Prós e contras de uma evangelização pacífica
No Fórum Católico, co-organizado pela Diocese de Macau e pelo Instituto Politécnico de Macau, que teve lugar na passada sexta-feira nas instalações da instituição de ensino, foram levantadas várias questões sobre a acção dos missionários estrangeiros em Macau, em particular dos portugueses. A palavra pertenceu em grande medida a académicos de Hong Kong e da RAEM, que perante uma plateia constituída por personalidades de vários quadrantes dissecaram o percurso da Igreja Católica no Extremo Oriente, sempre com Macau como pano de fundo.
Intitulado “Fórum Católico – Transmissão e Desenvolvimento da Fé Católica: Retrospectiva da Comunidade Chinesa Leiga de Macau no século XX”, o evento de dois dias debruçou-se sobre três alíneas: cuidado pastoral, trabalho caritativo e educação.
A abertura dos trabalho esteve a cargo de um professor da Universidade de Hong Kong, de apelido Lam, tendo centrado o discurso na «resistência da população chinesa ao Cristianismo», no «insucesso dos missionários», na «grande diferença entre o actual número de católicos e de protestantes na China», na «acção do “padre” Andrew Kim», entre outros considerandos, que não deixando de ser verdadeiros careceram de justificação, para que a plateia ficasse a conhecer as causas que conduziram ao actual estado da Igreja Católica na China, no que respeita à adesão de fiéis e à ausência de vocações.
Seguindo o princípio de Órgão de Comunicação Social informativo e formativo, O CLARIM traça cronologicamente alguns acontecimentos históricos para ajudar os leitores a compreenderam o porquê das declarações do professor Lam.
De 1557 à actualidade
Com a fixação dos portugueses em Macau, em 1557, os missionários europeus desbravam novos caminhos para a fé, encetando contactos com as populações com que se iam cruzando. Começava aí a importância do então pequeno povoado de pescadores para o anseio da Igreja de Roma de evangelizar o místico Império do Meio.
A boa prestação dos missionários conduz à fundação da Diocese de Macau, em 1576, cujo trabalho serve de formação e inspiração ao italiano e jesuíta Mateus Ricci, que em 1601 entra em Pequim e por ali permanece até à morte, onde se encontra sepultado.
Quando tudo parecia correr de feição para o Catolicismo na China, eis que um volte de face deita por terra muito do trabalho desenvolvido até então: Sebastião José de Carvalho e Melo, Primeiro-Ministro do rei D. José I, expulsa os jesuítas de Portugal e de todas as suas possessões ultramarinas, em 1759. Segue-se um período conturbado para a Igreja Católica, marcado pelo estabelecimento dos ingleses e da Igreja Anglicana em Hong Kong, em 1800 – dezoito anos depois nascia Karl Marx, e com ele mais tarde o Comunismo e o Ateísmo de Estado, – pela entrada dos ingleses em Xangai, em 1832, e pelas deambulações do “padre” Andrew Kim, sempre perseguido até ser assassinado perto de Seul, em 1846 – curiosamente dois anos após terminar a proibição de evangelização entretanto imposta pelo imperador da China.
No início do século XX tudo parecia querer melhorar, mas a acalmia viria a transformar-se novamente em tempestade a médio prazo.
Em 1911 dá-se a queda do Império e a implantação da República da China; em 1923 o bispo de Macau D. José da Costa Nunes dedica a paróquia de São Lázaro à comunidade chinesa, em resposta ao crescente número de novos católicos; e em 1924 é realizada em Xangai a 1ª Conferência Episcopal da China.
Entre 1937 e 1945, chineses e japoneses travam uma dura batalha, daí resultando a fuga dos estrangeiros que viviam em Pequim, Xangai e em outros locais da China, o que fez diminuir sobremaneira o número de protestantes e também de católicos no País. Em 1949 Mao Tsé-tung institui a República Popular da China, proibindo todas as religiões. Em 1951 são suspensas as relações diplomáticas entre Pequim e a Santa Sé, problema muitas vezes focado por ambos os lados, mas que até hoje continua por resolver. Nos primeiros anos da década de 60 desenrolam os trabalhos do Concílio Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII, canonizado este ano no passado mês de Abril, sendo que imbuídos pelo espírito da carta-magna os responsáveis da Diocese de Macau criam a Associação das Escolas Católicas, em 1967, uma vez que o ensino ganha vital importância para a formação religiosa das crianças.
Finalmente, nos anos 80 e 90 os acontecimentos sucedem-se a um ritmo vertiginoso, com a China, Portugal e o Reino Unido a jogarem uma importante cartada para o futuro das novas gerações do Sul da China, através de acordos capazes de garantir os Direitos, Liberdades e Garantias das populações de Macau e de Hong Kong. Apesar de alguns receios, a liberdade religiosa não sofreu qualquer revés, embora seja notória a tentativa dos Governos de ambas as regiões administrativas especiais de controlarem a gestão das escolas católicas e reformularam os currículos.
Novos tempos, problemas antigos
A breve viagem que acabámos de efectuar por mais de 450 anos de história da Igreja Católica em Macau e na China prova quanto os missionários portugueses e de outros países europeus se dedicaram em levar a Palavra de Deus às diferentes populações espalhadas pelos quatro cantos de um país tradicionalmente fechado ao mundo, embora culturalmente e tecnologicamente desenvolvido.
Não foi por culpa própria que por vezes houve «resistência da população chinesa ao Cristianismo» e «insucesso dos missionários». As razões prendem-se com decisões tomadas pelo poder político, cuja visão das Cortes não ia para além dos jardins dos palácios.
Também assim se explica o porquê da «grande diferença entre o actual número de católicos e de protestantes na China», ou não tivesse a colonização do Reino Unido superado em muito a das congéneres europeias nos cinco continentes.
Mais do que olhar para o passado é tempo de encarar o futuro e resolver os problemas impostos pela modernidade: a sociedade de consumo, o afastamento dos jovens da Igreja ou de outras organizações de âmbito social, o combate aos vícios, o reforço do ensino em todas as classes sociais e faixas etárias, entre outras questões prementes a que urge dar resposta para que a criança de hoje – o homem de amanhã – não se desvie do caminho da moral, das virtudes e dos bons costumes.
José Miguel Encarnação
jme888@gmail.com