De novo em Carriacou

Estamos na baía onde se encontra a doca que nos irá acolher durante um par de semanas, para procedermos aos trabalhos de manutenção do nosso veleiro. Desde que começámos a viagem, em Abril de 2014, que o Dee não sai da água para manutenção. Antes disso, tinha passado vários anos em seco, pelo que não sabemos muito bem qual o estado do casco em termos de qualidade e pintura.

Foram quase dez horas de vela desde o ancoradouro em St. George, capital de Grenada, com o mar inicialmente calmo e vento ameno. A meio da viagem, precisamente onde se encontra o vulcão subaquático (Kick-’em-Jenny), o mar tornou-se grande, agitado e confuso. Apanhámos ondas de proa com quase três metros e ventos a rondar os vinte e cinco nós. Felizmente nenhuma rebentou em cima de nós porque havia espaço suficiente entre elas.

Tínhamos planeado fazer toda a viagem à vela para testar o leme de vento, que finalmente está completamente operacional, mas tal não foi possível, pois encontrámos condições adversas. Sem a oportunidade de mudar de rumo, visto querermos chegar a Carriacou no mesmo dia e ainda com luz para não arriscarmos entrar na baía de Tyrrel durante a noite, decidimos ligar o motor para nos ajudar a manter a rota. A baía de Tyrrel está repleta de recifes e barcos afundados. A navegação nocturna não é aconselhável nestas águas, assim como também não é recomendável ancorar durante a noite. O local, regra geral, está repleto e o espaço disponível é muito reduzido.

O leme de vento acabou por ser testado logo na saída de St. George; foi possível verificar que funciona. Haverá outras oportunidades para nos acostumarmos ao seu modo de funcionamento. Passar a confiar num instrumento de metal, depois de sempre termos confiado numa caixa electrónica (piloto automático), vai levar algum tempo, embora saibamos que o sistema poupa muito as baterias.

A chegada à baía de Tyrrel foi feita sempre à vela e a motor. Ancorámos à segunda tentativa e exactamente no mesmo local onde tínhamos ficado na primeira visita. Até os barcos dos vizinhos são os mesmos.

Como recompensa do mar tumultuoso, voltámos a encontrar um casal de amigos que conhecemos na República Dominicana. Ele natural do Canadá, ela da Sérvia, mas a viver no continente americano desde muito nova. Vivem a bordo de um pequeno veleiro, o “Kind of Magic”. Contactados via rádio, depois de termos confirmado que estávamos bem ancorados, garantiram que iriam passar pelo nosso barco no dia seguinte. Queriam voltar a ver-nos, principalmente à Maria; ver como ela tinha crescido desde o último encontro em St. Lucia, há mais de seis meses.

A saída da capital de Grenada foi repleta de despedidas. Primeiro, do jovem português que conhecemos e sobre o qual vos falei. Quando regressarmos já ele deverá ter voltado para a Suíça, para continuar a sua vida profissional. Segundo, de um casal americano e alemão que conhecemos na temporada que passámos nas ilhas americanas. Gunner e Julie planeiam ir para a Venezuela, mas têm de ir a Trinidad e Tobago tratar do visto para a Julie, pois como tem passaporte americano em Grenada os diplomatas venezuelanos recusam emitir-lhe um visto. Terceiro, dos nossos amigos brasileiros, especialmente por causa da Maria que agora é inseparável da Júlia, a filhota de quatro anos do Paulo e da Gabriela, proprietários do Bavaria 45 Gentileza. Esta não foi bem uma despedida porque, daqui a uns dias, vamos estar todos reunidos novamente.

Agora é tempo de colocar mãos à obra. Antes mesmo de começarmos o trabalho queremos ter tudo pronto para que não se perca muito tempo. Todo o material que comprámos irá ficar arrumado em sacos e caixas, pronto a ser utilizado. A lista é extensa e inclui lixas, pincéis, rolos de pintar, fitas isoladoras e colas. Os produtos para a pintura e tratamento do casco já foram previamente enviados, devendo estar guardados no escritório da doca.

Além dos produtos que vão ser utilizados há também outros aspectos a tratar. Temos que certificar que tudo o que está no convés está seguro para que não caia quando o veleiro for içado da água. Temos de assegurar que as bombas da fossa não ficam ligadas quando o barco estiver em seco, para que a água com óleo não verta para o chão. Temos que ter cabos preparados para que possamos manobrar o veleiro a partir de terra, caso seja necessário. E, por último, temos de saber qual a rota, por entre as centenas de veleiros ancorados, que nos pode levar em segurança até à entrada da doca, onde está o “travelift” que içará o barco. Tudo pormenores que parecem de pouca importância mas que têm de ser ponderados para que nada corra mal.

Como a nossa tripulação irá ficar reduzida logo depois de regressarmos à capital de Grenada, porque a NaE irá voltar a Macau para participar no curso de guias turísticos do Instituto de Formação Turística, chegou a altura de começar a fazer preparativos para quatro meses de navegação com apenas um adulto a bordo. Os primeiros meses serão passados ancorados em Grenada, pelo que nada irá mudar substancialmente, mas em finais de Outubro, princípios de Novembro, iremos rumar a Martinica, de onde iremos zarpar para as ilhas holandesas e para o Panamá, onde a NaE se irá juntar a nós. Serão quatro meses de muita aprendizagem, tanto a nível de vela “solitária” como de ser pai “solitário”.

JOÃO SANTOS GOMES

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