Já Agora

Por que não se ouve a Igreja Anglicana em Hong Kong?

Nas últimas semanas várias foram as notícias sobre a deslocação do cardeal D. Joseph Zen ao Vaticano. Também o actual bispo de Hong Kong, Michael Yeung, esteve na Santa Sé, embora esta visita não tenha recebido o mesmo destaque por parte dos Órgãos de Comunicação Social.

Muito se escreveu – e pouco se esclareceu – sobre as declarações proferidas em Roma por D. Joseph Zen, principalmente no que respeita ao posicionamento da Igreja Católica em relação à República Popular da China. As linhas editoriais mais criticas, ou menos enquadradas (talvez por ignorância…) com o papel da Igreja nas sociedades, logo se apressaram a encontrar diferenças entre o discurso de D. Joseph Zen e a estratégia assumida pelo papado de Francisco nas conversações mantidas com Pequim, quando – na realidade – até se complementam.

Uma análise, mesmo que superficial, permite-nos concluir que o clero que diariamente lida com cristãos perseguidos não tem tempo para parar, reflectir e de seguida actuar, tendo que agir no momento, por forma a evitar males maiores para as populações. O Vaticano está a milhares de quilómetros de distância e só quem está no terreno pode avaliar correctamente as privações impostas aos fiéis.

Neste quadro é compreensível o modo como a Igreja Católica em Hong Kong tem vindo a gerir as diversas “crises” que vão afectando os direitos, liberdades e garantias negociados entre o Reino Unido e Pequim, antes de 1997, sendo as causas da Revolução Guarda-Chuva o exemplo mais mediático da insatisfação patente em alguns sectores da sociedade de Hong Kong.

É verdade que D. Joseph Zen é em muitas ocasiões uma voz controversa e incómoda, mas estamos em crer que se deve mais ao estilo adoptado, do que propriamente ao conteúdo do discurso.

Independentemente das análises – e têm sido muitas ultimamente – feitas por quem está familiarizado, ou não, com os meandros/bastidores da Santa Sé, há um facto inquestionável: a Igreja Católica de Hong Kong tem travado as pretensões do Governo Central, que o faz por via do Governo de Hong Kong, de condicionar a liberdade religiosa, o que não tem paralelo com qualquer outra Igreja cristã ou religião na ex-colónia britânica. Recorde-se, a propósito, o braço de ferro travado pelo bispo D. John Tong e Carrie Lam nas últimas eleições para o Chefe do Executivo.

Urge perguntar: onde estão os líderes da Igreja Anglicana em Hong Kong? Que posições assume este “galho” do Cristianismo face à actual situação em que se encontram os fiéis de Hong Kong e da China continental? Que estratégia tem delineada para garantir a salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias dos residentes de Hong Kong? Etc., etc., etc. Enfim, perguntas que gostaríamos de ver respondidas.

A Igreja Anglicana, não sendo a Igreja Universal, mas uma igreja nacional (tem a rainha de Inglaterra como líder máximo), sempre se posicionou ao lado do Governo de Londres, o que explica o porquê de nunca se ter feito ouvir durante as conversações entre o Reino Unido e a RPC, e hoje manter-se afastada do palco político. É pois notório que o sector financeiro de Hong Kong, de onde deriva tudo o resto, continua em certa medida controlado por empresas sino-britânicas.

Diz a sabedoria popular que só não é criticado pelo que faz ou diz, quem nada faz ou nada diz. E Roma não tem medo de errar quando é a vida de milhões que está em jogo.

José Miguel Encarnação

jme888@gmail.com

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