IGREJA CATÓLICA NO UGANDA

IGREJA CATÓLICA NO UGANDA

Memória dos mártires e luta contra o tráfico humano

Inspiradas pela Doutrina Social da Igreja, as irmãs da Associação dos Religiosos do Uganda (ARU) enfrentam, dia-após-dia e com a maior das coragens, diversos campos de batalha, “em prol da paz e bem-estar da Humanidade”, entre os quais a luta contra o tráfico de seres humanos. No caso particular, a tarefa é liderada pelas Irmãs da Santa Cruz, que constituíram já várias comissões especializadas nas dezanove dioceses deste país africano.

A 23 de Junho passado, por exemplo, foi lançada na diocese de Kasese uma campanha de sensibilização dedicada ao tráfico de seres humanos, evento que atraiu muito público graças a um espectáculo teatral (subordinado ao tema), encenado pela equipa de uma estação de rádio local.

A diocese de Kasese, fundada em 1989 pelo Papa João Paulo II, está localizada na região oeste do Uganda, e são estes os seus princípios inspiradores: Primeiro, cada ser humano é precioso e vale muito mais do que qualquer bem material. Segundo, tendo em conta que cada vida, “enquanto dádiva de Deus”, é sagrada, há que protegê-la e cuidá-la, sempre. Terceiro, cada um de nós tem a responsabilidade de lutar contra “a violação e a degradação do bem-estar” dos nossos irmãos e irmãs.

As Irmãs da Santa Cruz não hesitam em analisar criticamente a sociedade onde vivem, cada vez mais privada dos seus valores humanos básicos e da fibra moral que ajuda as pessoas a atingir o seu potencial mais elevado e a dignidade humana. A motivação destas bravas irmãs provém de diversas fontes: as Sagradas Escrituras, a vida dos Santos, os provérbios africanos e histórias bíblicas.

Santa Catarina de Sena lembrava que é “o silêncio que mata o mundo”, e os líderes da Igreja sempre nos incentivaram a agir em nome da justiça, pois só assim “vivemos verdadeiramente o Evangelho”.

Durante o lançamento da mencionada campanha, a irmã Semerita Mbambu exortou as jovens vítimas a frequentarem cursos qualificados no seu país de origem, para assim garantirem o sustento, em vez de rumarem ao estrangeiro, “sujeitas a serem abusadas até à morte”. E esse é o destino comum de muitos homens e mulheres do Uganda, Sri Lanka, Bangladesh, Indonésia, Etiópia, Eritreia, Sudão, Paquistão e das Filipinas, que buscam, essencialmente nos Estados Árabes do Golfo Pérsico, os mais diversos tipos de trabalhos. Infelizmente, uma vez aí chegados, enfrentam condições desumanas de servidão, com excessivas horas de trabalho não remuneradas, retenção ilegal de passaportes, restrições à circulação, falta de pagamento de salários e, sobretudo no caso das mulheres empregadas domésticas, abusos físicos ou sexuais por parte dos empregadores.

Em Março de 2014, o Papa Francisco, juntamente com o arcebispo anglicano Justin Welby, lançou a “Interfaith Global Freedom Network”, tendo em vista o combate do tráfico de seres humanos, bem como o Grupo Santa Marta, uma coligação internacional de altos líderes responsáveis pela aplicação da lei e dirigentes da Igreja Católica que trabalham com a sociedade civil para pôr fim a semelhante crime. O Sumo Pontífice também lançou o movimento “End Slavery” com o intuito de encontrar formas para eliminar o tráfico de seres humanos, actividade bastante difundida no continente africano, como é do conhecimento público.

De acordo com dados recolhidos pelo Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e o Crime, vítimas do tráfico de origem subsaariana foram assinaladas em 69 países, principalmente nos países MENA (Médio Oriente e Norte de África) e no Sul e Oeste da Europa.

Ainda no mês de Junho, cerca de quatro milhões de fiéis estiveram num santuário católico na cidadezinha de Namugongo, a vinte quilómetros da capital Kampala, para evocar a memória dos mártires ugandeses. Uma celebração particularmente significativa, pois foram assinalados os sessenta anos da canonização dos 22 católicos e 23 anglicanos assassinados entre 1885 e 1887, por ordem do rei Mwanga II, no então Reino de Buganda. Desses martirizados, destaca-se São Carlos Lwanga, alvo de particular devoção em Namugongo, onde a 3 de Junho deste ano estiveram presentes mais de setecentos peregrinos, depois de terem percorrido, “a pé e à chuva”, quase quinhentos quilómetros durante duas semanas. Seriam acompanhados nesse seu acto de fé pelo monsenhor Raphael p’Mony Wokorach, bispo cessante de Nebbi e arcebispo metropolitano eleito de Gulu, e que celebraria Missa com outros vinte bispos concelebrantes num pavilhão no meio de um lago artificial, a poucas centenas de metros da basílica construída no local onde São Carlos Lwanga foi morto, hoje apropriadamente designada Santuário dos Mártires do Uganda.

Durante a homilia, D. Raphael p’Mony Wokorach advertiu os fiéis para não se deixarem seduzir pelas múltiplas formas de idolatria e práticas que não estejam de acordo com a fé cristã, como a poligamia, a bruxaria e a mutilação genital, recordando que os mártires do Uganda preferiram morrer a renunciar a sua fé. A celebração contou com a presença não só de fiéis do Uganda, mas também de vários outros países africanos (Sudão do Sul, Quénia, Ruanda, Tanzânia, República Democrática do Congo, Camarões, Botswana e África do Sul) e de outros continentes (Argentina, Colômbia, Austrália e Dinamarca). A Missa contou com a presença de importantes representantes do Estado, incluindo o Presidente Yoweri Museveni.

Joaquim Magalhães de Castro

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