Que a nossa vida não seja uma vida estéril

CONSELHO DE ANA TAPIA, COACH E PSICOTERAPEUTA

Que a nossa vida não seja uma vida estéril

“Que a tua vida não seja uma vida estéril. Sê útil. Deixa rasto. Ilumina com o esplendor da tua fé e do teu amor”.

Ouvi esta frase, há muitos anos, numa altura em que me assaltavam várias inquietações sobre o sentido da vida, a distinção entre o que era certo ou errado, o valor da ética e das virtudes enquanto prática de vida e caminho para a felicidade, num debate aceso com várias questões filosóficas, existenciais.

Aquela frase, primeiro ponto do “Caminho” para a felicidade, para o amor ou para Deus não me fazia muito sentido (dou-me conta que estava verdadeiramente atacada por um pessimismo e cepticismo visceral que me tolhia a vontade, a confiança e capacidade de acreditar). A minha vida era bastante dedicada ao trabalho; apostava com todas as minhas energias em provar ser uma profissional de excelência na minha área, não para alcançar o sucesso, mas talvez para encontrar uma segurança imbatível. Tinha condições profissionais bastante boas, mas o tempo que eu dedicava ao trabalhava esgotava-me e não encontrava uma realização plena nem no ordenado, nem nas viagens, ou nos inúmeros desafios profissionais que me abriram várias janelas para a vida e para o mundo.

“Que a tua vida não seja uma vida estéril. Sê útil. Deixa rasto. Ilumina com o esplendor da tua fé e do teu amor”. É verdade que procurava que o meu trabalho pudesse ser útil aos meus clientes, de forma a proporcionar-lhes o melhor serviço de acordo com o que considerava (ou me diziam ser) os melhores padrões de qualidade. Mas… e depois… qual o sentido de trabalhar e esgotar-me tantas horas? “Deixa rasto”… bem, algumas pessoas reconheciam o benefício ou utilidade do meu trabalho, outros até aprenderam, mudaram, desenvolveram-se e eu até fui recompensada com novas oportunidades, talvez, por isso, estivesse a deixar rasto. Mas… “ilumina com o esplendor da tua fé e do teu amor”… apesar de serem palavras motivadoras eram algo estranhas na minha experiência de vida.

A minha fé, inundada de inúmeras dúvidas racionais e práticas era algo que quase já não encontrava nem eco nem espaço no meu coração, e o meu amor quando não seguia a lei “olho por olho dente por dente” instrumentalizava-se para agradar aos outros com a esperança que assim reconhecessem o meu valor pessoal, gostassem mais de mim, ou obter algum outro benefício (embora na altura não o reconhecesse). Mas que enorme solidão e escravidão esta! Eu, que sempre advoguei o valor da liberdade, sentia-me a pessoa mais escrava deste mundo, ao fazer tudo para agradar, cumprir o que era mais correcto, preocupada apenas com o meu impacto pessoal dos acontecimentos, ignorando a enorme leveza, desprendimento e liberdade que existe quando se actua apenas por amor e, em particular, se é Deus a razão que “nos mete ao barulho”, impelindo-nos a agir ou persistir.

O “essencial é invisível para os olhos”, e este encontra-se num coração enorme, generoso, gentil, compassivo, compreensivo, próprio do amor que é Deus mas que vive na amizade, na família, e em tantas outras formas de amor autênticas que se reconhecem porque resplandecem, sustentam e alimentam nesta maravilha que é ter uma certeza inquestionável de que a vida tem um sentido, mesmo que despercebido na espuma dos dias; esta é uma maravilha iluminada no comportamento, palavras e silêncio de Cristo que na sua natureza plenamente humana e divina nos mostrou, anima, inspira e relembra que absolutamente nada é inútil ou sem valor quando se faz por puro amor.

E, neste modelo de amor, ou em todas as manifestações humanas onde ele possa estar presente de forma autêntica e desinteressada, a vida não é estéril e tudo o que se faça é útil e deixa rasto, porque toca a verdadeira vida, e o esplendor da fé e do amor brilham mesmo que ocultos nos momentos mais difíceis da nossa existência.

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