Uma outra perspectiva (ou a versão lógica dos factos)
Alguns Órgãos de Comunicação Social ocidentais publicaram há dias a notícia sobre a detenção de um bispo (nomeado com o reconhecimento da Santa Sé) e de padres e seminaristas na província chinesa de Henan – uns OCS falam em sete sacerdotes, outros em dez.
Perante esta revelação, logo agências de notícias, como a delegação da Reuters em Xangai, colocaram-se no terreno à procura de mais informações sobre as alegadas detenções, supostamente realizadas no passado dia 20 de Maio.
Esta é mais uma estória, entre muitas outras, que quase todos os meses são publicadas por “sites” da Internet, generalistas ou confessionais, e que invariavelmente são recuperadas por alguns media, sejam de pequena ou grande dimensão e cobertura. A explicação para este facto está em grande medida relacionada com a dificuldade dos media em confirmarem os acontecimentos relatados, caindo facilmente na tentação de reproduzir as notícias sem o exercício do contraditório. É que se o fizessem, muitas cachas cairiam por terra.
Ainda assim, numa tentativa de boa-vontade em entender a acção das autoridades, é obrigatório colocar na equação o cultural “modus operandi” das agências de segurança estatais da RPC e a intenção confuciana de sempre colocar o “colectivo” à frente do “indivíduo”. Neste quadro, é legítimo pensar que as alegadas detenções – ainda não confirmadas por qualquer fonte oficial, tanto da China como da Santa Sé – estão relacionadas com a maior pressão que os prelados e restante clero há muito vêm sentindo, com o objectivo de abandonarem a Igreja clandestina (não reconhecida pela Associação Patriótica dos Católicos Chineses) e se transferirem para a Igreja oficial; não sendo também de descurar que no dia 20 de Maio faltavam precisamente quinze dias para o 32.º aniversário do fim dos protestos dos estudantes na Praça de Tiananmen (data que é habitualmente invocada por alguns membros da Igreja Católica a residirem em território chinês). Mais: três dias antes, a 17 de Maio, a Santa Sé anunciou a nomeação do padre jesuíta Stephen Chow para o cargo de bispo de Hong Kong, que se encontrava vago desde 2019. E a 24 de Maio, o Santuário de Sheshan, localizado perto de Xangai, ia voltar a celebrar a festa anual de Nossa Senhora Auxiliadora, padroeira da China.
Numa China cada vez mais aberta ao mundo em todos os aspectos, a monitorização sistemática das actividades do clero e dos crentes, independentemente da religião a que estão ligados, é fundamentada com a necessidade de reforçar o ensino e melhorar as condições de vida da população em geral. Isto explica os sucessivos projectos levados a cabo para a reabilitação de antigos e degradados espaços urbanos, o que muitas vezes obriga à demolição de igrejas e mesquitas, ou à sua reconversão em centros comunitários. Estes últimos pretendem reforçar o sentimento patriótico e comunitário da população residente nas áreas de intervenção. É que para todos os efeitos, o Cristianismo, o Islamismo, o Hinduísmo e o Judaísmo são encarados no continente chinês como religiões estrangeiras, que apenas “cobrem” uma percentagem mínima da população. Em contrapartida, o Budismo e o Taoismo, com os seus templos e escolas, tendem cada vez mais a subsistir intocáveis.
Outro aspecto a ter em conta para conseguir desconstruir o muito que o Ocidente vem publicando, em relação ao dia-a-dia da Igreja Católica na China, é a inexistência de qualquer veredicto emanado dos tribunais contra o clero, com base na mera actividade religiosa. Na maioria das vezes, as acusações prendem-se, sobretudo, com a realização de reuniões não autorizadas, o não pagamento de impostos e a construção e utilização de infraestruturas sem licença de edificação e/ou exploração, entre outras acções punidas por lei.
Por outro lado, a “imunidade” ou “impermeabilidade” da Administração Estatal para os Assuntos Religiosos, mais precisamente da Associação Patriótica dos Católicos Chineses, à reforma e modernização do aparelho de Estado também não tem contribuído para uma maior aceitação e flexibilidade quanto à desejada comunhão entre os católicos chineses e o Bispo de Roma.
A Administração Estatal para os Assuntos Religiosos está sob a alçada do Conselho de Estado, sendo este composto por membros com funções também noutros órgãos políticos – responsáveis por diversas áreas de governação, entre as quais estão a Imprensa e a Religião.
A realidade nos últimos tempos vem demonstrando que um passo em frente leva muitas vezes a novos medos e receios, o que naturalmente potencia posições extremadas e desconfiança de parte a parte. O acordo actualmente em vigor entre a Santa Sé e a China para a nomeação dos bispos chineses é em todos os sentidos positivo, mas levou a que a Igreja clandestina seja hoje monitorizada num grau desde há muitos anos não verificado.
