Donald Trump. Made in USA

Independentemente dos juízos de valor que se possam fazer sobre a personagem que acabou por ser eleita para Presidente dos Estados Unidos da América, ela é aquilo a que nos habituámos a reconhecer como o típico americano, da apelidada “América profunda”. Fanfarrão, grotesco, vivaço, pouco culto, homofóbico e presbiteriano, este rico empresário da construção civil e herdeiro de grande fortuna usou toda a sua influência financeira e mediática para conquistar a presidência do país mais poderoso do mundo, os Estados Unidos, do qual se viu sempre afastado pelo tipo de personalidade que representava.

Este ex-apresentador de “reality shows”, que fez da sua campanha um autêntico Big Brother à americana, soube aproveitar as várias das fragilidades do seu povo, face ao seu passado e presente, a um sistema político emperrado nas suas contradições internas e sem respostas globais e a uma conjuntura internacional complicada, para radicalizar o seu discurso e captar o interesse dos desiludidos do “sistema”.

As suas endiabradas promessas ao eleitorado, apesar da contestação interna de que foi alvo, foram a rampa de sucesso para atingir os sectores mais conservadores da sociedade americana e todos aqueles que se sentem excluídos e enganados pelo “establishment” reinante nos Estados Unidos. Para uns e para outros, ricos e miseráveis, o “sonho americano” é diferente, senão antagónico, mas todos concordam num ponto: queriam mudar. Mas se esta mudança der lucros, apenas uns beneficiarão.

Beneficiará a elite dos construtores americanos, à qual Trump pertence, se este último continuar a persistir em construir milhares de quilómetros de muro na fronteira com o México. Beneficiarão os empresários americanos com a prometida baixa de impostos. Beneficiarão os fabricantes de armas, os “senhores da guerra” e todos aqueles que investem na multiplicação de conflitos por toda a parte do mundo. Beneficiarão todos os populistas de extrema-direita, dispostos a lançar a confusão e a radical alteração de valores éticos, que as sociedades democráticas demoraram gerações a construir, tais como o repúdio pelo racismo e a xenofobia. Veja-se as reacções de júbilo de Marie Le Pen (em França); Nigel Farage (em Inglaterra); do partido Alternativa para a Alemanha (AFD), ou até mesmo do até aqui moribundo PNR português, que decidiu renascer manifestando-se em Lisboa no último fim-de-semana.

A eleição de Trump tem todos os ingredientes para se tornar um sério problema mundial. A importância dos Estados Unidos no mundo, do ponto de vista financeiro, político e militar, é de tal forma grande que um “espirro” do seu Presidente pode desencadear uma enorme vaga de “gripe” no resto do mundo. Situação que nos suscita grandes preocupações quanto ao futuro do planeta e dos seus povos.

Alguns comentadores afirmam que Trump vai voltar atrás com muito do que disse durante a campanha eleitoral e tornar-se um Presidente na linha de Ronald Reagan. Esquecem-se no entanto que, além da formação cultural de Reagan (sociologia e economia), da sua experiência enquanto Governador da Califórnia e do seu contributo para a pacificação das relações internacionais (Rússia, China), um currículo muito diferente do actual Presidente, a era Trump não é a era Reagan e a “Guerra Fria” foi substituída por várias guerras “quentes”, que não se compadecem com as actuais hesitações e confusão de ideias que são exprimidas por Trump, em relação à futura política externa dos Estados Unidos e à sua recusa em aceitar os acordos de Paris, relativos à protecção do ambiente.

Além disso, é preciso ter em consideração que Trump foi eleito por tudo aquilo que disse. Se decidisse ou fosse aconselhado a “rasgar” tudo no seu discurso anterior, perderia a credibilidade dos americanos que lhe deram a vitória, tornando-se um motivo de escárnio para todos e objecto de grandes contestações públicas.

Mas mesmo que, em “pequena dose”, Trump seja obrigado a “engolir alguns sapos” (algumas medidas do Obamacare e outras) as suas rectificações de discurso não poderiam ferir os grandes interesses que se escondem na sua candidatura. Interesses que, para muitos dos seus apoiantes, não passam da velha aspiração à “Grande América”.

Em síntese, o novo Presidente dos Estados Unidos é um verdadeiro produto americano, daqueles que não devem ser “exportados” porque se trata de um produto tóxico. Tóxico para as sociedades em geral e as europeias em particular.

Saibam as nossas sociedades interpretar os sinais que dão origem a estes fenómenos e corrigir os seus percursos, para nunca cairmos neste recuo civilizacional.

LUIS BARREIRA

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