PIETRO SARUBBI, O BARRABÁS D’A PAIXÃO DE CRISTO
Muitos conhecem o filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson, que já está a realizar a sequela, começando precisamente com a Ressurreição, e que deve estrear no próximo ano. O que nem todos conhecem são as histórias de conversão que o filme provocou no próprio elenco. Pietro Sarubbi, que faz de Barrabás na história, esteve em Portugal a convite da Conferência Nacional do Apostolado dos Leigos e conta à Família Cristãa sua história e de que forma o filme lhe tocou e mudou a sua vida.
FAMÍLIA CRISTÖ Quem é Pietro Sarubbi?
PIETRO SARUBBI– Sou actor, tenho 58 anos e sempre fui actor, desde adolescente. Tive uma vida normal, com as tentações normais, com um problema de álcool e depressão, que prejudicou a minha carreira de actor. Um actor está sempre à espera de trabalho, está sempre com expectativas altas, e nessa fase difícil da minha vida cheguei à produção do filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson. Naquela experiência de há 15 anos, eu fiz a minha experiência de conversão.
F.C.– Como é que chega ao filme?
P.S.– Eu sou actor de cinema, teatro e televisão em Itália, mas tive oportunidade de fazer um filme na América. Mel Gibson viu o filme e chamou-me para o seu filme. Eu imaginava que fosse um filme de acção, cheio de tiros, e descobri que era um filme sobre as últimas horas da vida de Cristo. Nem queria acreditar que ele fazia este tipo de filmes, embora para mim fosse igual todo o tipo de filmes. Sugeriram que eu fizesse de Barrabás, mas não aceitei, porque os actores ganham conforme o número de dias que estão a gravar e a importância do personagem, e o Barrabás tinha apenas uma cena. Queria fazer um apóstolo, ou algo assim, mas o Mel Gibson falou comigo e conseguiu convencer-me, porque e difícil dizer “não” ao Mel Gibson. Ele deu-me mais dinheiro do que a proposta inicial, e aceitei.
F.C.– E quando se dá essa conversão?
P.S.– Ao fazer a cena que me cabia, aconteceu este olhar incrível que o actor que fazia de Cristo [Jim Caviezel] me deu na cena que gravámos. A cena foi repetida 54 vezes, mas só na primeira foi tão intensa, quebrante, explosiva, e foi aí que me aconteceu uma coisa esquisita. Eu parei, tinha a respiração bloqueada, não entendia o que estava a acontecer. Isto aconteceu com mais gente, como Cireneu, a Verónica, com outros, mas o primeiro olhar foi comigo. O olhar era tão forte e verdadeiro que criava como que uma suspensão da realidade, que durou um minuto. Um minuto na vida é nada, mas naquele contexto, em que o plano dura quatro ou cinco segundos, foi algo que me incomodou profundamente.
F.C.– Sentiu logo que era o olhar de Deus?
P.S.– Não. Mais tarde, voltei ao hotel para tomar banho e sair de novo, pois todas as noites íamos beber um copo ao bar com outros actores. Mas naquela noite não saí, não conseguia. Pedi o jantar no quarto, mas não jantei, e a televisão ficou desligada. Fui para a cama, pensei que estava doente, e fiquei com medo do escuro pela primeira vez na minha vida. E eu já tinha passado a noite em lugares estranhos… [risos]. Mas ali, num hotel bonito do centro de Roma, dei por mim com medo do escuro. Liguei a luz na cama, e fiquei toda a noite sentado na cama a pensar naquele olhar. Era um olhar que trazia uma pergunta que eu não compreendia e me destabilizava. Foi aí que começou o meu trabalho de pesquisa.
F.C.– E como é que percebeu o que lhe tinha sucedido?
