Porque é que a moralidade não pode depender apenas de mim?
Já vimos que quando sofremos injustiças ou deslealdades pensamos sobre o mal que nos foi feito e o bem que nos foi negado. Pensamos em ética e moral. Quando não nos tratam com o respeito que pensamos ser-nos devido, quando achamos que não estamos a ser compensados suficientemente pelo nosso trabalho, quando outra pessoa suja o nosso nome ou honra, quando as pessoas nos magoam física ou emocionalmente, quando nos insultam ou humilham, protestamos e reclamamos. Chamamos a estas situações, “injustas, “desleais”, “inconcebíveis”, “imorais”.
Como humanos, estamos cientes da nossa liberdade, da nossa dignidade; temos consciência dos nossos direitos (ver FILOSOFIA, UMA DENTADA DE CADA VEZ, nº 54) e sentimo-nos ofendidos quando esses direitos são violados. A experiência de sermos ofendidos faz-nos ver a importância da moral e a necessidade das normas de ética. Vemos a moral como uma protecção. A moral protege os direitos do homem, que emanam da nossa natureza humana. De facto, temos a intuição desta lei moral natural. Essa intuição está tão imbuída (entranhada) em nós, que apenas pode ser suprimida pela violência.
Viktor Frankl, psiquiatra sobrevivente de Auschwitz, no seu livro editado em 1946, “Man’s Search for Meaning” (“O Homem em Busca do Seu Significado”), com mais de dez milhões de cópias vendidas até ao momento da sua morte, em 1997, e que foi traduzido para 24 línguas, descreve os horrores que os prisioneiros sofreram nos campos de concentração. A exposição diária à crueldade humana fez, eventualmente, com que os prisioneiros endurecessem, tornando-se passivos, indiferentes e frios – deixaram de se preocupar se os seus companheiros de prisão eram tratados (pelos guardas dos campo) pior do que os animais. A violência destitui-os do sentido da moral.
Da última vez vimos que não podemos viver sem um código moral. No entanto, existe um numeroso grupo de pessoas que acredita que em vez de se subescreverem a um sistema moral, objectivo e “rígido”, deveriam ajustar os padrões éticos às diferentes culturas e circunstâncias. Não acreditam que se deva adoptar um ponto de referência universal e absoluto. Isto é conhecido como “relativismo moral”.
Peter Kreeft, na sua palestra “A Refutation of Moral Relativism” (“Uma Refutação do Relativismo Moral”), cita e desaprova cinco das razões a favor do relativismo moral: psicológicas (isso dá-me sentimentos de culpa, e sentimentos de culpa são maus), culturais (cada cultura possui o seu próprio conjunto de regras), condicionamento social (somos criados a pensar de uma certa forma particular diferente da dos outros), restrições à liberdade, necessidade de tolerância (normas absolutistas são tirânicas) às situações (situações diferentes, especialmente as extremas, necessitam de diferentes soluções).
http://www.peterkreeft.com/ audio/05_relativism/ relativism_transcription.htm
Já tínhamos visto que no discurso relativista “nada é absoluto, tudo é relativo”, o que o invalida a si próprio. Se nada é absoluto, a própria afirmação de que “nada é absoluto” não é absoluta.
Deixem-me referir apenas três dados para concluir a discussão sobre o relativismo moral.
1– Enquanto é verdade que existem diferenças de valores entre as diferentes culturas, mesmo assim há um acordo sobre os costumes mais básicos. Por exemplo, possivelmente não haverá uma cultura que condene a diligência, a abnegação, a sabedoria, o optimismo, o auto-controlo. E é plausível que não exista nenhuma cultura que aplauda (glorifique) o egoísmo, a covardia, a mentira, a falta de respeito, a traição ou o abuso dos recursos naturais.
2– Já vimos acima que nos tornamos conscientes da moralidade (moral) quando os nossos direitos humanos estão em perigo. Mas eu só posso reclamar os meus direitos, se a outra pessoa também os reconhecer como tal (direitos). Mas se cada um tiver os seus próprios padrões, obter justiça dependerá apenas de sorte.
3– É suposto que o relativismo moral seja o epitomo da tolerância. Mas ele não tolera dogmas. Em si próprio torna-se numa ditadura. (Cardeal D. Joseph Ratzinger, homilia, missa antes do Conclave)
Pe. José Mario Mandía