Espaços da clausura

Os Mosteiros

Na passada semana falou-se aqui de clausura, como conceito ou como área restrita dentro de uma casa religiosa. Hoje falaremos do espaço físico, edificado e ocupando uma determinada área e funcionalidades, onde habitam os monges ou as monjas de ordens monásticas, ou do monaquismo: os Mosteiros. Por isso, o primeiro esclarecimento: não falaremos nem de frades nem de conventos, mas sim de monges/monjas em mosteiros. Realidades diferentes. Os frades vivem em conventos, espaços que são as casas dos ramos masculinos das Ordens Mendicantes (Franciscanos, Dominicanos, Agostinhos, Carmelitas, nas suas várias observâncias). Ou seja, tudo o que não é mosteiro, dir-se-ia, de forma mais simples.

Beneditinos, Cistercienses e Trapistas, Camaldulenses, Cartuxos, Jerónimos, entre outros, e os seus ramos femininos e os das Ordens Mendicantes (Clarissas, Dominicanas, Agostinhas, Carmelitas, nas suas observâncias ou divisões), ou ordens próprias (Visitandinas, Ursulinas, por exemplo), são pois monges e monjas a viver em mosteiros. Estes são associados também às comunidades de Cónegos Regrantes, como os Premonstratenses, por exemplo. O povo apelida desde sempre de conventos (do Latim “conventus”) todas as casas religiosas, mas erroneamente.

 

Definição

O termo “mosteiro” tem uma formação tardia, mas erudita. Foi desenvolvido a partir do termo latino “monasterium”, provavelmente evoluído do Grego “monasterion”, que tem como raiz mono, “só”. O monge é o “solitário”, ou o “único”, do Grego “monachos”, que deriva no verbo grego “monadzein”, “viver sozinho”, origem do termo monaquismo. O mosteiro é o espaço ou o conjunto de edificações, murado normalmente, onde habita uma comunidade (cenóbio) de monges, ou monjas. Muitas vezes denominam-se de abadia, quando governado por uma abade ou abadessa (Beneditinos, Cistercienses, Trapistas), seguindo a Regra de São Bento de Núrsia. Pode ser também governado por um prior, quando não atingiu a categoria de abadia ou é apenas um priorado segundo determinada ordem (Camaldulenses, Cartuxos, Jerónimos).

A clausura, a estabilidade, o isolamento, são imperativos da vida nos mosteiros, desde sempre concebidos espacial e arquitectonicamente para cumprir esses objectivos, além da espiritualidade própria e do princípio da procura da auto-subsistência, a partir do trabalho, a par da oração e da “lectio” divina. É um microcosmo, uma reprodução da comunidade de Jerusalém, da fraternidade dos Apóstolos, o paraíso na Terra, a harmonia, a singularidade, o espaço de contemplação e paz. A autonomia é outra das características definidoras dos mosteiros, mesmo que estejam dentro de uma congregação, ou ordem, como a de São Bento.

 

História

O mais antigo mosteiro foi fundado por São Pacómio (292-346), no Egipto. Na sua Regra, fundadora do ideal cenobítico, defendia que os monges deviam viver em comunidade sob um tecto comum, naquilo que será o mosteiro. Muitos serão os mosteiros inspirados no seu ideal de vida, ao longo do vale do Nilo e principalmente a sul de Alexandria, no Wadi al Natroun, conhecido como Scítia e constelado de comunidades monásticas, ainda hoje vivas, no Cristianismo Copta Ortodoxo.

Não demorou muito a que surgissem mosteiros na Europa, no Ocidente, em particular na Itália, graças a São Atanásio. Em Roma aparece o primeiro em 341. Na Gália (França) surge o primeiro em Ligugé, fundado por São Martinho de Tours, em 375. Em 530 surge a primeira regra monástica histórica do Ocidente, dita de São Bento, o seu “autor”, a partir da Regra do Mestre, texto anterior na qual se inspirou. O que importa é que esta Regra beneditina institucionalizou e enquadrou a fundação da maior rede de mosteiros da história do Cristianismo, na sequência das fundações de duas abadias históricas como Subiaco (520) e Montecassino (529), ambas por São Bento de Núrsia. Milhares de mosteiros seriam depois fundados, masculinos ou femininos, sob esta inspiração beneditina, com destaque para Cluny (910), o maior de todos os mosteiros, e Cîteaux (ou Cister, em 1098).

Até aos dias de hoje, o ideal monástico no Ocidente, como no Oriente (para não aludir a outras dimensões monásticas, como no Budismo, Taoísmo…) persevera e continua a enxamear por todo o mundo cristão, ainda que sem a população monacal de outros tempos, mas com sucessivas gerações de monjas e monges a darem vida e sentido a estes espaços fundadores da civilização, focos de cultura e alfobres de erudição, centros de ensino e ciência e oásis de espiritualidade e de sentimento religioso.

 

Arte e espiritualidade

O desejo de viver em autonomia e auto-subsistência por parte dos monges, dentro da espiritualidade comunitária e vincada na liturgia, no silêncio e na contemplação, numa aura mística, singulariza os mosteiros em termos de espaços sagrados e de vida. Por isso, os mosteiros surgem como espaços alternativos ao mundo onde se inserem, embora existindo não como contraponto mas acima de tudo pela sua natureza e idiossincrasia espiritual, vivencial e cultural. O monge deve assegurar a sua salvação pela sua oração e devoção, mas também a sua a manutenção e a da comunidade e do mosteiro pelo seu trabalho, fundamento da actividade económica importante, não apenas para a o cenóbio mas também para as populações circundantes. Aqui surge o binómio beneditino do “Ora e Labora”, difundido principalmente no séc. XIX pelos irmãos Mauro e Plácido Wolter, fundadores da congregação beneditina alemã de Beuron, na senda de D. Gueránger e da sua congregação de Solesmes, célebre pela sua renovação litúrgica e do canto gregoriano.

Os mosteiros são essencialmente rurais, ou de montanha, até ao séc. XI / XII localizando-se no alto dos montes, descendo depois (Cister) para as planícies e margens de rios. As povoações, às vezes cidades, também albergam mosteiros, mas em número mais reduzido. O ideal da fuga “mundi” assim determina. Os mosteiros constroem-se com base na centralidade de uma igreja, dispondo assim a sua estrutura e funcionalidades, de acordo com uma harmonia ritmada por claustros colunados, representações do paraíso, com a fonte ablutória ao centro, purificadora e invocando os rios do Éden. A vida interna depende desta estrutura, da liturgia (igreja sacristia) ao espaço útil e residencial: dormitórios, refeitórios, capítulo, cozinhas e despensas, locutórios, hospedaria, portaria, quartos para monges em trânsito, enfermaria, farmácia, biblioteca, sala de leitura. Cemitério, hortas, cavalariças, campos… e tantos outros espaços que definem o mosteiro como uma colmeia. Um oásis de espiritualidade, paz, harmonia, de louvor perpétuo a Deus.

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

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