O encontro com a comunidade portuguesa de Curaçao parece estar cada vez mais longe, devido a problemas burocráticos relacionados com as licenças e as autorizações necessárias para se realizar um evento público na ilha. Embora ainda reste quase um mês para se encontrar uma solução, temos notado que da parte da comunidade há pouca dinâmica, apesar das pessoas contactadas terem mostrado interesse. No entanto, como um todo a comunidade não funciona.
Há várias individualidades que têm alguma voz e que poderiam ser o factor aglutinador da cultura lusa neste território, mas têm medo de dar o primeiro passo ou de dar a cara. Os próprios membros do único grupo folclórico que ainda existe – de três que havia há duas décadas – mostram-se muito envergonhados para se apresentarem em público, tentando arranjar desculpas para que tal aconteça o menos possível. Em conversas com elementos do grupo, nomeadamente com o seu director, tentei explicar por diversas vezes que, antes de mais, os membros têm de separar as suas vidas privadas e profissionais da vida cultural de raiz portuguesa. Enquanto estão no grupo não pode haver doutores, advogados ou empregados da construção civil – devem ser todos iguais. Só havendo uma igualdade podem existir como grupo. Só assim deixarão de sentir que a participação lhes tira prestigio enquanto personalidades públicas, nomeadamente aqueles que ocupam posições de relevo na esfera profissional da ilha.
Temos tido a sorte de reunir com várias pessoas da comunidade portuguesa e consequentemente ter acesso a muitos aspectos da sociedade. Temos partilhado a nossa experiência com luso-descendentes que trabalham para o Governo, com outros que ocupam lugares de gestão em grandes empresas e também com agricultores e pescadores. Todos eles têm algo muito único para partilhar e é isso que faz a nossa cultura nestas paragens tão rica e diversificada. Falta encontrar uma forma de reunir toda esta panóplia num evento, em que todos possam participar sem quaisquer restrições impostas pelas suas posições sociais.
Até há poucos anos funcionou o Centro Comunitário Português, mas por desavenças entre os membros da direcção foi dissolvido, sem que ninguém saiba onde foi parar o dinheiro. O edifício acabou por ser vendido.
Durante a nossa estadia temos tentado aprender, o mais possível, acerca da sociedade local e da comunidade lusa. Afinal, o propósito da nossa viagem é celebrar a nossa cultura.
Nos próximos dias irei viver uma nova experiência. Uma família de pescadores portuguesa, que é proprietária de três barcos de pesca tradicionais, convidou-me para ir pescar. Estou ansioso e espero ter a oportunidade de descrever a experiência nestas páginas.
No que respeita à nossa vida a bordo, temos enfrentado diversos problemas para retirar a bomba de injecção do motor, pois é necessário uma chave especial. Inicialmente, coloquei mãos à obra, mas acabei por abandonar a ideia por falta da referida ferramenta. Com a colaboração de um mecânico, especializado em sistemas de gasóleo, espero finalmente reparar a bomba. Depois de resolvido este quebra-cabeças, iremos procurar consertar outros problemas que afligem o motor. A bomba é essencial para o seu funcionamento, enquanto que os outros problemas – um “piston” possivelmente danificado e fugas de óleo – são de importância secundária dado que não implicam com o funcionamento do motor. Há que ser realista e atacar cada problema tendo sempre em conta o orçamento disponível. O ideal seria fazer a reparação geral do motor – custa cerca de trinta mil patacas, uma verba de que não dispomos neste momento.
Há dias apanhámos um pequeno susto no ancoradouro onde nos encontramos. Como não podemos recorrer ao motor estamos sempre muito atentos às mudanças de vento. Durante algumas horas o vento mudou completamente de quadrante e empurrou o veleiro para uma zona demasiado baixa, tendo ficado apoiado na quilha por diversas vezes. Face a este problema, uma vez que não queria correr o risco de danificar o casco, pedi ajuda a vários barcos para mudar a embarcação de lugar. Com o auxílio de quatro botes – com bandeiras da Áustria, da França, da Holanda e de Portugal – deslocámos o veleiro uma centena de metros para águas mais profundas. Alguns dias depois, com nova mudança de quadrante, ficámos muito próximos do veleiro que estava ancorado ao nosso lado, cujos proprietários não se encontravam em Curaçao. Estava ancorado com duas âncoras e não rodava como todos os outros, acompanhando a rotação dos ventos e correntes. Durante a noite o vento diminuiu de intensidade e na manhã seguinte decidi usar a segunda âncora na proa para evitar novas surpresas. Até agora tem sido a solução mais apropriada, mas obriga-nos a uma vigilância mais apertada. A segunda âncora tem cabo de nylon e corrente, ficando a maioria do cabo muito próximo da superfície. Este facto pode causar problemas caso um barco a motor passe e não se aperceba do cabo na água; estamos sempre atentos quando algum barco de maior calado navega entre as outras embarcações.
As boas práticas de navegação aconselham que não se deve manobrar entre barcos ancorados, especialmente se estão em zona demarcada para o efeito. No entanto, há sempre alguns proprietários de embarcações que não respeitam as regras e em vez de seguirem pelos canais de navegação indicados nas cartas de mareagem criam atalhos, passando muito próximo dos barcos que estão com o ferro na água. Assim que tivermos o motor a funcionar iremos retirar a segunda âncora para ficarmos mais descansados.
JOÃO SANTOS GOMES