Da opressão colonial ao terror de Pol Pot

Após a passagem e marcante actividade de portugueses e espanhóis, a partir de 1863, e durante noventa anos, os franceses passariam a controlar o Camboja, em conjugação com os seus interesses na Indochina. Uma vez alcançada a independência, em 1953, o País passou a ser governado pelo rei Norodom Sihanouk, que dominou a cena política durante quinze anos. Contudo, o sistema repressivo por si forjado, contestado tanto à esquerda como à direita, acabaria por levá-lo ao exílio na China, expulso pelas próprias tropas, em 1970. Um ano antes, o Camboja fora arrastado para o conflito do Vietname e, secretamente, aviões norte-americanos bombardearam intensamente aquilo que se suspeitava serem bases de apoio dos vietcongs em território khmer.

Logo após o golpe de Estado de 1970, tropas conjuntas norte-americanas e sul-vietnamitas invadiram o País, recorrendo ao sempre conveniente pretexto de “desalojar as forças comunistas”. Um acto em vão, mas que obrigou os efectivos de um grupo rebelde indígena, os Khmeres Vermelhos, a refugiarem-se no interior do País. Seguir-se-iam sangrentas batalhas por todo o lado, que só terminariam com a tomada de Phnom Penh pelos maoístas, em Abril de 1975, duas semanas antes da queda de Saigão. Nos quatro anos seguintes, centenas de milhares de cambojanos foram forçados a abandonar as cidades, integrados em gigantescas comunas agrárias. Milhares de pessoas acusadas de “parasitas sociais”, simplesmente porque usavam óculos ou falavam línguas estrangeiras, foram torturados e executados. Centenas de milhares morreram devido a maus tratos, subnutrição e doenças.

Estima-se que pelo menos um ou dois milhões de cambojanos pereceram em consequência das políticas postas em prática pelos Khmeres Vermelhos, que justificavam os seus impiedosos actos pela tentativa de transformar o País numa imensa cooperativa agrária de inspiração maoísta dominada por camponeses – o grande sonho de Pol Pot, o supremo e incontestado líder.

Como era de esperar, as comunidades católica e muçulmana foram alvo de uma gigantesca purga, e praticamente todos os seus elementos foram exterminados. Famílias inteiras de luso-descendentes, que mantinham grande influência junto do poder e da sociedade em geral (graças ao seu poder de adaptação tinham-se até introduzido no aparelho colonial francês) seriam aniquiladas por completo.

Quando estive em Phnom Penh era já ponto assente que não existiriam quaisquer vestígios dessa comunidade, nem em Phnom Penh, nem em Sianoukville (a antigo Kampong Som), cidade costeira do Camboja, onde se sabe que proliferou em tempos uma numerosa e dinâmica comunidade católica, até porque, feitas bem as contas, dos sessenta e cinco mil católicos que habitavam o Camboja até 1975, apenas um milhar terá sobrevivido à razia decretada por Pol Pot e a sua clique de torcionários e assassinos, quase todos eles gente que tinha recebido educação universitária em França.

Em finais de 1978, o Vietname invadiu o Camboja, destituindo o Governo e obrigando os rebeldes a refugiarem-se na selva junto à fronteira tailandesa. A partir daí, estes passaram a desencadear – apoiados pela Tailândia, China, e, indirectamente e numa primeira fase, pelos Estados Unidos – acções de guerrilha contra o Governo de Phnom Penh, até muito recentemente.

Joaquim Magalhães de Castro

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