P.S.– Curiosamente, uma personagem tão pequena como o Barrabás esteve no centro das atenções de muitos jornalistas, que me telefonaram e entrevistaram em todo o mundo. Um destes testemunhos chegou ao conhecimento de um padre que me ligou e disse «falas de um olhar, e eu aprendi com um padre que me ensinou a discernir o olhar da Verdade». Encontrámo-nos e aí começou o meu encontro com a Igreja Católica. Fiz de tudo para resistir, mas não consegui. Eu parava, mas o coração puxava-me. E isto mudou toda a minha vida, a minha relação com a família, os meus filhos, a Igreja, o meu trabalho… Sou professor universitário, e acho que quem não é cristão não consegue ser professor, porque é um salário muito baixo para estar em “guerra” todos os dias, com alunos que nos questionam por terem o coração cheio de perguntas.
F.C.– A sua educação foi religiosa?
P.S.– A minha família é religiosa, eu tinha um tio padre, isto é normal em Itália, ou era, naquele tempo. E havia o perigo de ter uma fé arrumada de uma maneira, ou uma fé morna, em que fazemos uma hora de missa e está feito. Com este filme, descobri a pertença total a Cristo, 24 sobre 24 horas. Com um Cristo carnal, que está perto de ti em todos os momentos da vida. Não apenas quando queres, mas sempre. A minha família deu-me uma educação cristã, a minha mãe é professora e o meu pai oficial do Estado, mas a intensidade de receberes um olhar de Cristo é inexplicável. Não é que tenhamos de estar à espera de um olhar de Cristo para fazermos algo, mas Cristo opera através dos olhos de outros homens para olhar para ti como um instrumento. Estamos sempre no computador, ao telemóvel, mas o olhar é importante. Isto não é um discurso para convencer ninguém, é apenas para contar o que me aconteceu.
F.C.– Disse que gravaram 54 vezes aquele olhar. O que aparece no filme foi o que o tocou?
P.S.– Normalmente, o Mel Gibson grava trinta, quarenta vezes o mesmo “take”, porque é um perfeccionista e está super-apaixonado pelo seu projecto. Um filme grava-se em cinco ou seis semanas, mas para gravar este filme foram onze meses. Apesar das contínuas repetições, aquele olhar que ficou foi o primeiro que aconteceu. Mas o olhar durou um minuto, e isso não podia acontecer no cinema, por isso ele colocou três pedaços do olhar que fazem um minuto, porque mais não poderia.
F.C.– Depois dessa experiência, como foi voltar à Eucaristia?
P.S.– Na verdade, antes do filme eu só ia à Igreja no Natal, em casamentos de amigos ou funerais. Eu tinha um casaco preto que dava para casamentos e funerais [risos]. Quando acontece um encontro e ele é real, não é que tenhas de ir à missa, passas a querer ir à missa.
F.C.– E lembra-se de como foi a primeira vez?
P.S.– Eu estava com medo da missa, porque não conhecia os costumes, o rito. Por isso, sentava-me no fundo da igreja, e as pessoas olhavam-me de lado, porque eu tenho assim este aspecto e tinham medo que eu fosse roubar alguma coisa [risos]. No fundo da igreja temos gente que passa, crianças com rádios, e em cada Domingo eu ia avançando mais nos bancos. E quando cheguei à frente de tudo, temos a maravilha que é estarmos só nós e o padre, quase sem mais ninguém. Quando eu olhava para as primeiras filas, sempre vazias, pensava sempre na caridade do cristão que deixa as primeiras filas livres [risos]. Um dia fui com a minha filha de oito anos e ela comentava com as amigas que o pai não era só conhecido no cinema e no teatro, era também na igreja, porque tinham sempre as primeiras filas reservadas para ele [risos]. É maravilhoso. Eu, que não consegui ter uma educação profunda na fé, tive naquele filme a minha catequese. Quando eu estava a ouvir as palavras do padre na consagração, eu fechava os olhos e revia aquela cena do filme com a Última Ceia. Compreendemos tudo nessa altura. Se pudermos perceber, na Eucaristia, que estamos sentados naquela mesa, choramos todo o dia, emocionados com a grandeza do que acontece. Naquela altura, a minha filha mais pequena estava a preparar-se para a Primeira Comunhão e disse à catequista: «Eu faço toda a preparação, mas não quero comungar». Ela perguntou porquê e ela disse que a Eucaristia é muito amarga, porque «quando o meu pai comunga, ele chora sempre». A modernidade, o livre arbítrio está a fazer com que se perca a profundidade do que acontece na nossa experiência de fé na Eucaristia. A adoração perpétua, da Eucaristia, podia ser o ponto forte de pertença para quem tem fragilidade. Na realidade, quando vais, a igreja está vazia. Vemos muita gente no psicólogo, que depende de fármacos, mas aquela possibilidade miraculosa está vazia.
