Os Acidentes têm alguma importância?
Da última vez vimos que é importante diferenciar a “substância” do “acidente”. Mas, e isso significa que os “acidentes” não são importantes? Não, de maneira nenhuma! Hoje deixem-nos explorar o relacionamento entre estes dois princípios de “ser”.
Em primeiro lugar, a “substância” é o sujeito e substracto dos “acidentes”. Tal significa que a substância é subjacente aos, ou “suporta”, os acidentes. Sem a substância os acidentes não podem existir. A cor, o peso, aspecto, cheiro ou sabor de um fruto não podem existir se o fruto não existir. O fruto é a substância que suporta o acidente da cor, do peso, do aspecto, do cheiro e do sabor. Por outras palavras, os acidentes recebem o seu esse (o acto de ser) da substância. Em todo o ser, composto de substância e acidente, há apenas um esse. Isso é o que concede unidade a esse “ser”, e faz com que seja uma coisa única (una) e não um amontoado de coisas.
Por outro lado, os acidentes concedem uma perfeição adicional à substância; eles aperfeiçoam o sujeito no qual existem. No exemplo acima, os acidentes de cor, peso, aspecto, cheiro e sabor dão ao fruto uma perfeição adicional.
Para além disso, alguns acidentes são aperfeiçoados por outros acidentes. Podemos apreciar melhor esse facto se usarmos um ser humano como exemplo. Se vos pedir para que me descrevam alguém que vocês conhecem, irão apresentar-me diversas características ou acidentes, sendo alguns físicos e outros não. Entre os acidentes não físicos, que podemos observar num ser humano, está o seu poder de pensar (pensamento) e reflectir (reflexão).
Este poder é chamado de “intelecto”. O intelecto é um acidente do Homem. Quando uma pessoa começa a pensar cada acto de pensar também é um acidente. Assim, temos um acidente (acto de pensar) que aperfeiçoa outro acidente (o intelecto).
Além disso, se uma pessoa repetir o acto de pensar correctamente, adquire o hábito de pensar correctamente. E este hábito é outro acidente que resulta de acções repetidas. Mas este hábito também aperfeiçoa o acto de pensar, porque assim que a pessoa desenvolver (através da repetição constante do mesmo acto) o hábito de pensar correctamente, esse facto ajudá-lo-á em futuros actos de pensar. Esse facto ajuda a pessoa a pensar correctamente, mais fácil e rapidamente.
Outro acidente que encontramos no Homem é o poder de “querer” (ou desejar ter vontade). Este poder é algo que observamos no Homem e que o torna diferente dos outros animais. Os outros animais actuam com base nos seus instintos e paixões (estes são acidentes dos animais), mas o Homem pode anular (ou dominar) os seus sentimentos. Por exemplo, mesmo que uma pessoa se esteja a sentir cansada, pode forçar-se a continuar a trabalhar até acabar a tarefa em curso.
Essa capacidade de se forçar a si próprio, apesar dos seus sentidos, é conhecida como vontade. Cada acto de vontade é um acidente. Se ele exercitar a sua vontade repetidamente, formará um hábito (outro acidente) que tornará mais fácil e rápido fazer o mesmo acto no futuro.
Até este momento apenas falámos de acidentes do ser humano. Mas também existem acidentes sobrenaturais. O intelecto e a vontade são aperfeiçoados, não só por actos individuais, não apenas por hábitos adquiridos, mas também pela graça. A graça também é um acidente, que não emana do Homem, mas sim de Deus. Quando uma pessoa exercita constantemente, tanto o seu intelecto como a sua vontade, a Graça de Deus melhora ainda mais a sua capacidade de pensar correctamente e decidir com determinação. As virtudes humanas preparam o caminho para o exercício das virtudes sobrenaturais.
Os acidentes não podem existir por si próprios. Mas isso não significa que não sejam importantes. Uma pessoa necessita de possuir conjuntos básicos de acidentes, se quiser crescer e amadurecer.
Pe. José Mario Mandía