Macau no Tecto do Mundo
Completaram, na passada segunda-feira, 391 anos sobre o início da longa jornada do padre António de Andrade e do frei Manuel Marques, a partir de Agra, no norte da Índia, em direcção a Tsaparang, no Tibete Ocidental ou Potente, onde fundaram a primeira missão jesuíta no Tecto do Mundo.
Alguns anos mais tarde seria a vez de um grupo de sete missionários jesuítas partir de Goa para impulsionar a missão de Tsaparang, na capital do Reino do Guge. Entre eles estava o padre macaense Baltasar Caldeira.
Em 1629, António de Andrade foi chamado a Goa para ocupar o cargo de provincial dos jesuítas e delegado do Santo Ofício. Contudo, morreu a 19 de Março de 1634 com sintomas de envenenamento na véspera de pregar um auto de fé, pouco depois de ter sido promovido a visitador para o Japão e China.
Por esta altura estava a ser preparada uma viagem até Tsaparang, que deveria incluir Andrade. O projecto ficou pendente um ano e no início de 1635 os sete missionários partiram de Goa sob a liderança do padre Nuño Coresma.
«Dos meus seis companheiros apenas um chegou a Chaparangue [Tsaparang] comigo. Dois morreram no caminho e os outros três ficaram tão doentes que teria sido desumano levá-los adiante e deixá-los morrer neste país desolado», escreveu o espanhol Nuño Coresma, numa primeira carta datada de 30 de Agosto de 1635.
Os três que ficaram para trás em Srinagar (Garhwal), de onde muito provavelmente voltaram para Agra, foram o padre Freitas, o padre Caldeira e o frei Barreiros.
Baltasar Caldeira nasceu em Macau em 1609 e tornou-se jesuíta na cidade de Goa em 1627. Após três anos na missão Mogol, esteve activo em vários sítios, tais como em Tonquim (norte do Vietname), na China e no Japão. Voltou depois à Índia, onde desempenhou vários cargos. Faleceu em Goa a 3 de Maio de 1678.
Mais sucesso teve o jesuíta João Cabral, que esteve no Tibete antes da sua passagem por Macau. Natural de Celorico da Beira, em Portugal, partiu de Cochim para o Tibete a 15 de Março de 1626, na companhia do padre Estêvão Cacela e do frei Bartolomeu Fontebona, sendo esta a primeira vez que europeus pisaram quatro regiões: o Butão, Sikkim, o Tibete Central (Shigatsé) e o Nepal.
«Em 1632, o padre Cabral regressou a Cochim, onde trabalhou. Exerceu depois o seu apostolado no Japão, Tonquim, Ceilão, Malaca e Macau. Aqui, foi reitor do Colégio da Madre de Deus, de 1645 a 1646 e de 1649 a 1652», refere Giuseppe Toscano, em “La Prima Missione Cattolica nel Tibet”. João Cabral faleceu em Goa a 4 de Julho de 1669.
Primeira viagem
As notícias de uma cristandade isolada, perdida ou exótica que viveria para além das montanhas chegaram ao conhecimento de António de Andrade por relatos de mouros caxemiras e de outras pessoas sérias que dela tinham notícia.
A insatisfação que sentia com os últimos anos de permanência na corte Mogol, na Índia, por não ter conseguido converter o soberano Jahangir, serviu-lhe de incentivo para investigar a veracidade dessa cristandade. A 30 de Março de 1624 iniciou com Manuel Marques, em Agra, uma dura travessia com passagem por Deli, Srinagar, Badrinath e Mana, até chegar a Tsaparang.
Chegados ao colo de Mana ficam alguns dias à espera que quebrassem as neves do deserto. Apesar dos avisos para não continuarem, António de Andrade deixou Manuel Marques numa aldeia e decidiu avançar na companhia de dois moços cristãos e de um serrano, que servia de guia. No decorrer da viagem foi o serrano quem o abandonou.
Andrade tentou, mesmo assim, ultrapassar as dificuldades. Na primeira Carta, datada 8 de Novembro de 1624, referia que «nos acontecia muitas vezes ficar encravados dentro na neve, ora até os ombros, ora até os peitos, de ordinário até o joelho, (…) vendo-nos não poucas vezes em risco de vida». Devido à neve e aos raios de Sol, foi sensivelmente por esta altura que perdeu parte de um dedo da mão e ficou parcialmente cego de um olho.
O rigor do Inverno fez o padre Andrade voltar para trás, até que ao fim de mais alguns dias reencontrou Manuel Marques. Ambos retomaram a viagem quase um mês depois, agora em melhores condições atmosféricas.
Os dois missionários chegam a Tsaparang em inícios de Agosto de 1624 e, depois de passarem por algumas dificuldades iniciais, o soberano Thi Tashi Dagpa atribuiu a Andrade o detentor do título e classe de Lama no Reino de Guge, pois o formão estabelecido pelo monarca chamava-lhe «nosso mestre lamba [lama] maior». No entanto, uma desvantagem que o jesuíta encontrou foi a de não saber falar o suficiente em Tibetano para melhor poder pregar e converter almas.
Dificuldades
No Inverno de 1626, ou na Primavera de 1627, após ter recebido bem os jesuítas, o Rei do Guge começou a perseguir os Lamas. Os problemas agravam-se sensivelmente na Primavera de 1630, numa altura em que aconteceu a revolta dos Lamas contra Thi Tashi Dagpa, em Tsaparang e no Guge. «O rei do Ladakh vence, captura este último e apodera-se do seu reino. A maioria dos cristãos de Tsaparang é feita prisioneira e a estação missionária de Rudok é destruída», descreve a cronologia de Giuseppe Toscano, em “Alla scoperta del Tibet”.
«Em 1640, após ordem vinda de Roma para tentarem reabrir a missão de Tsaparang, Tomé de Barros, Inácio da Cruz e Luís da Gama chegam a Srinagar, conduzidos por [Manuel] Marques. No Verão, [Stanislao] Malpichi e Marques partem de Srinagar para o Tibete. São feitos prisioneiros no colo de Mana e fogem. Marques é recapturado», acrescenta Giuseppe Toscano.
Nos meses de Agosto e de Setembro de 1641, Marques envia cartas da sua prisão, em Tsaparang. No fim de 1641 ou no início de 1642, os tibetanos recusam libertar Marques, que morre no cativeiro em data desconhecida.
Os jesuítas portugueses não foram mais para o Tibete depois desta data. No entanto, sob as ordens do Superior Geral dos Jesuítas, a missão viria a ser retomada em 1715, com o italiano Ippolito Desideri (1684-1733).
PEDRO DANIEL OLIVEIRA
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