MELISSA GARABILES

MELISSA GARABILES, DOCENTE DA UNIVERSIDADE ATENEO DE MANILA

«Aplaudo os que tratam os migrantes da mesma forma que tratam os locais»

A pandemia de Covid-19 deixou ainda mais fragilizadas as comunidades migrantes, com os trabalhadores não-residentes a perfilarem-se entre os mais vulneráveis a problemas de saúde mental. O veredicto é traçado a’O CLARIMpor Melissa Garabiles, antiga docente da Universidade de Macau que trabalhou com a Cáritas na concepção da iniciativa “Kumusta Kabayan”, um projecto que propõe tomar o pulso à saúde mental dos TNR do território. A docente da Universidade Ateneo de Manila diz que a incerteza associada à pandemia é um factor de angústia para muitos imigrantes.

O CLARIM– Investigou de forma bastante substancial os desafios que as comunidades migrantes enfrentam em termos de saúde, bem como a falta de acesso a serviços de saúde, nomeadamente no que diz respeito à saúde mental. Em circunstâncias normais, estas comunidades são já comunidades desfavorecidas e fragilizadas. Que impacto teve a pandemia de Covid-19 em termos de saúde mental?

MELISSA GARABILES– Tem razão no diagnóstico que traça: as comunidades migrantes têm tendência a ser mais desfavorecidas e a ocupar uma posição de maior fragilidade. A pandemia agravou a situação em que se encontram em termos de problemas de saúde mental, dadas as incertezas sobre uma grande variedade de aspectos, a começar pelo emprego. Será que vão continuar a ter emprego? E se sim, até quando? Se não, o que acontece? Como e quando poderão regressar a casa? Onde vão encontrar dinheiro para enviar para a família? O que vai acontecer com os vistos ou autorizações de trabalho? A este tipo de incertezas, juntam-se outras preocupações sobre a família no país de origem: Ainda têm emprego? Estão seguros? Conseguem colocar em prática os protocolos de saúde determinados pelas autoridades? Os filhos vão poder continuar a estudar? Muitos, e entre eles milhares em Macau, viram-se impedidos de visitar a família no país de origem e isso é particularmente deprimente em alturas de celebração. Nos países que não tiveram capacidade para gerir bem a crise de saúde pública e o impacto económico que originou, as famílias ficaram ainda mais dependentes dos migrantes e das remessas que enviam para fazer frente a problemas financeiros. Isto é para os migrantes um fardo adicional. Antes da pandemia eles já estavam entre as principais fontes de rendimento, quando não eram a principal ou mesmo os únicos a sustentar as famílias.

CL– É esse o caso de muitos imigrantes filipinos…

M.G.– Os migrantes estão muitas vezes na linha da frente – veja-se o caso das enfermeiras – ou estão entre aqueles que não podem trabalhar a partir de casa (condutores, empregadas de limpeza), o que faz com que a possibilidade de estarem expostos ao vírus aumente face aos que podem trabalhar a partir de casa. Há ainda casos de pessoas que estão a trabalhar mais tempo, como as empregadas domésticas, sem que as horas extraordinárias lhes sejam pagas e há mesmo casos de trabalhadoras que viram o seu salário ser reduzido. Isto contribui para um aumento ainda mais pronunciado da ansiedade e da fadiga. As notícias sobre o vírus e a exposição aos seus efeitos, sejam eles ao nível da saúde ou ao nível da economia, também são potencialmente traumáticos. De uma forma global, há um forte sentimento de perda: perda de emprego, perda da sensação de segurança, das rotinas que se tinham, das oportunidades, dos planos e dos sonhos. Para alguns, essa perda foi agravada pela morte de familiares e entes queridos. Todos lamentam a perda de alguma coisa, mas com os principais sistemas de apoio longe, o luto e a gestão da perda são mais difíceis para os imigrantes. Numa perspectiva mais positiva, os migrantes que vivem em locais onde o Governo conseguiu gerir esta crise de forma mais eficaz, como Macau, podem sentir uma sensação de maior segurança pessoal. Vi fotografias de migrantes a passearem-se por Macau ou a conviver com os amigos. Esta oportunidade de saírem e de poderem usufruir do “novo normal” podem contribuir para que se sintam mais calmos e menos stressados. No entanto, se as suas famílias viverem em locais onde a crise não foi bem gerida, este sentimento de segurança pode ser abalado por sentimentos de medo ou por preocupações com a segurança ou com a sustentabilidade financeira da família.

CL– O impacto da pandemia na saúde e no bem-estar dos trabalhadores migrantes está a ser negligenciado?

M.G.– Há a sensação prevalecente de que os trabalhadores migrantes estão a ser negligenciados porque os Governos habitualmente focam as suas políticas nos seus cidadãos primeiros. Ainda há um sentimento de “alteridade” que faz com que os migrantes sejam visto como menos importantes que os locais, ainda que sejam seres humanos e façam contributos vitais para as sociedades onde estão inseridos. Em alguns países há interrogações sobre se serão ou não vacinados e nem todos os Governos distribuem atempadamente informação em idiomas que os migrantes possam entender sobre os protocolos de saúde e as mais recentes actualizações e isto deixa-os vulneráveis à desinformação.

CL– O Covid-19 deixou estes trabalhadores mais expostos a problemas como a depressão? Ou mesmo o suicídio?

M.G.– Sim. Em tempos de incerteza e de crise, sem uma rede de segurança e apoio do Governo, é mais fácil cair nas malhas da depressão. Os pensamentos suicidas também podem aumentar, particularmente se começarem a existir problemas financeiros. Os migrantes olham para si mesmo como o ganha-pão das famílias. Se perderem o emprego e se não conseguirem mandar remessas para a família, podem sentir que o melhor é por um fim à própria vida. Os pensamentos do género também podem aumentar entre aqueles que são abusados fisicamente, sexualmente ou psicologicamente. Estas pessoas agora nem sequer conseguem escapar da situação em que se encontram devido às restrições em termos de viagens. É necessário sublinhar, ainda assim, que a depressão e os pensamentos suicidas são mais prováveis entre as pessoas que já tinham propensão para isso antes da pandemia. Os que não têm essa propensão lidam melhor com a situação e adaptam-se melhor à crise.

CL– As autoridades – não apenas em Macau, mas em locais com um perfil similar, como Hong Kong ou o Médio Oriente – estão a fazer alguma coisa em relação a esta questão?

M.G.– Há locais onde os Governos, ou pelo menos as organizações sociais, estão a encontrar formas de proteger os migrantes durante esta crise. A deputada Agnes Lam tem vindo a promover a defesa dos trabalhadores migrantes em Macau. Já o fazia antes da pandemia e continua a fazê-lo. Em Hong Kong, foram oferecidas máscaras de graça aos migrantes e em Macau também. Portugal regularizou temporariamente a situação de centenas de milhar de imigrantes, permitindo que tivessem acesso ao sistema de saúde pública e a apoio governamental. São exemplos suficientes? Depende do país. Se antes da pandemia, os direitos humanos dos migrantes já não eram respeitados, parece-me difícil que fossem tomadas decisões para os proteger agora. O meu aplauso para os que tratam os migrantes da mesma forma que tratam os locais.

Marco Carvalho

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *