Dim-sam com sabor a bacalhau.
A comemorar 32 anos de actividade a Sabalar, empresa do ramo alimentar fundada em 1985 por três portugueses retornados de Angola, está preparada para investir na China. Júlio Videira, filho de um dos fundadores, esteve ao longo destes últimos anos diversas vezes no território, onde deu a provar os seus petiscos em promoções nalguns dos restaurantes portugueses.
A Sabalar aposta em duas linhas de produtos. Os salgados, como os tradicionais bolinhos de bacalhau ou os rissóis de carne, peixe ou camarão, e «aquelas que resultaram das nossas viagens pelo mundo», como é o caso da chamuça. «Não é para me vangloriar, mas a chamuça que produzimos tem sido bastante aclamada. Acompanhada com um pouco de limão é uma maravilha», atira Videira, sem falsas modéstias.
Estamos também a falar de uma linha de refeições prontas para uso no micro-ondas ou no forno tradicional, não propriamente pizzas ou lasanhas mas típicos pratos de bacalhau – à Brás, com natas, espiritual, etc. – e ainda alguns complementos, entre eles os quais o esparregado, talvez o produto que a empresa mais vende a nível nacional. «Trata-se de um artigo nosso, agora com marca própria de uma conhecida distribuidora em Portugal», afirma.
A Sabalar produz ainda massa para pataniscas, empadão de carne, sopa de peixe, etc. Enfim, «temos vários complementos de gama, embora o carro-chefe, como dizem os brasileiros, sejam os produtos à base de bacalhau».
O segredo do sucesso é simples. «Começámos já há algum tempo a olhar mais para fora do que para dentro. Graças a essa estratégia, a empresa tem progredido», explica Júlio Videira, senhor das rédeas da Salabar desde 2001, altura em que o pai se aproximava da idade da reforma e havia que dar continuidade ao projecto familiar. Desde logo, Videira “júnior” começou a trabalhar os mercados internacionais e, rapidamente, essa empresa sedeada em Samora Correia, na margem Sul do Tejo, foi acrescentado pontos percentuais às suas exportações. Passou dos cinco por cento do total da sua produção, para os dez, para os quinze, e por aí adiante. «Hoje, felizmente, temos mais de metade da nossa facturação fora de portas», conclui o empresário. Fora, quer dizer, em vários países da Europa (França, Espanha, Luxemburgo, Suíça) mas também nos Estados Unidos, Canadá e no Brasil. O movimento para Angola está neste momento estagnado «devido aos condicionalismos registados ultimamente no País», remata o nosso entrevistado.
A questão surge com naturalidade. Porquê Macau? Videira, candidamente, é célere na resposta: «porque já tivemos aqui os nossos produtos, há uns anos». A Sabalar disponibilizava na altura uma linha de “miniaturas” congeladas rotulada em Mandarim. Infelizmente, a ligação que mantinham com o importador, «talvez por alguma falha de comunicação», acabou por se desfazer. E foi pena, pois «era aquele tipo de cliente que fazia contentores mistos». Ou seja, importava peixe congelado de Peniche e era nessa mesma encomenda que seguiam para o Oriente os produtos da Sabalar. «Eram vendas regulares… e nós perdemos o fio à meada», admite Videira com algum desalento. Acredita, no entanto, que é possível recuperar a lança colocada em Macau, pois «é um mercado com algum potencial». Por isso se dispôs a vir cá tentar reactivar o negócio. Até agora, e pelo que tem visto, só pode confirmar a sempre positiva expectativa.
Numa das acções de promoção em restaurantes de comida portuguesa, os produtos da Sabalar surgiram associados a uma marca de vinho, pois Videira é da opinião que os alimentos confeccionados pela sua empresa «casam bem com essa bebida». Ademais, fizera anteriormente a experiência, e com sucesso, no Brasil, «no decorrer de mostras em conhecidas cadeias hoteleiras». Mas, esse é apenas um dos canais capazes de dar escoamento aos produtos da Sabalar.
