«A iniciativa tem de partir de nós. Bem ou mal, sigo o meu percurso».
Tem raízes na Galiza, é o oitavo de nove irmãos e perdeu os pais muito cedo – «tinha dezassete anos» – logo teve de «saber fazer pela vida». Gonçalo Nuno Bello, um dos proprietários da Justwine, empresa representante da marca Infinitae, Macao e Regente, que na passada terça-feira assinalou dez anos, com um jantar e uma prova de vinhos no hotel Sofitel – evento conjugado com a apresentação do Lucky 7, uma nova empresa distribuidora de Macau – revela a O’CLARIM vários aspectos da sua actividade profissional e o segredo para se ter sucesso nos negócios com a China.
O CLARIM – A Justwine é um projecto individual.
GONÇALO BELLO – Pode-se dizer que sim, embora desde 1990 mantenha uma parceria com o designer gráfico Marco Bello, de quem, primeiramente, me tornei amigo e com quem passei depois a trabalhar em diversas áreas, sendo o autor da criação das imagens corporativas e de todo o portfólio dos nossos vinhos. O mote é este: “Em equipa que ganha não se mexe”.
CL – Mas os vinhos não foram sempre o seu ramo de actividade…
GB – De facto, antes de enveredar pelos vinhos trabalhei na área do vestuário e têxtil. Comprando inicialmente na Inglaterra, em White Chapel, aos judeus, camisas, polos, etc., que aos milhões encherem as prateleiras dos grandes hipermercados e grossistas. Era eu que lá punha. Mas com o disparar da libra em relação ao escudo vi-me obrigado a partir para o Bangladesh, onde durante dez anos montei um escritório de compras (buying office), e ali, mas também na China, produzi malhas, jeans, blusões, polares, polos, enfim, diversos tipos de vestuário e calçado para Portugal. Muito mais tarde, talvez em 2004, farto do têxtil, tive a sensibilidade que a situação em Portugal iria mudar e que seria necessário começar a vender algo aos chineses. E então, numa das muitas conversas e almoçaradas, o Marco, perguntou-me: “porque é que, com o que conheces na Ásia, não crias uma marca de vinho para distribuição naquele continente?” Na altura, confesso, não mostrei interesse, mas um par de anos depois decidi fundar a Justwine. O Marco esteve para ser sócio mas acabou por desistir. E como ele não entrou, convidei o António Teixeira Duarte, de quem sou amigo há mais de vinte anos, e o advogado João Salvador, que é como se fosse meu irmão de sangue. O Marco, esse, continuou como designer e como amigo, a tratar do portfólio da marca até hoje.
CL – Macau é, portanto, desde o início da década de 1990, local de visita regular.
GB – Sim, e a esse respeito tenho uma confidência a fazer: como vinha de Hong Kong, achei Macau uma pasmaceira. Um local muito pequenino e limitado. Logo me perguntei: “o que é que os portugueses estiveram aqui a fazer durante quase 500 anos?”. Mas o certo é que passei, desde então, a vir comprar produtos na China para vender em Portugal, pois era cem por cento importador. Ao longo desse processo, como é natural, fui fazendo muitos amigos, e de comprador passei também a vendedor. Em 2006, a Justwine adquiriu cinquenta por cento da Unidos Comércio Geral, Lda (Macau) e a Unidos adquiriu cinquenta por cento da Justwine Import Export, Lda (Portugal), parceria que durou até 2010-2011.
CL – Considera que Portugal tem poucas coisas para vender, é isso?
GB – Infelizmente, sim. E do pouco que tem, continua a ser sempre a mesma coisa desde o tempo do Salazar. É o calçado, é o têxtil, é o vinho. A verdade é que, com o know-how consegue-se produzir em qualquer parte do mundo mais barato do que em Portugal. Sempre foi assim. Por isso é que, ainda hoje, tenho clientes, há décadas a quem garanto a melhor qualidade ao melhor preço. Ofereço sempre melhor do que aquilo que me pedem. Ganho por mérito próprio. Tem a ver com o meu modus operandi.
CL – E qual é ele? O segredo profissional?
GB – Tudo se resume à experiência. Comecei a aprender com o meu pai, que era engenheiro mecânico e tinha uma fábrica, “Tornearia de Metais, Sarl”, que chegou a ter 800 empregados. Muito cedo, tinha eu dezassete, dezoito anos, comecei a vender e a comprar. Anos depois já ganhava comissões de 500 contos mês, o que nessa altura era muito dinheiro. Não há escola para este tipo de coisas.
CL – Os produtos não se vendem por si só, como o vinho, por exemplo?
GB – Não. A prova disso é que há em Macau marcas muito mais conhecidas do que as minhas, mas que vendem muito menos. É um facto que pode ser comprovado. A verdade é que as coisas sozinhas… temos de ser criativos. Por isso organizei na China e em Macau uma promoção associando o fado ao vinho. No caso de Cantão, esteve associada à gastronomia portuguesa, pois houve uma mostra de comida e produtos portugueses, como enchidos e queijo da Serra.
CL – É uma estratégia?
GB – Fiz essa promoção porque acredito que algo de bom vai surgir. Nesse sentido, faz parte de uma estratégia que há de ter um prolongamento que ainda não está definido. Neste momento está construído apenas um troço da auto-estrada. Tem de ser por fases, pois os custos são grandes e os recursos muito, muito limitados.
