E quanto ao coração?
Falámos de muitas coisas sobre o Homem, mas não dissemos nem uma palavra sobre o coração. O termo “coração” está tão ligado à natureza humana que uma “pessoa sem coração” muito dificilmente poderá ser considerada humana. As Sagradas Escrituras mencionam este facto mais de mil vezes. E mesmo assim não se encontram mencionadas nas faculdades (sentidos, apetites, intelecto, vontade) que São Tomás referia. A razão para este facto é que o termo “coração” é analógico. Ele é usado para definir diferentes realidades com um sentido comum a algo no interior profundo do ser humano. Deixem-nos dar uma vista de olhos a esses diferentes significados.
O coração representa todo o espectro das emoções humanas: amor e ódio (cf. Tobit 4:13); alegria (ou felicidade) (cf. Deuterónimo 28:47 / 1 Samuel 2:1 / Provérbios 15:13,15 / Salmos 13:5); medo (cf. João 14:1); ambição (cf. S. Tiago 3:14); raiva (zanga) (cf. I Macabeus 2:24); esperança (cf. Eclesiásticos/Sirach 14:2); desencorajamento (cobardia) (cf. Joshua 2:11); e coragem (cf. II Macabeus 1:3).
Mas isto não é tudo: o coração não se refere apenas às nossas emoções.
O coração também pode representar intelecto. “O coração não sente apenas, ele sabe e compreende… ‘Nosso Senhor repreende os escribas: «Porque é que têm pensamentos maus nos vossos corações?»’ (Mateus 9:4)” (São Josemaría, “É Cristo que Passa”, pág.164).
“Além disso, o coração também representa a vontade de uma pessoa que dirige todo o seu ser, alma e corpo, para o que considera que é bom e determina as escolhas que faz: «Para onde as suas fortunas forem (o levarem), o seu coração também lá estará» (Mateus 6:21)” (São Josemaría, “É Cristo que Passa”, pág.164).
Ele também representa a totalidade da pessoa. “Quando falamos do coração de alguém”, dizia São Josemaría, “não nos referimos apenas aos seus sentimentos, mas à pessoa como um todo nos seus relacionamentos amorosos com as outras pessoas. De forma a nos ajudar a compreender as coisas divinas, as Escrituras usam a expressão ‘coração’ no seu significado humano pleno, como uma síntese e fonte, expressão e base final, dos pensamentos, palavras e acções de alguém. Um homem vale o que o seu coração vale” (“É Cristo que Passa”, pág.164).
O termo “coração” também se refere à consciência “no sentido bíblico dos pensamentos profundos de alguém, onde uma pessoa decide ‘por’ ou ‘contra’ Deus” (Catecismo da Igreja Católica, 368).
Mas o que é que queremos dizer por “consciência”? É um sentimento? Não, não é!
Para entendermos o que é a consciência, necessitamos de voltar atrás, às três operações do intelecto: (1) apreensão simples, (2) julgamento e (3) raciocínio (ver FILOSOFIA, UMA DENTADA DE CADA VEZ, nº 7). A consciência é um acto do intelecto quando julga se uma acção é boa ou má. Sabemos que a segunda operação do intelecto (o julgamento) faz-nos afirmar ou a negar algo sobre outra coisa, como por exemplo: “O gato é preto” (afirmação), ou “O gato não é branco” (negação). Quando a acção de afirmar ou negar se relaciona com uma acção entre o bem ou o mal, então é denominada de “consciência”. Por exemplo, quando digo a mim mesmo: “estou a dizer a verdade”, ou “eu não estou a fazer o que era suposto estar a fazer neste momento”, ou ainda, “estou a tirar algo que pertence a outrem sem a sua autorização (roubar), etc.”, é a minha consciência a trabalhar. Estes julgamentos são actos da minha consciência.
Assim como alguém possa estar mal informado ou possa fazer um mau julgamento, esse alguém também poderá ter uma consciência irrónia por causa de ignorância ou erro de avaliação. É exactamente do mesmo modo que o intelecto tem de ser formado e educado que a consciência também necessita de ser formada e educada.
Pe. José Mario Mandía