Um homem, uma Catedral
A “religionenlibertad”, uma plataforma católica “online” com sede em Espanha, de carácter evangelizador, noticiou recentemente o falecimento de Justo Gallego, conhecido como o enigmático “arquitecto” e construtor da apelidada “Catedral de Mejorada”. Trata-se de um edifício religioso ímpar, ainda por concluir, fruto da fé, imaginação e obra das mãos deste humilde homem que se auto-intitulava de lavrador.
Segundo o referido “site”, no passado dia 28 de Novembro, o arquitecto autodidacta Justo Gallego faleceu aos 96 anos, em Mejorada del Campo. Esta localidade ficou para sempre transformada com a construção de tão enigmático e fascinante templo, o qual demorou cerca de sessenta anos a ser edificado pelas mãos e engenho de Justo Gallego, um camponês que chegou a ser monge, mas Deus quis dele um outro ofício: elevar-Lhe uma catedral. O projecto foi-lhe, por assim dizer, colocado no seu coração cristão e construído pelas suas próprias mãos.
A Câmara Municipal de Mejorada declarou três dias de luto oficial, a mesma edilidade que em Abril concedeu a Justo o distinto reconhecimento em vida, como filho predilecto da cidade.
«Aos 27 anos fui para o convento de Santa María de Huerta, no dia 12 de Outubro de 1961. Fiquei lá oito anos mas adoeci de tuberculose», contou Justo ao jornalista Pedro del Castillo, numa entrevista-reportagem, intitulada “O lado bom das coisas”, gravada no local onde se encontra a Catedral de Mejorada. Aquando da entrevista, já o “arquitecto” contava 93 anos de idade. «Nunca estudei», confessou humildemente ao jornalista. «O meu conhecimento são dádivas de Deus, que ele dá às pessoas. No meu começo, em criança, em casa, fui agricultor e não estudei arquitectura», vincou.
Na mesma ocasião, fez uma revelação: «Não quero fama, não sou toureiro nem jogador de futebol. Temos que nos esconder e sermos humildes». Repetindo que «tudo tem de ser feito com humildade».
Justo Gallego nasceu em 1925, numa povoação localizada a 25 quilómetros de Madrid; os seus vizinhos e amigos lembram o grande coração e a humildade que o caracterizava.
De acordo com um comunicado publicado pela ONG “Mensajeros de la Paz”, Justo prometera “um eremitério à Virgem Maria, mas durante a construção quis oferecer-lhe algo muito melhor”. Assim, a obra deste humilde homem – um forte testemunho de fé – surgiu em forma de agradecimento à Virgem do Pilar, por tê-lo curado de tuberculose, doença que o obrigou a sair da vida religiosa. O terreno que deu vida à promessa herdou-o da sua mãe – verdadeiro berço para que de um homem nascesse uma catedral.
Sem qualquer conhecimento técnico de engenharia ou arquitectura – apenas com o adquirido por meio da leitura de livros de arte – Justo Gallego construiu uma catedral única, que nas suas grandes dimensões combina, em grande parte, materiais reciclados. A inspiração foi buscá-la ao estilo românico, que para ele é intemporal. O resultado final é uma imponente catedral, que se encontra praticamente concluída, com o objectivo de dar testemunho da sua enorme fé e entrega a Deus, já que do mundo se desligara há muitos anos, como fazia questão de sublinhar. Quem o conhecia, reitera a sua humildade e o desejo permanente de não ser famoso. Trabalhou incansavelmente até aos 96 anos, colocando diariamente pedra sobre pedra, sustentado pela fé e pelo seu grande segredo para manter a boa saúde: muito jejum e evitar comer carne. E tudo isto – destaca um artigo da Actualidad Viajes– sem qualquer tipo de planta, licença de construção ou projecto técnico e arquitectónico, tendo continuamente a sombra da ameaça de demolição por parte das autoridades.
A 9 de Novembro, dezanove dias antes da sua morte, Justo doou a catedral à “Mensajeros de la Paz”, a fim de concluírem o projecto, que irá prosseguir em parceria com a Calter, empresa responsável pelas obras do Estádio Santiago Bernabéu e pelas Torres de Colón, em Madrid. «É incrível que se tenha construído esta catedral à escala, sem planos e sem projecto; e que uma única pessoa o tenha feito», exclamou, impressionado, Jesús Jiménez, director de construção da Calter.
A Catedral de Mejorada tem quatro mil e 700 metros quadrados de superfície e uma cúpula que chega aos 35 metros de altura. Contempla doze torres de sessenta metros de altura, 28 cúpulas e dois mil vitrais. Para Justo, a parte favorita da catedral era a cúpula, a qual levou trinta anos a ser construída!
Justo não gostava de ser o centro das atenções, isto é, não queria ser mundialmente famoso. No entanto, foi devido a um anúncio à Aquarius que o seu projecto de vida alcançou fama internacional. À época, recebeu ainda trinta mil euros para pagar despesas referentes à legalização do espaço enquanto local de culto religioso, e desde então passou a receber ajuda de todos os cantos do mundo, tanto de mão-de-obra voluntária como de doações financeiras para a conclusão da obra.
Nos últimos anos, Justo Gallego vinha recebendo visitas frequentes de artistas e de entidades internacionais, como por exemplo a do fotógrafo alemão Ulrich Brinkhoff.
Para além de todas estas informações, o “religionenlibertad” revela que foi o edil de Mejorada, Jorge Capa, quem conseguiu que todos os partidos políticos com assento no plenário da Câmara Municipal aprovassem a moção de legalização da Catedral de Justo e a classificação do monumento como Bem de Interesse Cultural.
Em forma de agradecimento, Justo afirmou com humildade ter «muito orgulho em deixar algo para o Senhor e para todos, para aqueles que me querem e para os que não».
Miguel Augusto