CL – Qual a situação do mercado dos vinhos em Cantão?
GB – Em Cantão o mercado, apesar da muita concorrência e de ser um mercado difícil, ainda não está saturado e a margem de distribuição é bastante boa. Há outros portugueses, mas muitos estão a desaparecer, por mais incrível que pareça. Há uma adega conhecida que não vou citar o nome e que decidiu acabar com a operação na China quando a coisa estava a correr muito bem. Não se percebe. É um erro crasso. O negócio do vinho demora o seu tempo até se conseguir retorno. É preciso semear. No meu caso, apesar dos muitos anos que ando a investir, só agora começo a ter um retorno confortável.
CL – Trabalhou alguma vez com a AICEP?
GB –Sempre funcionei por iniciativa própria, graças a Deus. Infelizmente, regra geral, em Portugal funciona tudo ao contrário e só com conhecimentos e amizades se chega a algum lado. O Estado pouco ou nada faz, aliás, prefiro assim pois já ajuda muito não fazer nada. A iniciativa tem de partir de nós. Até hoje, bem ou mal, sigo o meu percurso.
CL – Macau constitui-se como entidade própria graças à teimosia da iniciativa individual. É esse o espírito?
GB – Sim. É esse o espírito. Não podemos ficar a espera do Estado e dos organismos senão corremos o risco de nada concretizarmos.
CL – A marca Portugal vende bem?
GB – Tenho três marcas. O Infinitae, o Regente e o Macao, tudo marcas registadas em Portugal, em Macau e algumas na China. A última delas está em standby, para um projecto futuro. Sou eu que escolho o tipo de vinhos, os rótulos, as rolhas, controlamos o preço de venda e o circuito, a quem vendo e a quem não vendo, e se quiserem as marcas que detenho só a podem comprar a mim. Isso é importantíssimo. O ser português é uma mais valia e se trabalharmos bem é uma vantagem em relação às outras origens. Eles acabam por simpatizar connosco, precisamente devido ao nosso percurso histórico. O caminho a seguir é ter marcas próprias, de forma a poder assegurar o controlo do negócio.
CL – Tem alguma empresa na China?
GB – Para vender vinho de Portugal não é preciso de ter empresas na China. No entanto, o motivo que me levou a abrir, há quatro anos, a Guangzhou Foods Liquor Co, Ltd, na qual detemos licenças de importação para álcool próprias, é não estar dependente de ninguém. E se tenho escritório em Cantão, com armazenagem e empregados, meio milhão de renmimbis de capital social obrigatório inicial, que entretanto aumentei para um milhão, isso tem a ver com a necessidade de ter mercadoria em stock a que pessoas possam recorrer no imediato. Se há procura, temos de disponibilizar logo a oferta, senão perde-se o cliente. A maior parte dos chineses nada percebe de importação e não tem meios para importar para além de querer tudo para ontem. É importantíssimo haver uma proximidade entre o produtor ou detentor das marcas, que é o meu caso, com o cliente. E um acompanhamento constante. E isso vale muito, pois o cliente volta a comprar, porque tem confiança, sente que há um elo de ligação. É preciso semear muito para depois poder ter boas colheitas.
CL – O que é que distingue o vinho português dos restantes?
GB – Para mim, os melhores vinhos são os portugueses, em especial os meus. Mas quanto a vinhos de outras origens, prefiro italianos. Gosto dos vinhos dos parceiros que tenho – Alentejo e Douro. Entre outros, destaco o Marcolino Sebo, produtor de Arcos, Estremoz, e o seu enólogo Engro Jorge Santos, e a Lucinda Todo Bom, para os vinhos do Douro, com o Mateus Nicolau de Almeida. São meus parceiros e amigos, mais do que tudo. Em Portugal, na gama baixa e média temos vinhos fabulosos, imbatíveis em qualquer parte do mundo. Os franceses e os espanhóis, nessa área, não têm hipóteses. Os chilenos têm um grande marketing, valem muito porque funcionam como um todo, ao contrário dos portugueses, cada um para o seu lado. Há que rectificar essa situação. O que se vê de Portugal nas feiras em que participo é uma desgraça. Mete dó. Não sabem vender. Um mau marketing e é por isso que me separo deles, senão não marco pontos. Em Portugal, hoje, não há maus vinhos. Estão muito melhor e têm vindo em crescendo. O problema é que na China os chineses gostam de tudo à grande, e há que estar à medida deles. O mercado da China é imenso. Eu quero é que haja lá mais portugueses, a competir comigo. Sozinho é difícil, e o AICEP, como já disse, está feito para servir as grandes empresas, e estas, infelizmente, têm outros mercados, outras agendas.
CL – E difícil fazer negócios com os chineses?
GB – Eu não acho. Têm é de ser negócios à chinesa, onde há lugar para a amizade. A confiança é também muito importante Com os chineses é preciso ter muita paciência e resiliência, pois o chinês é, por natureza, desconfiado As feiras servem para cimentar essa confiança, e eu participo em muitas delas. Creio que venci o desafio pois hoje vendo para toda a China.
Joaquim Magalhães de Castro