ESTÁ QUASE A TERMINAR A QUARESMA, REFLICTAMOS!

ESTÁ QUASE A TERMINAR A QUARESMA, REFLICTAMOS!

Tapete e pedras a esconder ou limpar?

Basta esconder o mal? Estamos na Quaresma, tempo de arrependimento, perdão e bem-fazer. Vai uma reflexão sobre casos? Numa viagem a São Paulo, Brasil, falaram-me de um edifício vistoso e logo me diziam que tinha a finalidade de criar imagem e esconder um bairro-favela para que se não visse da avenida. A preocupação com a imagem ou a fachada tem-se desenvolvido muito na cultura actual. Multiplicam-se os gabinetes de imagem. Não é um mal, mas pode tornar-se um exagero e um fingimento caro para esconder a realidade.

Fui criado numa casa modesta que tinha a divisória principal chamada a casa de fora onde a família se reunia e recebia as visitas. Tinha um móvel chamado a cantareira por na prateleira de baixo alojar os cântaros de barro com água potável e fresca trazida do poço e, mais tarde, da fonte de torneira do lugar. Nas outras prateleiras guardava-se a loiça que servia para as festas. Estava tudo à vista e servia também para ornamentar a sala.

Em contraste, há uns tempos aconteceu-me uma situação surpreendente. Em outras casas os guarda-loiças eram vidrados e alguns ainda são. Por contraste, numa casa de sobrinhos, ao deitar-me reparei que não tinha água no quarto e fui à cozinha, que é moderna, e procurei um copo para encher de água. Como tudo estava guardado (escondido) em meia dúzia de armários fechados, não sabia onde poderia estar o copo, e abri um, dois, mais outro, cinco, seis e algumas gavetas, e não encontrei. Servi-me de uma taça da mesa já preparada para o café. No dia seguinte soube que os copos estavam noutra gaveta que não cheguei a abrir. Tudo estava arrumado e escondido. Já me aconteceu a mesma experiência noutras casas. E também já convivi com pessoas que ao ocuparem espaços de trabalho arrumam tudo, seguindo o princípio de que arrumar é esconder para tudo parecer bonito. Não propriamente, para ordenar e tornar as coisas acessíveis a quem precisar de as usar.

Tenho ouvido histórias de recomendações que alguns investigadores dão às mulheres de limpeza: limpe tudo, mas não toque nos papéis da secretária nem das prateleiras, nem deite nada para o lixo. O receio de ir parar ao lixo o que já deu meses de trabalho é sempre um risco. Confesso que sou um pouco desarrumado e já fiz recomendações semelhantes em relação ao gabinete onde trabalho. Considerar que arrumar é esconder traz inconvenientes, mas pior é considerar que arrumar, é pôr no lixo; é mais arriscado. Há casos desses.

Em Manila, nas Filipinas, levam os visitantes à “montanha fumante”, que não é mais que uma montanha de lixo da cidade que fumega dia e noite. Infelizmente nas bordas dela vivem milhares de pessoas em extrema pobreza. O mais caricato é o facto de este lixo servir de curiosidade e atracção turística.

É bem conhecido o ditado de varrer o lixo para debaixo do tapete em vez de o limpar para o caixote. Os hábitos de cobrir e tapar a sujidade, e os males pessoais e institucionais que envergonham têm algumas vantagens e os psicólogos chamam-lhe mecanismos de defesa da própria imagem para melhorar a auto-estima e sentirem algum alívio ao seu mal-estar e dar fachada às instituições. Em tempo de Quaresma e de purificação dos pecados pelo arrependimento e emenda, vem a Bíblia dizer em algumas passagens que os nossos pecados são cobertos, mas o sentido é de aceitar o perdão que Cristo nos obteve com a sua morte. São Pedro diz que «o amor cobre a multidão de pecados» (1 Pe., 4, 8). Esse amor é de arrependimento e confiança em Cristo que morreu pelos pecadores.

Talvez mais que noutros tempos observa-se hoje uma grande epidemia de corrupção nas culturas políticas e religiosas. Para reduzir o grande sofrimento generalizado que daí vem recorre-se aos mecanismos e tácticas de esconder o mal e a culpa com novas corrupções, mentiras e fingimentos. Os actos de corrupção multiplicam-se em cadeia, e aumentam este flagelo assustador. A divulgação publicitária da corrupção pelos média nem sempre melhora o ambiente corrupto; em especial quando explora os seus pormenores e torna o clima geral ainda mais sujo.

Nestes Domingos foram lidas duas narrativas destas. Numa, de um pai com dois filhos, é um dos filhos que acabou, à sua custa, de sofrer ser ele que descobriu todo o lixo em que se atascou, mas foi o pai que limpou esta vida do filho mais novo com o seu perdão em festa. O irmão mais velho da parábola deixou no ar a incógnita do mal da sua recusa de aceitar esse perdão de amor incondicional do Pai ao filho devasso (cf. Lc., 15, 1-3.11-32).

No episódio relatado na outra leitura, os adúlteros recorreram ao mecanismo de fingimento hipócrita para cobrir o pecado da adúltera com um montão de pedras. O lixo da sua vida estava agora em risco de ficar ainda mais à vista com aquela denúncia realista, mas hipócrita porque pretendia esconder o lixo pessoal com o mecanismo de defesa de o cobrir com o tapete da sua corrupção e juntar-lhe a violência para com a mulher. O único Salvador que podia fazer a diferença era Jesus. Estendeu o seu silêncio e a oferta da verdade do seu amor por ambas as partes a precisar muito mais que de uma fachada mentirosa de violência e de sofrimento e medo da morte iminente. Duas palavras bastaram: «quem estiver sem pecado atire a primeira pedra». E a outra: «nem eu te condeno. Vai e não tornes a pecar» (Jo., 8, 1-11). É esta limpeza e purificação do coração que o Jubileu oferece neste Ano 2025 da Redenção.

Pe. Aires Gameiro

Membro da Ordem Hospitaleira de São João de Deus

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