Luís Cascais

Macau: um adeus que se vai eternizando.

Nascido em 1944, na freguesia de São Lourenço, Luís Cascais é filho de um militar português que chegou a sub-chefe de esquadra da Polícia de Segurança Pública. O pai casou com uma senhora chinesa de Cantão e do casamento nasceram três filhos. A mãe foi para Macau ao cuidado de uma tia que era muito católica, por isso também foi educada de acordo com os rigores da educação católica da época, tendo depois conhecido o futuro marido.

Luís Cascais estudou na Escola Primária de Santa Rosa de Lima, na então avançada para a época “classe bebé”. Dali mudou-se para o Seminário de São José, sendo que se lembra de frequentar a igreja de São Lourenço, e do seu pároco, o padre Mendes.

Frequentava a segunda classe quando, por motivos de saúde, o pai – já nas fileiras da PSP – foi obrigado a pedir a reforma antecipada e rumar a Portugal.

Deixou Macau, em 1952, com apenas oito anos, e com a família foi para uma aldeia de Trás-os-Montes, bem perto de Torre de Moncorvo, onde terminou os estudos primários. O liceu levou-o até Moncorvo e, posteriormente, licenciou-se em História e Educação Física na cidade do Porto. A vida profissional, essa, foi toda dedicada ao Ensino Secundário em vários locais do Norte de Portugal.

De Macau guarda com nostalgia as memórias de uma criança. No território ainda vivem primos, um deles notário e bem conhecido na sociedade local.

O regresso à terra que o viu nascer, assim como às suas irmãs, foi ponderado muitas vezes e foi com tristeza que a’O CLARIM contou os contornos desse regresso que nunca aconteceu.

A mãe ficou viúva muito cedo, pois o pai faleceu ainda novo, devido aos problemas de saúde que o tinham obrigado a deixar Macau. Com as irmãs, ao longo dos anos, pensou sempre regressar – mais não fosse de férias – à terra longínqua. Tinham o sonho de levar a mãe, que nunca mais voltou a Macau ou à China, ao território onde conhecera o homem da sua vida – «um plano que estava destinado a nunca acontecer», como nos explicou o professor Luís Cascais. A mãe, que faleceu com 93 anos, sofria de problemas cardíacos. Por coincidência, ou porque algo mais elevado não queria que a mãe voltasse a ver os familiares de Macau e da China, sempre que marcavam a viagem e faziam planos, algo acontecia e a situação clínica da progenitora deteriorava-se a ponto dos médicos a proibirem de viajar.

A sua «Santa Mãe», como a ela carinhosamente se refere, estava destinada a nunca mais regressar à China. Estamos a falar de uma senhora que enfrentou as adversidades da sociedade portuguesa da década de sessenta, num interior norte pouco desenvolvido quando comparado com a sociedade mais avançada de Macau.

É com tristeza que recorda como «na aldeia faziam chacota da mãe por falar mal Português, por ser diferente». Foi talvez esse factor – sentirem-se diferentes, ou os fazerem sentirem-se diferentes – que os levou a serem tão unidos. Nem Luís Cascais, nem as duas irmãs regressaram alguma vez a Macau. E sempre que havia planos para os três irmãos voltarem incluíam a mãe.

Na memória guarda algumas recordações como se as vivesse hoje: dos balões que ia lançar na Penha, das pescarias na Praia Grande e das idas ao cinema de graça porque o pai era o «senhor polícia». Ou das idas à Central da Polícia de riquexó, sendo que «já nada disso existe», conforme lhe têm dito.

Questionado se ainda planeia regressar, sozinho ou com as irmãs, não garante que o faça, acrescentando que «para ficar desiludido» prefere «guardar as memórias lindas» que tem da sua Macau dos oito anos de idade.

Também recorda com gosto o Si Nga Tchei, na zona do Lilau, onde vivia e podia comprar tudo o que uma criança deseja: «Recolhia ferro-velho com o amigo Rui e Morato para depois vender ao Ten Tei Lou. Com esse dinheiro ia comprar Tchi Ma Fu e Ong Tok Chow, que se vendia nas esquinas das ruas perto de casa».

Com um sorriso de criança na cara, discorre as trafulhices nos lançamentos de papagaios, aos quais untavam as guitas com farinha e vidro partido para que assim conseguissem cortar, mais facilmente, a guita dos outros papagaios.

De uma história nunca se há de esquecer. Na Central da Polícia foi mordido por um macaco porque meteu a mão dentro da jaula. Sem o pai saber, juntamente com o seu grande amigo na época, um rapaz chamado Ah-tchin, filho de um polícia chinês, apanharam um riquexó – eram puxados por cules descalços – para irem tratar da mordidela sem que ninguém soubesse. Tinha apenas sete anos.

O Cantonense era a sua língua materna. Era o que se falava em casa porque a mãe não falava Português. Aliás, confessou que o seu próprio Português «era muito pouco. Era mais uma espécie de Patuá…». Com tristeza, explicou que o domínio do Chinês foi a primeira coisa que em conjunto com as irmãs, devido à chacota de que eram alvo na aldeia, foram forçados a perder, porque queriam sentir-se integrados. Em pequeno era conhecido como “Luís Chinês”. Hoje tem a perfeita noção que «foi um erro» e pouco, ou quase nada, se lembra da língua materna.

São estas memórias, a par da limonada na igreja de São Lourenço e de outras lembranças de tempos idos, que o professor Luís Cascais não quer perder ao regressar à Macau moderna, que nada tem a ver com a que deixou em 1952.

A paixão por Macau sente-se nas palavras e, frontalmente, diz que não é por ser caro ou muito longe que não voltou à sua terra natal. Adora viajar e até já visitou boa quantidade de países na Europa e na América.

Simplesmente ainda não voltou a Macau, «porque ainda não aconteceu!».

JOÃO SANTOS GOMES

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