Um bem haja a todos depois da tempestade
Quase uma semana passada desde a intempérie que afectou Macau, muito já foi feito, mas com certeza muito mais há ainda para fazer. Muito o Governo e os órgãos de decisão terão de realizar para continuar a preparar o território no que respeita a fenómenos meteorológicos severos, os quais – segundo confirmam os especialistas – se irão repetir mais frequentemente.
Comparativamente com a tragédia do ano passado (falo do infame Hato), o Mangkhut, apesar de muito mais forte, acabou por provocar menos estragos na sua trajectória. Sinceramente, acredito que muito se deveu ao trabalho que tem vindo a ser feito pelas autoridades ao longo do último ano, na recuperação dos estragos de 2017, que optaram por utilizar técnicas e materiais mais adequados. Sem preconceitos, olham para os bons exemplos dos territórios que também sofrem com intempéries semelhantes noutras latitudes. Desta vez não houve facilitismos e todo o aparato de prevenção foi colocado em marcha a tempo e horas.
É de louvar o trabalho levado a cabo por todos os funcionários públicos, pelos bombeiros, Polícia, Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais e Protecção Civil. Assim como também não se deve menosprezar o espírito combativo e de entreajuda da população de Macau. No dia seguinte à passagem do tufão as ruas já estavam limpas e a vida voltou à normalidade.
Aqui em Portugal vivemos a aproximação do Mangkhut – primeiro às Filipinas e depois a Macau – com atenção e muita apreensão, principalmente porque as imagens da devastação do Hato no ano passado ainda estão bem presentes na memória.
As pessoas que de uma forma ou de outra mantêm uma ligação afectiva ao antigo território português viveram dias tensos, sempre procurando saber um pouco mais do que se ia passando. Uns porque têm Macau num lugar especial no coração, outros porque aí têm família ou amigos.
Actualmente, graças às redes sociais, o acompanhar da situação torna-se mais fácil e a realidade da passagem da tempestade pode ser vivida quase na primeira pessoa. Os vídeos e as fotos, juntamente com os relatos escritos e falados que os amigos residentes no território nos iam disponibilizando, fizeram com que tivéssemos a sensação de aí estar com todos vós a sofrer da mesma angústia. As imagens, principalmente os vídeos do Porto Interior, da Ilha Verde, de Coloane e da Taipa, deixavam qualquer um com o coração apertado.
Durante os anos que vivi em Macau passei por muitos tufões. Que me lembre, número dez apenas um nos anos noventa, sendo que os estragos não foram significativos.
Outras considerações à parte, e sem querer apontar o dedo, não consigo dissociar o aumento da destruição das tempestades tropicais em Macau com o desenfreado e descontrolado crescimento que a cidade tem vivido. São prédios e mais prédios com uma rede de saneamento que, por muito que o Governo invista, não é capaz de acompanhar a demanda dos novos investimentos e do contínuo afluxo de novos residentes. É uma cidade moderna, na maioria do seu território, mas com infra-estruturas antigas que muito dificilmente podem ser modernizadas.
O problemas das águas no Porto Interior não é de agora. Sempre houve inundações depois que a circulação das águas ficou estagnada com a construção desregulada na zona. Com o mesmo a acontecer do lado de Wanchai, a situação só tende a piorar. Daí o aumento dos problemas com o escoamento das águas quando a pluviosidade é exagerada.
Considero que não se pode apontar o dedo ao Governo, dizendo que este não faz isto ou aquilo. O Governo tem investido milhões em estações elevatórias, bombas, etc. Claro está que todas as medidas são insuficientes, porque apenas se aposta num dos lados da solução. Por muito que o Governo invista em modernizar as infra-estruturas estará sempre anos atrás das necessidades. O desenvolvimento de Macau foi muito rápido e todos os prédios, hotéis e outros negócios crescem a um ritmo muito mais acelerado. Não se colocando um travão neste lado da equação, dificilmente o investimento do Governo noutras medidas irá surtir efeito. Quanto muito minora os resultados nefastos destas intempéries.
Custa ver os residentes do Porto Interior e de toda a zona baixa de Macau a lutarem para defender os seus pertences. Uma luta a que todos estão habituados, uma vez que sempre viveram nesta realidade. Acontece que de ano para ano a situação piora. Talvez os esforços do Governo não sejam suficientes, embora não acredite que tal seja verdade. O Governo não investe mais porque não tem como. Outras medidas têm de ser encontradas para que estas pessoas possam ter o seu ganha-pão a salvo.
No ano passado um amigo perdeu todo o investimento feito no negócio de comida que tinha acabado de abrir. Literalmente, perdeu tudo! Este ano, já reerguido o negócio com a ajuda de muitos amigos, conseguiu colocar quase tudo a salvo. Sabia que impedir o aumento das águas era impossível. Pelo que soube, graças a um grupo de clientes, membros de uma equipa de fogo de artifício de Portugal que estava em Macau para participar no Festival Internacional de Fogo de Artifício, poucas horas depois das águas terem retrocedido estava pronto para abrir portas e começar a trabalhar. As pessoas que vivem nas áreas mais afectadas adaptam-se e habituam-se a esta realidade. Contudo, são precisas soluções mais permanentes.
Graças a Deus, este ano não houve vítimas mortais a registar e mesmo o número de feridos foi consideravelmente baixo. O que só por si é uma nota já muito positiva.
Os estragos foram alguns, mas também não tão elevados como aquando da passagem do Hato, o que também pode significar que realmente o esforço de reconstrução e modernização das estruturas pelo Governo está a funcionar.
Aqui deste lado do mundo vamos continuando a acompanhar a situação como fizemos no passado fim-de-semana. Estivemos em Lisboa, mais concretamente no Martim Moniz, num evento de Street Food. Possivelmente o local mais asiático de Portugal e onde muitas influências de Macau se cruzaram entre conversas e uns pratos de comida.
JOÃO SANTOS GOMES