IGREJA CATÓLICA NA CHINA
Uma outra perspectiva
(ou a versão lógica dos factos)
José Miguel Encarnação
Alguns Órgãos de Comunicação Social ocidentais publicaram há dias a notícia sobre a detenção de um bispo (nomeado com o reconhecimento da Santa Sé) e de padres e seminaristas na província chinesa de Henan – uns OCS falam em sete sacerdotes, outros em dez.
Perante esta revelação, logo agências de notícias, como a delegação da Reuters em Xangai, colocaram-se no terreno à procura de mais informações sobre as alegadas detenções, supostamente realizadas no passado dia 20 de Maio.
Esta é mais uma estória, entre muitas outras, que quase todos os meses são publicadas por “sites” da Internet, generalistas ou confessionais, e que invariavelmente são recuperadas por alguns media, sejam de pequena ou grande dimensão e cobertura. A explicação para este facto está em grande medida relacionada com a dificuldade dos media em confirmarem os acontecimentos relatados, caindo facilmente na tentação de reproduzir as notícias sem o exercício do contraditório. É que se o fizessem, muitas cachas cairiam por terra.
Ainda assim, numa tentativa de boa-vontade em entender a acção das autoridades, é obrigatório colocar na equação o cultural “modus operandi” das agências de segurança estatais da RPC e a intenção confuciana de sempre colocar o “colectivo” à frente do “indivíduo”. Neste quadro, é legítimo pensar que as alegadas detenções – ainda não confirmadas por qualquer fonte oficial, tanto da China como da Santa Sé – estão relacionadas com a maior pressão que os prelados e restante clero há muito vêm sentindo, com o objectivo de abandonarem a Igreja clandestina (não reconhecida pela Associação Patriótica dos Católicos Chineses) e se transferirem para a Igreja oficial; não sendo também de descurar que no dia 20 de Maio faltavam precisamente quinze dias para o 32.º aniversário do fim dos protestos dos estudantes na Praça de Tiananmen (data que é habitualmente invocada por alguns membros da Igreja Católica a residirem em território chinês). Mais: três dias antes, a 17 de Maio, a Santa Sé anunciou a nomeação do padre jesuíta Stephen Chow para o cargo de bispo de Hong Kong, que se encontrava vago desde 2019. E a 24 de Maio, o Santuário de Sheshan, localizado perto de Xangai, ia voltar a celebrar a festa anual de Nossa Senhora Auxiliadora, padroeira da China.
Numa China cada vez mais aberta ao mundo em todos os aspectos, a monitorização sistemática das actividades do clero e dos crentes, independentemente da religião a que estão ligados, é fundamentada com a necessidade de reforçar o ensino e melhorar as condições de vida da população em geral. Isto explica os sucessivos projectos levados a cabo para a reabilitação de antigos e degradados espaços urbanos, o que muitas vezes obriga à demolição de igrejas e mesquitas, ou à sua reconversão em centros comunitários. Estes últimos pretendem reforçar o sentimento patriótico e comunitário da população residente nas áreas de intervenção. É que para todos os efeitos, o Cristianismo, o Islamismo, o Hinduísmo e o Judaísmo são encarados no continente chinês como religiões estrangeiras, que apenas “cobrem” uma percentagem mínima da população. Em contrapartida, o Budismo e o Taoismo, com os seus templos e escolas, tendem cada vez mais a subsistir intocáveis.
Outro aspecto a ter em conta para conseguir desconstruir o muito que o Ocidente vem publicando, em relação ao dia-a-dia da Igreja Católica na China, é a inexistência de qualquer veredicto emanado dos tribunais contra o clero, com base na mera actividade religiosa. Na maioria das vezes, as acusações prendem-se, sobretudo, com a realização de reuniões não autorizadas, o não pagamento de impostos e a construção e utilização de infraestruturas sem licença de edificação e/ou exploração, entre outras acções punidas por lei.
Por outro lado, a “imunidade” ou “impermeabilidade” da Administração Estatal para os Assuntos Religiosos, mais precisamente da Associação Patriótica dos Católicos Chineses, à reforma e modernização do aparelho de Estado também não tem contribuído para uma maior aceitação e flexibilidade quanto à desejada comunhão entre os católicos chineses e o Bispo de Roma.
A Administração Estatal para os Assuntos Religiosos está sob a alçada do Conselho de Estado, sendo este composto por membros com funções também noutros órgãos políticos – responsáveis por diversas áreas de governação, entre as quais estão a Imprensa e a Religião.
A realidade nos últimos tempos vem demonstrando que um passo em frente leva muitas vezes a novos medos e receios, o que naturalmente potencia posições extremadas e desconfiança de parte a parte. O acordo actualmente em vigor entre a Santa Sé e a China para a nomeação dos bispos chineses é em todos os sentidos positivo, mas levou a que a Igreja clandestina seja hoje monitorizada num grau desde há muitos anos não verificado.
José Miguel Encarnação