F.C.– Resultaram mais conversões do filme?
P.S.– Foi um monte de conversões. Não posso dizer de quem, por respeito da privacidade, mas foi impossível ficar indiferente ao que aconteceu. O actor é poeta, infantil, mas todos os outros profissionais que lá trabalharam estavam emocionados, em silêncio, falava-se baixinho no estúdio, porque não foi uma simples gravação de um filme, foi uma experiência mística para todos. Aconteceram coisas que eu posso definir como milagres, e quem estava a presenciar não podia sentir de outra maneira. O Mel Gibson pediu que não se contassem os milagres, para que a mensagem do Espírito Santo não aparecesse como uma história publicitária. Aconteceram incidentes, aparições… cada pessoa tem a sua reacção, na proporção do coração, da esperança que precisa. Eu estava com quarenta anos de trabalho, desapontamento, raiva, e encontro um presente tão gigante que não o podia deixar de lado. Agora o Mel Gibson está a preparar a se quela, que começa com a última cena da Paixão e faz os pontos do Evangelho de João, quando Jesus encontra os Apóstolos. Era bom ter um Barrabás na segunda parte [risos].
F.C.– Manteve o contacto com Mel Gibson?
P.S.– Durante um tempo, sim, mas depois perdemos, por causa dos problemas que teve. É preciso perceber que Mel Gibson recebe milhares de cartas todos os dias. Todas as pessoas que vêem o filme precisam de lhe escrever. Há um escritório com pessoas que escrevem as respostas a todas estas pessoas.
F.C.– Mas é curioso que, no seu caso, o filme tenha mudado a sua vida para melhor, mas a vida dele passou uma fase difícil depois do filme…
P.S.– O problema é que quanto mais servimos a Cristo mais temos de prever que o demónio chegará para prejudicar. Todo o que está ao serviço de Cristo sofre. Quando me escreve, acaba sempre a dizer “reza por mim”. Um homem que tem milhões de dólares tem uma preocupação final tão simples. São Pedro encontra Cristo, e mesmo assim durante anos faz asneiras, é um desastre. Depois disso, Cristo pergunta «mas tu, amas-Me?» três vezes, e ele diz que sim. No final da sua vida, tenta na mesma escapar à morte… O homem é frágil, é mesmo assim.
F.C.– Li numa entrevista que deu a volta ao mundo e regressou quase ao ponto de partida espiritual. Foi tempo perdido?
P.S.– A pesquisa não é tempo perdido, porque dá-te informação. Tempo perdido é ficar na cama a olhar para a janela. E se compreendes o teu erro, não é tempo perdido. A pesquisa foi interessante, mas todos os homens nascem para procurar a felicidade. Todos procuramos o melhor possível, pois ninguém quer saber de um restaurante onde se come mal, ou onde encontrar uma mulher feia. Por isso, procuramos a beleza, porque a beleza é a prova da presença de Deus. A beleza estética, da música, da arte, na mensagem, na comida, no mar. Um dia fui para a montanha com um grupo de jovens rebeldes e um amigo padre, e eu ia a dizer que era preciso estudar, e há um que pergunta «mas Deus foi para a escola?» [risos], e o padre respondeu «claro que sim, olha para aquela montanha e vê quão belo o trabalho do artista» [risos].
RICARDO PERNA
Família Cristã