Aldeias cristãs apanhadas no fogo cruzado
A aldeia cristã de Rmeish (ou Rmeich), junto à fronteira israelo-libanesa, é já um dos principais cenários do presente conflito directo entre as milícias xiitas do Hezbollah e os soldados do exército israelita. Há algumas semanas atrás, Rmeish contava com uma população de mais de onze mil habitantes; hoje, são menos de cinco mil. Muitos deles – sobretudo pessoas doentes e crianças – decidiram deixar a região, juntando-se aquela que é já uma vaga com mais de um milhão de libaneses deslocados – xiitas, sunitas e cristãos –, fugindo em direcção a áreas consideradas “mais seguras”, antes que a persistente “ofensiva terrestre” bloqueie todas as rotas de fuga. Houve, porém, quem optasse por ficar, apesar de tudo. Esses, em busca de conforto espiritual, refugiam-se na oração: rezam todos os dias a Jesus, Maria e aos seus santos mais queridos, rogando-lhes que a sua aldeia continue a ser poupada à constante “chuva de drones, foguetes e disparos de artilharia”.
Um dos quatro padres maronitas ali residentes, Abuna Toni Elias, tem a seu cargo trinta jovens que durante a noite vigiam as estradas de acesso a Rmeish. O padre denomina-os de “guardas matinais”. São como “sentinelas pacíficas e desarmadas”, cuja função é monitorizar o que acontece em redor da povoação, prevenindo de imediato os seus habitantes se houver perigo eminente.
Durante a conversa com o repórter da agência noticiosa FIDES, o padre Abuna alertou para as explosões de granadas que se ouviam à distância, lembrando que tal acontece todas as noites. “Talvez os soldados israelitas estejam já do outro lado da colina”, dizia ele. “Até agora não os vimos. Mas ouvimos o som de tanques movendo-se ao longo das estradas que ligam Rmeish a outras povoações”.
A ameaça da guerra chegou a Rmeish logo após o ataque do Hamas a Israel, a 7 de Outubro de 2023. Desde então, tudo mudou. As escolas fecharam (e mantêm-se fechadas); não há trabalho; e são cada vez mais as pessoas que apenas conseguem sobreviver graças ao apoio da Cáritas do Líbano e de outras organizações humanitárias.
O padre Abuna lembrou que quando os milicianos xiitas do Hezbollah começaram a disparar projécteis contra Israel, “alguns de nós protestámos, dizendo-lhes que não era assim que iríamos ajudar os palestinianos em Gaza”. E quando, por sua vez, a artilharia israelita bombardeou os campos nas imediações de Rmeish, os moradores, “com a mediação do exército libanês”, pediram uma vez mais ao Hezbollah que não disparasse a partir daquela zona. Afinal, não queriam sofrer as consequências de uma guerra que não era a sua. Tudo pioraria com a Operação Nova Ordem, iniciada há duas semanas. Os israelitas bombardearam as posições do Hezbollah, matando não só os seus combatentes, como também centenas de civis. Várias aldeias xiitas e cristãs perto de Rmeish foram devastadas e estão agora desertas. “São tantos os lugares destruídos que isto agora mais parece Gaza”, comentou o padre Abuna.
Foram céleres os bispos maronitas na sua reacção, na sequência dos bombardeamentos israelitas. Reunidos na assembleia mensal presidida pelo Patriarca Béchara Boutros Pierre Raï expressaram a “sua dor diante do horror do desastre que atingiu o Líbano, do litoral à montanha, afectando civis inocentes”. E não esqueceram de condenar a “prolongada agressão israelita, que causou centenas de mártires e vítimas, incluindo o secretário-geral do Hezbollah, Sayyed Hassan Nasrallah, e muitos outros líderes do movimento xiita”.
Os bispos pedem agora a Deus misericórdia “para aqueles que foram mortos e conforto e consolação para as suas famílias e para os feridos”. Apelam ainda à comunidade para que “assuma as suas responsabilidades em prol de um cessar-fogo imediato e a implementação das decisões internacionais”, com uma referência específica à Resolução da ONU número 1701.
Todos se preparam para o pior. O padre Abuna admitiu não entender “o que está por trás de tudo isto e para onde tudo isto nos levará”. Quanto às relações com os xiitas, evoca a boa amizade existente entre as diferentes aldeias antes desta nova guerra. “Pertencemos ao mesmo povo, não podemos entrar em conflito com eles”.
Os habitantes de Rmeish também se perguntam o que acontecerá quando a guerra acabar. Como poderão continuar a viver assim? É por isso que exigem a eleição de um novo Presidente, algo que não acontece há dois anos. “Não temos um chefe da nação e isso diz muito sobre nossa fraqueza”, comentou o clérigo.
Um pensamento especial de “proximidade e admiração” vai para o trabalho dos médicos e pessoal de saúde. Eles tudo fazem para cuidar dos feridos, “apesar das imensas dificuldades”. Gratidão pelos gestos espontâneos dos muitos libaneses que acolheram pessoas deslocadas que fugiam das áreas bombardeadas. Também aqui, os bispos maronitas apelam ao apoio das nações e instituições internacionais, e a garantia de segurança no trabalho da Igreja na ajuda aos feridos e deslocados via a sua rede de paróquias, mosteiros e demais instituições, “em particular a Cáritas do Líbano”.
Por fim, uma palavra aos chefes militares, para que “previnam qualquer possível golpe de Estado” num país que atravessa – uma vez mais – momentos de grande dificuldade e fraqueza. Diante do desastre que atinge o Líbano, os bispos pedem a todos os libaneses “que despertem uma consciência que preserve e alimente” os factores de unidade nacional, referindo-se ao que eles definem como um “sinal de esperança nestas circunstâncias difíceis”; ou seja, a liturgia de canonização dos mártires de Damasco, que será presidida pelo Papa Francisco a 20 de Outubro próximo.
Joaquim Magalhães de Castro