Papa beatificou João Paulo I
Francisco beatificou no passado Domingo, 4 de Setembro, o Papa João Paulo I, penúltima etapa no reconhecimento como santo – um gesto sublinhado pela multidão presente no Vaticano, em dia de chuva.
Durante a Missa que decorreu na Praça de São Pedro, o actual Papa proclamou a fórmula de beatificação, em Latim, afirmando responder a um pedido «da diocese de Belluno-Feltri, de muitos outros irmãos no episcopado e muitos fiéis».
A mesma fórmula permite que «o venerável servo de Deus, João Paulo I, Papa, possa ser de ora em diante chamado beato», com festa litúrgica a 26 de Agosto, dia da sua eleição pontifícia, em 1978.
Nesse momento, foi revelada a imagem de Albino Luciani, na fachada da Basílica do Vaticano, representando uma foto do Papa italiano numa peça em tapeçaria, da autoria do artista chinês Zhang Yan.
Pouco depois do início da celebração, o cardeal D. Benianimo Stella, postulador da causa de canonização, apresentou o pedido de beatificação e elencou alguns traços biográficos do novo beato, na qual lembrou uma vida marcada pela «humildade», a atenção aos problemas sociais, à evangelização e o seu «exemplar» pontificado de 33 dias.
Depois da proclamação do novo beato, o bispo da diocese de Belluno-Feltre, D. Renato Marangoni, agradeceu ao Papa.
A relíquiaapresentada na cerimónia é «um esquema de reflexão espiritual», proveniente do Arquivo Privado Albino Luciani.
Albino Luciani nasceu em Canale d’Agordo, diocese de Belluno, no Véneto, a 17 de Outubro de 1912; era patriarca de Veneza quando foi eleito Papa a 26 de Agosto de 1978, assumindo o nome de João Paulo I; recusou a coroação formal e não quis ser carregado na cadeira gestatória, ficando conhecido como o “Papa do Sorriso”.
O processo de beatificação de João Paulo I chegou ao Vaticano a 3 de Janeiro de 2007, altura em que, na Congregação para a Causa dos Santos, foi aberto o envelope oficial com os documentos relativos à investigação diocesana sobre a heroicidade da vida e das virtudes, assim como sobre a fama de santidade.
O decreto que reconheceu as “virtudes heroicas” do novo beato foi aprovado em Novembro de 2017.
O tribunal eclesiástico para o inquérito diocesano começou as actividades em 22 de Novembro de 2003 e concluiu os seus trabalhos três anos depois; nas 203 sessões do processo foram ouvidas 167 testemunhas.
A cura reconhecida como milagre, que abriu caminho à beatificação, aconteceu na Argentina, em Buenos Aires, há cerca de dez anos.
Em causa está inexplicável cura científica de uma criança, Candela Soza, gravemente afectada por uma epilepsia refratária maligna.
Os trâmites processuais para o reconhecimento do milagre aconteceram segundo as normas estabelecidas em 1983.
Até hoje, 83 pontífices foram declarados santos e dez beatificados.
JOÃO PAULO I: 33 DIAS MUITO MARCANTES
O jornalista Octávio Carmo salienta que o pontificado de João Paulo I foram «33 dias muito marcantes», com marcas que continuam e uma mensagem actual, mas «é inquestionável» que o atractivo para quem não conhece é a morte repentina.
«Ele foi alguém que soube falar de coisas muito profundas, de uma maneira muito simples e acho que isso é uma das marcas que fica do seu pontificado, que fica da sua vida, e fica como exemplo agora que é beato da Igreja Católica», explicou o chefe de redacção da Agência ECCLESIA no programa da televisão portuguesa 70X7.
Octávio Carmo realçou que João Paulo I «foi um grande homem de Igreja», que ao longo da vida procurou servi-la o melhor possível com uma noção «quase comovente dos seus limites» e também da força que vem da missão que «é chamado a exercer».
O vaticanista português recorda que quando Albino Luciani (1912-1978) é nomeado Patriarca de Veneza tem um «discurso significativo», onde diz que «não passa de pó e que aquilo que é importante é a história da Diocese, do Patriarcado», e o que aquela comunidade tem para fazer; quando é eleito Papa nas suas mensagens coloca-se «sempre» em humildade, o seu lema episcopal.
Quando foi escolhido bispo da região norte da Itália, do Véneto, escolheu como lema episcopal «apenas uma palavra, ‘Humilitas’ – Humildade, que é uma marca que fica ao longo de toda a sua vida»; e a simplicidade, a proximidade dos mais desfavorecidos, «a atenção a franjas da sociedade que estavam colocadas de fora de um processo de desenvolvimento muito rápido, mas que não chegou a todos», são marcas essenciais.
Neste contexto, para o jornalista destaca-se também a «capacidade de diálogo, de confronto sem abdicar das suas convicções» de Albino Luciani, sendo capaz de chegar a todos e falar a todos.
João Paulo I ficou conhecido pelo «Papa do sorriso», e Octávio Carmo considera que isso «monopolizou muito a atenção sobre o que era esta figura», o percurso que ele fez como padre e bispo, como Patriarca de Veneza, «que é uma responsabilidade significativa na Itália», e os seus dias como pontífice.
Octávio Carmo afirma que «é inquestionável» que o grande atractivo para quem não conhece João Paulo I, «e até para quem não é católico», é a morte repentina deste Papa, e não o seu pontificado e acção.
«Apesar do fascínio que todas as teorias da conspiração têm, ainda hoje com o Papa Bento XVI e a sua renúncia continuam a persistir, quando se fala da Igreja Católica não podemos deixar que isto seja uma sombra sobre a figura de um grande homem», explicou.
Segundo o vaticanista, para além do pensamento, posições e acção de João Paulo I, o seu pontificado teve «33 dias muito marcantes» também pelo impacto da sua morte ao permitir uma «mudança significativa na eleição do sucessor» para o Colégio Cardinalício: «Há uma espécie de sinal» e a sucessão dos Papas «não pode continuar eternamente a ser feita dentro do cardinalato italiano».
«Acredito que sem esta morte, no contexto que ela se deu, tão dramático e difícil de entender, ainda hoje tão difícil de assumir, quase como se o Colégio Cardinalício tivesse levado um puxão de orelhas, não teria havido uma mudança tão radical. Insere-se numa linha de acção e de pensamento e de maneira de estar que tinha sido aberta por São João Paulo I», concluiu.
In ECCLESIA