A crença enquanto escolha consentida

DECLARAÇÃO SOBRE A FRATERNIDADE HUMANA

A crença enquanto escolha consentida

Inspiradas pela Declaração sobre a Fraternidade Humana, assinada pelo Papa Francisco e o Grande Imã de Al-Azhar, reputado académico da religião islâmica, a 4 de Fevereiro de 2019, as Nações Unidas decidiram passar a comemorar anualmente, nessa mesma data, o Dia Internacional da Fraternidade Humana, apelando assim à defesa e promoção da justiça e dos direitos de todos, de forma a que possamos – nas palavras do padre jesuíta indiano Cedric Prakash, que há dias evocou esta efeméride numa declaração à agência noticiosa FIDES – “viver verdadeiramente como irmãos e irmãs, na dignidade, na paz, na equidade e amor da nossa Casa Comum”.

O documento ecuménico incita os crentes de todo o mundo a envolverem-se em pesquisas e reflexões, nos mais diversos sectores académicos, de forma a ajudar a preparar as novas gerações para uma cultura de bondade e paz, e defesa dos direitos dos oprimidos e dos mais desfavorecidos. Foi nesse sentido que no passado dia 3 de Fevereiro o Secretariado para a Justiça Social e Ecologia da Companhia de Jesus organizou um “webinar” global, intitulado “Fraternidade e Fronteiras”, no decorrer do qual foi apresentado um mapa global interactivo dos centros sociais daquela instituição, “promotores da justiça, da paz e da fraternidade entre comunidades de diversas religiões”. Ao fazê-lo, os responsáveis pela iniciativa limitaram-se a responder ao desafio do Papa Francisco que recentemente afirmou ser a fraternidade o simples gesto de «estender a mão aos nossos semelhantes, respeitando-os e ouvindo-os de coração aberto».

Um ano após a Declaração de Abu Dhabi (assim se designa o acordo assinado durante a viagem apostólica do Santo Padre aos Emirados Árabes Unidos, em 2019), o Papa Francisco divulgou ao mundo a encíclica Fratelli Tutti, um texto revolucionário, precisamente sobre a fraternidade e a amizade social. Nela, o Santo Padre apela ao diálogo entre todas as pessoas de boa vontade, independentemente das suas crenças religiosas. “Fratelli Tuttipropõe um roteiro para nos tornarmos mais fraternos, a partir do reconhecimento da dignidade fundamental de cada pessoa”, lembra o padre Cedric Prakash, para quem o mencionado documento é uma verdadeira Magna Carta, “um caminho a seguir para toda a Humanidade”. Isto, se quisermos verdadeiramente superar o ódio, a divisão e a violência. E naquela região do planeta esse é hoje, mais do que nunca, um necessário compromisso.

Já no seu recente livro “Politics of Hate”, a escritora paquistanesa-americana Farahnaz Ispahani descreve bem o ambiente marcado pelo ódio que o extremismo religioso fomenta no subcontinente indiano.

Claro que para haver fraternidade, essencial se torna o respeito pela liberdade de escolha do indivíduo. Fenómenos como o da “conversão sem consentimento” constituem grossas muralhas que impedem as desejadas aproximações. Num relatório apresentado, nos últimos dias de 2022 pela ONG paquistanesa “Voice for Justice”, em colaboração com a congénere internacional “Jubilee Campaign”, foram denunciados cem casos de sequestros, conversões religiosas forçadas, casamentos forçados e precoces de meninas e mulheres pertencentes à comunidade cristã do Paquistão, ocorridos no período entre Janeiro de 2019 e Outubro de 2022. Dos casos totais, 86 por cento remetem-nos à província do Punjab.

“O fenómeno das conversões forçadas revela a incapacidade do Estado de implementar e fazer cumprir as leis existentes destinadas a prevenir sequestros, casamentos precoces e casamentos forçados, especialmente quando as vítimas vêm de comunidades religiosas minoritárias”, afirmou à agência FIDES o presidente da “Voice for Justice”, Joseph Jansen, apelando para seja introduzida, quanto antes, “uma lei que puna esse crime e o previna, de acordo com as normas dos Direitos Humanos”.

O relatório “conversão sem consentimento” destaca os casos de algumas menores cristãs que sofreram graves sevícias. Uma delas foi “drogada, violada, espancada com um pedaço de pau, queimada com cigarros”, e uma outra, após receber idêntico tratamento, viu-se obrigada a casar e a mudar de religião. O relatório mostra-nos que 61 por cento das meninas foram sequestradas antes de completarem dezasseis anos, porém, as respectivas idades são muitas vezes falsificadas para evitar a condenação criminal dos seus sequestradores. Regra geral, os agressores destes e de outros actos mais graves ainda gozam de impunidade total. Como é óbvio, a Igreja local apresentou o seu veemente protesto. O monsenhor Indrias Rehmat, um bispo católico de Faisalabad, apelou à necessidade de implementar medidas legais e administrativas “que fortaleçam o Estado de Direito, combatam a impunidade e garantam as liberdades fundamentais para todos sem discriminação”. Segundo os dados da Comissão da Situação da Mulher no Punjab, assiste-se a um aumento generalizado da violência contra a mulher: em 2021, foram registadas nove mil 734 ocorrências na província de Punjab, das quais quatro mil 598 foram violações, mil 415 casos de violência doméstica, 34 queimaduras com ácido e 197 assassinatos de “crimes de honra”.

Joaquim Magalhães de Castro

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *