JAVA MENOR – 10

Java Menor – 10

O bairro português de Semarang

A actividade da comunidade católica de Semarang ver-se-ia bastante limitada devido à acção repressiva da Companhia das Índias Orientais. No início do século XIX apenas os pastores holandeses estavam autorizados a ministrar os serviços religiosos em Semarang, integrados na prefeitura apostólica de Batavia (Jacarta). Em 1859, com a chegada dos sacerdotes da Sociedade de Jesus a situação alterar-se-ia ligeiramente. Ambarawa passou a ser estação missionária e, em 1865, o mesmo aconteceu com Jogjakarta e Magelang. Em 1904, o jesuíta Franciscus Georgius J. van Lith fundou uma escola de formação de docentes em Muntilan e, com o consequente aumento de professores, a Igreja Católica disseminar-se-ia rapidamente por toda a Java Central.

Inúmeras estátuas de divindades assinalam o passado hindu nos jardins interiores e salas do museu de Jawa Tengah. Incorrigível curioso me confesso, tudo me interessa neste género de instituições. Para além da habitual parafernália de máscaras, pára-sóis, manuscritos, colecções de crises (alguns com soberbos gumes decorados), elegantes figuras de bronze, uma selha e diversas bacias, bizarros instrumentos de sopro, xilofones, moedas chinesas furadas, chamo aqui a atenção para um manequim de uma noiva de Semarang, cujo traje – diz o museu – “tem influências chinesas, árabes e persas”. Falta neste caso – já agora – salientar também o “toque português”; de resto bem visível na coroa incrustada no diadema da noiva e nas voltas de colares em redor do seu pescoço, à boa maneira da mulher de Viana. A fivela e o cinto do consorte masculino denotam similar proveniência. Numa vitrina ao lado, pedaços de moedas com um bem visível e familiar ornato: a Cruz de Santiago. Demoro-me algum tempo junto à secção das marionetas de couro – as mais afamadas no teatro de sombras –, aqui acompanhadas de um xilofone com uma das extremidades em forma de cabeça de touro e a outra em forma de cabeça de cavalo.

Em breve me confrontarei com outros sinais de portugalidade: as rendas nos vestidos costumeiros e um sino de um navio, datado do século XVII, com a palavra “Maria” gravada na bronze – um sino católico, portanto. E por falar em navios… Um pouco mais adiante deparo com duas réplicas de barcos tradicionais de pesca. Um deles é, sem tirar nem por, uma miniatura do nosso barco da arte de xávega. Lá estão, as inconfundíveis proa e popa, ambas elevadas. O pano, neste caso, substitui os remos. Dir-se-ia um misto de falua e barco de pesca vareiro. Na derradeira das salas exibe-se uma carreta de duas rodas, “modo tradicional de transporte da Java central”, uma prensa de fruta accionada por tracção animal e uma âncora de cinco pontas encontrada no porto de Bandengan, Jepara. Há ainda umas quantas liteiras, uma solitária garrafa de barro aqui designada “buli-buli”, e um outro sino encontrado na região de Cilacap. São sinais da história recente da Indonésia, uma pistola japonesa, dois pequenos canhões holandeses e umas quantas fotos das acções de guerrilha do general Soedirman, o mais conhecido dos independentistas.

Uns quarteirões a sul, no rés-do-chão do afamado Lawang Sewu, “o palácio das mil portas”, conta-se a história dos caminhos-de-ferro com filmes do início do século XX e mostram-se alguns dos objectos ligados à actividade, como é o caso de uma dessas velhinhas máquinas de emissão de bilhetes que tive ainda oportunidade de conhecer durante a minha meninice e adolescência. Cá fora, a enfeitar de história os jardins, estão antigas carruagens e pelos relvados vagueiam inúmeros gatos, estes, curiosamente com a cauda intacta. Talvez o vestígio colonial holandês mais visível de Semarang, o gigantesco complexo de Lawang Sewu é propriedade dos caminhos-de-ferro indonésios (Kereta Api Indonesia), entidade que aluga as inúmeras salas vazias, corredores e varandas para cenário de filmes e séries televisivas, sobretudo se estas abordam fenómenos paranormais. Acreditam piamente os mais supersticiosos, que em romaria se dirigem ao local, serem as profundezas da cave habitadas por diversos tipos de fantasmas. Há mesmo quem afirme, e a pés juntos, tê-los avistado. Para mim, sinceramente, tudo aquilo mais não é do que um grande desperdício de espaço.

No lado oposto, na Jalan Pandanaram, virada também para a movimentada rotunda e em jeito de templo hindu nepalês, avista-se a torre sineira da Gereja Ratu Rosario. Assumindo o mote “sub tutela matris”, esta catedral tem São Bernardo como patrono. Confiro a lista dos párocos: todos holandeses; todos jesuítas, pelo menos de 1928 a 1966. Ainda ligada à Diocese, temos a escola salesiana de Domingos Sávio, conhecida pela qualidade do seu ensino, e o grupo coral “Domsav Chorus”, medalhado numa competição internacional decorrida em Bali em 2016. Informa-nos disto um cartaz junto a outro com a imagem de Jesus Cristo de telemóvel na mão sugerindo o uso das diferentes redes sociais. Recorde-se, em jeito de curiosidade, que a Blenduk Church, ou Immanuel, igreja protestante datada de 1753, é frequentada também por católicos locais. No caso, residentes de Kota Lama e redondezas.

Joaquim Magalhães de Castro

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