas vezes envolve os trabalhadores migrantes. Muitos deles – como se não existissem – não são reconhecidos pelas leis nacionais; vivem em condições muito precárias para eles mesmos e suas famílias, expostos a várias formas de escravidão e desprovidos dum sistema de previdência que os proteja. Mais, atualmente apenas um terço da população mundial em idade laboral goza dum sistema de proteção social ou usufrui dele apenas de forma limitada.
Como é urgente promover em todo o mundo condições laborais decentes e dignas, orientadas para o bem comum e a salvaguarda da criação! É necessário garantir e apoiar a liberdade das iniciativas empresariais e, ao mesmo tempo, fazer crescer uma renovada responsabilidade social para que o lucro não seja o único critério-guia.
Queridos irmãos e irmãs! Enquanto procuramos unir os esforços para sair da pandemia, quero renovar os meus agradecimentos a quantos se empenharam e continuam a dedicar-se, com generosidade e responsabilidade, para garantir a instrução, a segurança e tutela dos direitos, fornecer os cuidados médicos, facilitar o encontro entre familiares e doentes, garantir apoio económico às pessoas necessitadas ou desempregadas. E asseguro, na minha oração, a lembrança de todas as vítimas e suas famílias.
Aos governantes e a quantos têm responsabilidades políticas e sociais, aos pastores e aos animadores das comunidades eclesiais, bem como a todos os homens e mulheres de boa vontade, faço apelo para caminharmos, juntos, por estas três estradas: o diálogo entre as gerações, a educação e o trabalho. Com coragem e criatividade. Oxalá sejam cada vez mais numerosas as pessoas que, sem fazer rumor, com humildade e tenacidade, se tornam dia a dia artesãs de paz. E que sempre as preceda e acompanhe a bênção do Deus da paz!
Vaticano, 8 de dezembro de 2021.
Francisco
(*) Excertos. Mensagem redigida segundo o Novo Acordo Ortográfico.
[1]Cf. Carta enc. Populorum progressio(26/III/1967), 76-80.
[2]Cf. Francisco, Carta enc. Laudato si’(24/V/2015), 49.
[3]Cf. Francisco, Carta enc. Fratelli tutti(03/X/2020), 218.
[5]Cf. Francisco, Mensagem aos participantes no IV Fórum de Paris sobre a Paz(11-13/XI/2021).
[6]Cf. São João Paulo II, Carta enc. Laborem exercens(14/IX/1981), 18.