Qual a resposta de Aristóteles a Parménides e Heráclito?
Falámos dos dois tipos de mudança que nos levaram aos conceitos de substância e acidente, matéria e forma. Aristóteles rejeita Heráclito mostrando que em cada mudança há algo que fica: a substância na mudança acidental, e matéria-prima na mudança substancial. Para além disso, a nossa observação das mudanças também nos leva a mais dois conceitos que ajudaram Aristóteles a rejeitar a teoria de Parménides.
Tomemos a peça de mármore que o escultor se prepara para começar a trabalhar. No estado presente o mármore pode ser esculpido na forma de uma estátua de David. Aristóteles chama a este estado actual do mármore “dunamis” (a palavra inglesa “dynamic” = dinâmico deriva daí) ou potência. Diz-se que o mármore tem a potencia de ser transformado numa estátua. O potencial não é uma mera possibilidade, mas uma capacidade real. O mármore possui a capacidade real de ser transformado numa estátua (mas não tem a capacidade real – sem potencial – de ser tornar num filósofo). Este é o primeiro conceito: potência.
Vamos assumir que um escultor trabalhou a peça de mármore e transformou-a numa estátua (escultura). O potencial de se transformar numa estátua, actual ou real, tornou-se numa estátua de verdade. A estátua encontra-se agora no estado de “energia” ou “entelecheia”, isto é, num (estado de) acto com respeito ao bloco de mármore não trabalhado que teve o potencial: este é o segundo conceito: acto.
A mudança é a passagem da capacidade real de ser (algo) para realmente ser (algo) – é a passagem de um “ser” da potência para o acto.
Vejamos um segundo caso: o intelecto humano é a capacidade de compreensão. É uma capacidade real, uma potência. De cada vez que racionalizamos algo actualizamos esse potencial. A capacidade ou a potencia para pensar torna-se num acto de pensamento.
O primeiro caso (a estátua de mármore) é um exemplo de potência passiva, ao ser actualizado. O segundo caso (o intelecto humano) é um exemplo de potência activa, ao ser actualizado. Mas seja um caso de potência passiva ou activa necessitarão sempre de algo ou alguém para além do sujeito da mudança. E esse algo ou alguém tem ter (ou estar em) acto. No caso do conhecimento, por exemplo, o intelecto necessita da presença de algo que seja um objecto do seu conhecimento. O intelecto humano, per si, não cria conhecimento do nada.
Com esta explicação do acto e da potência Aristóteles rejeita (a teoria de) Parménides, ao demonstrar que a mudança é possível, porque não é a passagem de “não-ser” para “ser” (ou o contrário), mas antes da potência para o acto.
E agora um caso especial de mudança: a elevação do Homem ao nível sobrenatural. Nós acreditamos que o Baptismo torna-nos filhos de Deus: esse facto eleva-nos a um novo nível de Ser. Não existe mais nada no mundo que se compare a esta mudança. Mas imaginemos um cavalo a quem foram concedidos os poderes humanos da compreensão e da vontade. Tal significaria que o cavalo também poderia comunicar os seus pensamentos, que poderia adquirir direitos e obrigações próprios das do Homem (tais como candidatar-se a cargos oficiais ou no mínimo votar nas eleições). O cavalo seria elevado ao nível do ser humano. Coisa do outro mundo, não acham? Tornar-se Filho de Deus pelo Baptismo é muito mais do que isso.
Os teólogos explicam que o Homem não possui potência passiva ou uma capacidade real de atingir o nível sobrenatural, porque a vida sobrenatural – a vida com Deus e em Deus – ultrapassa as capacidades naturais do Homem. Assim sendo, eles chamam a esse facto potência obediencial.
Pe. José Mario Mandía