Uma cana de pesca para a população.
Foram as Linhas de Acção Governativa para 2018 que a população já esperava. Para os residentes em geral estão assegurados os subsídios de anos anteriores; os mais desfavorecidos vêem melhoradas as ajudas sociais. O mote para o próximo ano é o apoio às PME e o investimento em infra-estruturas, tudo a pensar na integração regional. O Plano Quinquenal para o Desenvolvimento da RAEM está em marcha e o tempo começa a escassear….
Assistiu-se a mais um filme com a chancela de Pequim, na passada terça-feira, no Hemiciclo dos Lagos Nam Van. O argumento das películas tem quase vinte anos. Mudam alguns actores, o cenário é o mesmo, a plateia vai crescendo ao sabor da economia, embora Macau já tenha sido mais atractiva. Diz quem conhece bem Zhuhai e Shenzhen – nem é preciso ir a Pequim ou Xangai – que a RAEM (e Hong Kong) começa a distanciar-se anos-luz do resto da China.
Das Linhas de Acção Governativa para 2018 pouco de novo se retira. Uma brochura entregue por estes dias à população assinala como novidade o prolongamento do prazo de utilização dos vales de saúde, a subida do subsídio de nascimento para as cinco mil patacas, o aumento do subsídio do idoso das oito mil para as nove mil patacas, o reforço do subsídio para a aquisição de manuais escolares nos Ensinos Infantil, Primário e Secundário, a revisão em alta dos subsídios de alimentação e de aquisição de material escolar para os estudantes provenientes de famílias com dificuldade económica, a actualização do subsídio de propinas para estudantes de Macau que frequentem o ensino na província de Cantão, incluindo pela primeira vez os Ensinos Primário e Secundário Geral, a revisão do limite máximo de devolução do imposto profissional para as catorze mil patacas e, por último, a isenção do pagamento do imposto de selo sobre leilões. Ou seja, a Educação é a grande beneficiada no que respeita aos apoios sociais do Governo.
Ao contrário do que alguns deputados e dirigentes associativos pretendiam, alíneas como a Conta Individual de Previdência, o Plano de Comparticipação Pecuniária (cheques), o Programa de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento Contínuo, as subvenções do pagamento das tarifas de energia eléctrica e de água, entre outras ajudas, mantiveram os mesmos valores, na linha do que aconteceu em anos anteriores.
Linhas conservadoras
Poderá haver a tentação de atribuir aos poucos aumentos anunciados pelo Governo – note-se que para a Função Pública apenas estão previstos 2,4 por cento – o facto da economia de Macau estar a recuperar de um período menos favorável, sendo que o impacto da abertura de novos casinos é uma incógnita. Nos últimos anos o fluxo de capitais nos cofres do território foi menor do aquilo a que o Executivo estava habituado, o que fez soar a sirene da austeridade, servindo também como pretexto para esfriar os gastos públicos em nome da luta contra a corrupção, um dos desígnios do Presidente Xi Jinping.
Outras das razões que podem estar por detrás do apertar (ainda que ligeiro) do cinto social – na realidade o Orçamento para 2018 é superior em 17 mil milhões em relação a 2017 – prende-se com o objectivo de desenvolver e integrar Macau na região do Grande Delta, o que acarreta custos acrescidos para o Governo. Para tal, há que construir e melhorar infra-estruturas, modernizar serviços e apostar na formação de quadros qualificados. Daí o anúncio, por exemplo, da criação de “um serviço especializado para coordenar a cooperação regional”, de “uma empresa de capitais públicos, com vista a aperfeiçoar progressivamente o ambiente urbano” e a constituição da Direcção de Protecção Civil e de Coordenação de Contingência, para além da revisão de várias leis, como a Lei de Bases da Organização Judiciária, o Código de Processo Civil e o Código Penal, e a elaboração de diplomas legais relativos às áreas marítimas.
Neste contexto, compreende-se o ênfase dado pelo Chefe do Executivo à reversão de 57 terrenos até ao momento, que poderão ser utilizados para a construção de habitações e instalações públicas. Trata-se de resolver os problemas de Macau a nível interno, por forma a melhor integrar a Região do Grande Delta.
Hoje o Governo Central olha para o País como um todo, interligando províncias, municípios, zonas económicas especiais e, claro está, Macau e Hong Kong. Já esta semana, o director do Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM, Zheng Xiaosong, referindo-se ao 19º Congresso do Partido Comunista Chinês, afirmou que «não se pode deixar para trás nenhuma família pobre ou indivíduo», acrescentando que a China está a «desraizar a pobreza», tendo estendido o apoio a 60 milhões de pessoas (JTM, 14/11/17).
Neste âmbito, compreende-se as palavras de Fernando Chui Sai On: «Continuaremos […] a empenhar todos os esforços na implementação articulada do Plano Quinquenal de Desenvolvimento da RAEM com o planeamento geral do País. Iremos participar activamente na cooperação regional, tomando em consideração as necessidades do País e as especificidades e o posicionamento de Macau».
O Chefe do Executivo reiterou que os três Governos de Guangdong, Hong Kong e Macau «irão envidar esforços para tornar a Grande Baía numa região económica mais dinâmica, numa área com uma qualidade de vida elevada e que ofereça boas condições para viver, trabalhar e viajar, e numa zona piloto de cooperação aprofundada entre o Interior da China, Hong Kong e Macau, contribuindo em conjunto para a construção de uma área metropolitana de nível mundial».
No discurso a plataforma entre a China e os Países de Língua Portuguesa também não foi esquecida: «Continuaremos a aprofundar a cooperação regional com a Região do Pan-Delta do Rio das Pérolas, para em conjunto explorarmos os mercados dos países lusófonos, da União Europeia e do Sudeste Asiático».
Conclusão: As Linhas de Acção Governativa seguem o velho ditado “não lhe dês peixe, ensina-o a pescar”. Há muito que a RAEM tem os cofres cheios – a ponto de poder perder dinheiro com aplicações mal realizadas nos mercados internacionais e ainda assim manter os fundos no verde – mas o sentido vai, acima de tudo, em combater a pobreza e ajudar os mais desfavorecidos. O reforço de alguns subsídios direccionados para as classes mais baixas são o sinal inequívoco da vontade do Governo em diminuir o fosso entre ricos e pobres, pois o sucesso da integração regional de Macau passa por apresentar junto dos outros mercados uma sociedade harmoniosa, expressão adoptada pelo primeiro Chefe do Executivo, Edmundo Ho, seguindo assim já na época um dos desejos do Governo Central, que cedo se apercebeu das desigualdades sociais nas regiões administrativas especiais de Macau e Hong Kong, e da diferença do nível de desenvolvimento entre estas e as cidades vizinhas.
Nesta linha de pensamento é bem provável que nos próximos anos não haja grandes alterações na política de atribuição de subsídios à população em geral, mas os cidadãos que menos têm talvez possam, progressivamente, ver a sua situação melhorada.
Em termos de políticas económicas o plano é proteger as Pequenas e Médias Empresas, como forma de diversificar as fontes de receita, sendo que o Jogo nunca deixará de ser a peça fundamental de toda a engrenagem.
A verdade é que quanto ao futuro do Jogo Chui Sai On não disse uma única palavra, durante a apresentação das LAG no Plenário, deixando inúmeras dúvidas no ar até ao final de 2018, quando apresentar as últimas políticas do seu mandato.
José Miguel Encarnação
jme888@gmail.com