MENSAGEM DO PAPA

DOMINGO (2 DE JUNHO DE 2019) A IGREJA CATÓLICA CELEBRA O 53º DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS. O CLARIM PUBLICA A MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO REFERENTE À EFEMÉRIDE (*)

Queridos irmãos e irmãs!

Desde quando se tornou possível dispor da Internet, a Igreja tem sempre procurado que o seu uso sirva o encontro das pessoas e a solidariedade entre todos. Gostaria de vos convidar uma vez mais a reflectir sobre o fundamento e a importância do nosso ser-em-relação e descobrir, nos vastos desafios do actual panorama comunicativo, o desejo que o homem tem de não ficar encerrado na própria solidão.

As metáforas da “rede” e da “comunidade”.Hoje, o ambiente dos “mass-media” é tão invasivo que já não se consegue separar do círculo da vida quotidiana. A rede é um recurso do nosso tempo: uma fonte de conhecimentos e relações outrora impensáveis. Mas numerosos especialistas destacam os riscos que ameaçam a busca e a partilha duma informação autêntica à escala global. Se é verdade que a Internet constitui uma possibilidade extraordinária de acesso ao saber, verdade é que se revelou como um dos locais mais expostos à desinformação e à distorção consciente e pilotada dos factos e relações interpessoais, a ponto de muitas vezes cair no descrédito.

É necessário reconhecer que se, por um lado, as redes sociais servem para nos conectarmos melhor, fazendo-nos encontrar e ajudar uns aos outros, por outro, prestam-se também a um uso manipulador dos dados pessoais, visando obter vantagens no plano político ou económico, sem o devido respeito pela pessoa e seus direitos. As estatísticas relativas aos mais jovens revelam que um em cada quatro adolescentes está envolvido em episódios de “cyberbullying”.

A metáfora da rede convida-nos a reflectir sobre a multiplicidade de percursos e nós que, na falta de um centro, uma estrutura de tipo hierárquico, uma organização de tipo vertical, asseguram a sua consistência. A rede funciona graças à comparticipação de todos os elementos.

Reconduzida à dimensão antropológica, a metáfora da rede lembra outra figura densa de significados: a comunidade. Uma comunidade é tanto mais forte quando mais for coesa e solidária, animada por sentimentos de confiança e empenhada em objectivos compartilháveis. Como rede solidária, a comunidade requer a escuta recíproca e o diálogo, baseado no uso responsável da linguagem.

No cenário actual, salta aos olhos de todos como a comunidade de redes sociais não seja, automaticamente, sinónimo de comunidade. No melhor dos casos, tais comunidades conseguem dar provas de coesão e solidariedade, mas frequentemente permanecem agregados apenas indivíduos que se reconhecem em torno de interesses ou argumentos caracterizados por vínculos frágeis. Além disso, na “social web”, muitas vezes a identidade funda-se na contraposição ao outro, à pessoa estranha ao grupo: define-se mais a partir daquilo que divide do que daquilo que une, dando espaço à suspeita e à explosão de todo o tipo de preconceito (étnico, sexual, religioso, e outros). Esta tendência alimenta grupos que excluem a heterogeneidade, alimentam no próprio ambiente digital um individualismo desenfreado, acabando às vezes por fomentar espirais de ódio. E, assim, aquela que deveria ser uma janela aberta para o mundo, torna-se uma vitrine onde se exibe o próprio narcisismo.

A rede é uma oportunidade para promover o encontro com os outros, mas pode também agravar o nosso autoisolamento, como uma teia de aranha capaz de capturar. Os adolescentes é que estão mais expostos à ilusão de que a “social web” possa satisfazê-los completamente a nível relacional, até se chegar ao perigoso fenómeno dos jovens “eremitas sociais”, que correm o risco de se alhear totalmente da sociedade.

Esta realidade multiforme e insidiosa coloca várias questões de carácter ético, social, jurídico, político, económico, e interpela também a Igreja. Enquanto cabe aos Governos buscar as vias de regulamentação legal para salvar a visão originária duma rede livre, aberta e segura, é responsabilidade ao alcance de todos nós promover um uso positivo da mesma.

«Somos membros uns dos outros».Pode-se esboçar uma resposta a partir duma terceira metáfora – o corpo e os membros – usada por São Paulo para falar da relação de reciprocidade entre as pessoas, fundada num organismo que as une. «Por isso, despi-vos da mentira e diga cada um a verdade ao seu próximo, pois somos membros uns dos outros» (Efésios, 4, 25). O facto de sermos membros uns dos outros é a motivação profunda a que recorre o Apóstolo para exortar a despir-se da mentira e dizer a verdade: a obrigação de preservar a verdade nasce da exigência de não negar a mútua relação de comunhão. Com efeito, a verdade revela-se na comunhão; ao contrário, a mentira é recusa egoísta de reconhecer a própria pertença ao corpo; é recusa de se dar aos outros, perdendo assim o único caminho para se reencontrar a si mesmo.

Como cristãos, todos nos reconhecemos como membros do único corpo cuja cabeça é Cristo. Isto ajuda-nos a não ver as pessoas como potenciais concorrentes, considerando os próprios inimigos como pessoas. Pois também em virtude de termos sido criados à imagem e semelhança de Deus, trazemos sempre no coração a nostalgia de viver em comunhão e de pertencer a uma comunidade.

O panorama actual convida-nos a investir nas relações, a afirmar – também na rede e através da rede – o carácter interpessoal da nossa humanidade. Por maior força de razão, nós, cristãos, somos chamados a manifestar aquela comunhão que marca a nossa identidade de crentes. De facto, a própria fé é uma relação, um encontro; e nós, sob o impulso do amor de Deus, podemos comunicar, acolher e compreender o dom do outro e corresponder-lhe.

É precisamente a comunhão à imagem da Trindade que distingue a pessoa do indivíduo. Da fé num Deus que é Trindade, segue-se que, para ser eu mesmo, preciso do outro. Só sou verdadeiramente humano se me relacionar com os outros. Com efeito, o termo pessoa conota o ser humano como “rosto”, voltado para o outro, comprometido com os outros. A nossa vida cresce em humanidade passando do carácter individual ao carácter pessoal; o caminho autêntico de humanização vai do indivíduo que sente o outro como rival para a pessoa que nele reconhece um companheiro de viagem.

Do “like” ao “amém”.Se a rede for usada como prolongamento ou expectação de tal encontro, então não se atraiçoa a si mesma e permanece um recurso para a comunhão. Se uma família utiliza a rede para estar mais conectada, para depois se encontrar à mesa e olhar-se olhos nos olhos, então é um recurso. Se uma comunidade eclesial coordena a sua actividade através da rede, para depois celebrar juntos a Eucaristia, então é um recurso. Se a rede é uma oportunidade para me aproximar de casos e experiências de bondade ou de sofrimento distantes fisicamente de mim, para rezar juntos e, juntos, buscar o bem na descoberta daquilo que nos une, então é um recurso.

Assim, podemos passar do diagnóstico à terapia: abrir o caminho ao diálogo, ao encontro, ao sorriso, ao carinho… Esta é a rede que queremos: uma rede feita, não para capturar, mas para libertar, para preservar uma comunhão de pessoas livres. A própria Igreja é uma rede tecida pela Comunhão Eucarística, onde a união não se baseia nos “likes” [“gostos”], mas na verdade, no “amém” com que cada um adere ao Corpo de Cristo, acolhendo os outros.

Franciscus

(*) Texto editado

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