Na sequência da sociedade estabelecida com o cliente de Macau, «um importador chinês com relevante rede de distribuição nos supermercados do território», Júlio Videira chegou a uma conclusão: «os nossos rissóis, croquetes e bolinhos de bacalhau podem perfeitamente integrar a ementa do dim sam chinês. Tanto pelo seu tamanho e aparência como pelo seu sabor, têm aí total cabimento». O empresário garante-nos: «os estrangeiros não os conhecem ainda, mas vão passar a conhecê-lo, e a começar pelos chineses. Acredito que bolinho de bacalhau poderá vir ser um dia um produto mundialmente apreciado. É tudo uma questão de tempo e de oportunidade».
Será que o acepipe tão intrinsicamente lusitano almejará atingir o estatuto do pastel de nata, em termos de popularidade, aqui na Ásia? «E por que não?». Videira lembra que no período em que exportou para o território nunca fez qualquer publicidade, mas o certo é que as suas “miniaturas” congeladas tinham bastante procura. «Alguém estaria a desempenhar esse papel promocional», especula, com ar divertido.
Um dos trunfos da Sabalar é o método de produção, o mais tradicional possível. «As pessoas pensam que estou a brincar quando lhes digo que moldamos os bolinhos de bacalhau à mão, mas é assim mesmo que os fazemos», diz. E se tradicional é a massa e o seu amanho, de ponta se apresenta a tecnologia utilizada. A Sabalar dispõe dos mais recentes métodos na arte de congelação ultra criogénica e, desde do início da sua actividade, assume parceria com a Air Liquide, a conhecida multinacional francesa que os mantém actualizados com os mais modernos e eficientes equipamentos. «Temos instalados na Sabalar os último modelos de túneis criogénicos e isso, parecendo que não, faz toda a diferença. É um factor decisivo para a qualidade dos produtos permitindo que o consumidor tenha a sensação que o produto é feito na hora», garante Júlio Videira.
Criogenia é uma ultracongelação a baixíssimas temperaturas, o que permite preservar as camadas celulares dos ingredientes dos alimentos. E isso faz com que no decorrer da preparação, a textura, o sabor e a cor se mantenham inalteráveis. «Estamos a falar de temperaturas abaixo dos 150 graus negativos!», especifica Videira.
Numa apresentação que fez na Holanda, para uma determinada comunidade local, foi surpreendido pelas muitas pessoas que exclamavam: “frita!, frita!”. Acabaria por se aperceber que eram originalmente do Suriname onde há um produto muito parecido ao nosso bolinho de bacalhau, ao qual chamam “fritta”. Ou melhor dizendo os “Bakkeljauw Fritta”.
Videira não tem peias em criticar os governantes por não saberem aproveitar o legado gastronómico deixado pelos nossos antepassados. Quanto à actualidade, a experiência da Sabalar em termos internacionais nada ou pouco tem a haver com os apoios de entidades ligadas ao sector económico, como é o caso do AICEP. «Se não fores tu a tomar a iniciativa, nada acontece», comenta Júlio Videira. «Tudo o que o Governo faz é disponibilizar-te um conjunto de informações, ditas de apoio. Ou seja: dados macroeconómicos, diplomas legais sobre exigências sanitárias, etc. Na prática, toda a internacionalização conseguida deve-se apenas e tão só ao nosso esforço», acrescenta.
Para que servem então representações como o AICEP, por exemplo? No entender de Júlio Videira, «não servem para grande coisa». Participou em feiras na Alemanha, em Potsdam, a convite da Câmara de Comércio local, e, para sua surpresa, deparou com um pavilhão desse organismo que nem sequer se dera ao trabalho de os informar sobre o evento. «Limitaram-se a perguntar-nos o que vendíamos e ao que viéramos? E eu perguntei a mim próprio: que diabo estavam eles ali a fazer? Presumo que estivessem numa campanha de auto-promoção, talvez a dar panfletos sobre as suas actividades, já que não vi qualquer empresa nacional ali representada».
Na região, Júlio Videira fez já viagens de prospecção na Indonésia, Myanmar, Tailândia e Taiwan, «onde há uma comunidade empresarial chinesa muito interessada e onde poderão surgir negócios». A ideia, por enquanto, é estabelecer «um mercado base» no território e a partir daqui tentar conquistar gradualmente mercados próximos, como os de Hong Kong e os das províncias chineses limítrofes. «Nada nasce grande», filosofa Videira. «Tudo se constrói passo a passo».
Joaquim Magalhães de Castro