Filosofia, uma dentada de cada vez (5)

Um leitor perguntou-nos: E qual é o melhor caminho?

Um jovem local, estudante do liceu, que afirmou não professar nenhuma religião, mas que tem seguido esta série de artigos, enviou-nos uma pergunta pertinente, e eu gostaria de responder antes de continuarmos.

Perguntou, referindo-se às três formas pelas quais adquirimos conhecimento (o uso dos sentidos, o uso do raciocínio, o uso da informação fornecida por terceiros), qual delas deverá uma pessoa utilizar para provar a existência de Deus?

Esperava abordar este assunto numa outra ocasião, muito mais tarde, mas aproveito a oportunidade para explicar um pouco mais. A resposta é: obviamente que nós não podemos usar a observação directa (se bem que poderão haver algumas excepções neste caso), mas poderemos usar tanto a segunda (por meio do raciocínio) ou a terceira forma (o caminho da Fé).

Pelo raciocínio. Algumas das verdades da religião (exemplo: a existência da alma) não são necessariamente reconhecidas apenas através da Fé. A Razão pode demonstrar a existência de Deus: Sócrates falou sobre a Suprema Inteligência, fonte da ordem no universo (ou da Ordem Universal); Platão concebia Deus como o Ser mais perfeito; Aristóteles entendia-O como um acto de pura compreensão.

Mesmo a própria Bíblia diz que se um homem observar o mundo à sua volta e começar a questionar o que vê, mais cedo ou mais tarde irá esbarrar no Criador (Sabedoria, 13:1-9; Salmo 19:1; Romanos 1:20-23). Não precisamos da Fé para reconhecermos a existência de Deus, assim como não precisas de Fé para saberes que alguém escreveu este artigo ou que alguém te deu à luz.

Pela Fé: No entanto, o intelecto do Homem foi obscurecido pelo pecado original. Para ter a certeza do facto da existência de Deus e que outras verdades religiosas possam “ser conhecidas por todos sem dificuldades, com segurança e sem a intromissão de erros” (Concílio Vaticano I), Deus escolheu falar directamente connosco (Hebreus 1:1) – Ele revelou-Se-nos a Si Próprio. E o que Ele disse chega-nos através da Bíblia e da Sagrada Tradição, que foi confiada à Igreja, que a preserva e explora os seus conteúdos e os disponibiliza a todos nós. Mas este facto já nos traz para o campo da Teologia. Regressemos à Filosofia.

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Na semana passada falámos de três “mundos”, os três reinos da realidade, conhecimento e linguagem. Deixem-nos explorar este assunto um pouco mais.

Verificámos que não podíamos conhecer o “nada”. Se podemos ter conhecimento de algo, é porque ele existe. O conhecimento baseia-se no ser, na realidade. Também vimos que existem seres muito simples e seres muito sofisticados, e que ainda há muitos graus ou graduações de seres intermediários. Por exemplo, existem seres vivos unicelulares num dos fins do espectro e o ser humano está no outro fim do espectro.

Também podemos acrescentar que quanto mais rico for o objecto que estudamos, mais nós podemos saber sobre ele. Por exemplo, há mais a saber de uma vaca do que de uma bactéria, mas há mais a saber de um ser humano do que de uma vaca.

Outra pergunta: tem algo que existir, realmente, para que nós conheçamos alguma coisa sobre isso? E que tal sobre personagens de ficção como o Harry Potter?

Oh, boa pergunta! Em primeiro lugar teremos que o definir. Harry Potter existe realmente ou não? Se concordarmos em que não existe, então que tipo de existência tem ele? Poderemos chamá-la de “Ser da Razão”. Os seres da razão existem, de certa forma; existem no mundo do conhecimento. E a diferença entre os seres reais e os seres da razão tem importância?

Deixem-me devolver-lhes a pergunta. O que pensarão de uma pessoa que fala convosco sobre grandes projectos, mas quando se lhe pede que apresente um exemplo concreto ela não tem nada para apresentar. Os seus projectos são todos “seres da razão”. Iriam trabalhar com uma pessoa destas?

Pe. José Mario Mandía

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