São Francisco de Sales, padroeiro dos jornalistas
Os santos são todos diferentes, a santidade é fruto da época, do lugar, de contextos, de coragens e abnegações, de exemplos e preclaridade de alguns, que respondem de forma diferente e ousada a desafios comuns, que vão mais além e que ultrapassam o tempo e a humanidade, centrados, como único ponto comum, no amor a Deus, no zelo da fé e na observância fiel dos preceitos da Igreja. Os santos iguais a todos nós, mas há uma centelha de diferença que os faz tornar-se exemplo ou referência. Parece que a santidade não escolhe ninguém, nem ninguém a escolhe, mas ela manifesta-se em alguns, que talvez apenas “reguem melhor a planta” que a maioria, não por opção, mas por caminho e arrojo. Hoje vamos falar de um santo menos conhecido, mas determinante no seu tempo e a posteriori: São Francisco de Sales. Mas não se trata de história de santos ou hagiografia, é preciso ver mais além, como os santos “fazem”, não é?
Francisco de Sales provinha de uma família nobre. Nasceu num castelo. Em Sales, na Sabóia, na actual França. Era o mais velho de treze irmãos. Estudou no colégio De La Roche, perto de Thorens, de onde foi para a Universidade de Paris. Destinado pelo pai, como filho mais velho, para altos cargos na administração da nação, foi por isso enviado a estudar Direito em Pádua, na actual Itália. Francisco notava-se pela sua inteligência, mas também pela sua humildade e piedade. A sua vocação religiosa era por isso mais forte que a da Administração ou do Direito. Tão forte era que venceu e assim se ordenou sacerdote em 18 de Dezembro de 1593. O Protestantismo, em especial o Calvinismo, estava neste tempo a disseminar-se de forma crescente na França, antiga nação católica agora dividida na fé em Cristo. No mesmo ano da ordenação, curiosamente, o duque de Sabóia, Carlos Emanuel, recuperara a região de Chalais, que durante 57 anos estivera sob domínio protestante. Como antes foram recuperadas pelos católicos as cidades de Genebra e Berna, na Suíça, também com o apoio do rei de França.
O duque de Sabóia, familiar de Francisco, como do primo deste, Luís (de Sales), cónego, pediu a estes dois clérigos que empreendessem a conversão à fé católica da população daqueles territórios recuperados, maioritariamente então protestante. Assim fizeram. Mas os primeiros tempos em nada deram, só dificuldades e resistências. Havia que ler os sinais dos tempos, entendê-los, perceber o mundo em que tinham que actuar, tinham por isso que mudar de táctica. Se assim pensou, melhor executou Francisco. Escreveu para o efeito uma série de libelos de doutrina e apologética, depois publicados sob o título de “Controvérsias”. Os institutos missionários logo perceberam o valor destes textos, muito bem adaptados ao meio e ao tempo em que actuavam. Os Barnabitas, congregação de clérigos regulares fundada em 1530 (declarada ordem religiosa em 1550) por António Maria Zaccaria (1502-39), foram os primeiros a usar os textos de Francisco de Sales. E os frutos não tardariam a chegar.
A França, monarquia católica, através da máquina administrativa de Estado, logo percebeu a acção importante de Francisco de Sales. Que assim foi chamado a Paris, em 1608, ao Governo, para negociar o estabelecimento de paróquias católicas em certas regiões anteriormente protestantes. Paris era naqueles tempo um viveiro de espiritualidade, de renovação religiosa. Francisco conheceu e privou por lá então com figuras como Pierre de Bérulle (1575-1629), cardeal francês e fundador do Oratório, um dos expoente da renovação espiritual do seu tempo. Ou Mme Acarie (Maria da Incarnação, 1566-1618), reformadora do Carmelo em França e ligada ao desenvolvimento das Ursulinas.
Francisco de Sales notava-se já pela sua espiritualidade, que irradiava a e atraía quem o ouvia. Desde 1604, por exemplo, que as suas cartas e direcção espiritual transformaram a nobre dama Joana Francisca Frémyot de Chantal (1672-1641) numa das mais activas figuras da espiritualidade de Seiscentos. Joana, com o apoio de Francisco, fundou a Ordem da Visitação de Maria em 1607-10 (Visitandinas), vocacionadas para a assistência aos pobres e aos enfermos. A primeira comunidade de Visitandinas surgiu na Sabóia, em Annecy. A piedade e a caridade mútua, a par da humildade, tornaram-se o eixo vivencial desta fundação, espelho da espiritualidade de Francisco, nesta altura um dos expoentes máximos da renovação religiosa pós-tridentina. Refira-se que o valor espiritual e de acção de Francisco ganham uma maior dimensão se pensarmos que toda a sua missão se desenvolveu enquanto bispo, de Genebra, no caso, desde 1602.
Todavia, porque Genebra nessa data era ainda cidade calvinista, a sua residência e governo diocesano estavam fixados em Annecy, de onde apoiou Santa Joana de Chantal, tanto presencialmente como por abundante e rica epistolografia. As suas visitas por toda a diocese eram famosas, como a de 1608, em que verdadeiramente tomou o pulso da mesma e empreendeu a obra reformadora e evangelizadora do território. Para o apoio nessa missão, apelou aos Frades Menores Capuchinhos a trabalharem na diocese, o que foi notório a partir de 1617, numa cooperação estreita que se tornou altamente frutuosa e exemplar. Bispo atento, nunca negligenciou o seu rebanho, até à data da morte, em 27 de Dezembro de 1622, quatro anos depois das Visitandinas, definitivamente inspiradas no seu exemplo e modo de acção, se terem tornado uma ordem canónica na Igreja Católica.
Foi autor fecundo, recordando-se as suas “Controvérsias”, já referidas, e as “Defesas do Estandarte da Santa Cruz”, embora as suas obras maiores tenham sido “Introdução à vida devota” (1609), um clássico da espiritualidade católica, um autêntico manual de vida consagrada, e o incontornável e referencial “Tratado do Amor de Deus” (1616). Muitos são também os institutos religiosos que reclamam o legado espiritual de São Francisco de Sales, como as Visitandinas, os Oblatos de São Francisco de Sales e os Missionários a ele dedicados, já para não falarmos numa das maiores ordens religiosas do mundo, os Salesianos de D. Bosco, fundada em 1859 por São João Bosco (1805-88). Em 1665 foi canonizado pelo Papa Alexandre VII, em Roma, dada a sua retumbância espiritual e modelo de virtudes. A sua festa litúrgica é a 24 de Janeiro, sendo o patrono da Imprensa Católica, dos confessores, dos surdos, dos educadores, dos escritores, como dos jornalistas, além dos padres salesianos. Por isso, O Clarim e a Imprensa Católica estão em festa!
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa