Cismas, Reformas e Divisões na Igreja – XCII

O Evolucionismo Teísta – 3

A Bíblia é a Palavra de Deus viva, dada ao mundo pelo Criador do universo. Mas a descrição de como Ele criou o mundo pode não ser compatível com a teoria da evolução. Muitos defendem que tentar combinar os dois é como tentar combinar elementos incompatíveis, que não se misturam! Quando Charles Darwin (anglicano, mas tendencialmente agnóstico) e Alfred Wallace (espiritualista teísta) publicaram em 1858 acerca da teoria da evolução das espécies por meio da selecção natural, foram muitas as controvérsias nos meios científicos e religiosos, declarando-se uma absoluta incompatibilidade entre a concepção adâmica (Adão e Eva) da criação com a teoria da evolução. Mas alguns teólogos e cientistas defenderiam a compatibilidade teológica e científica entre criação e evolução, sustentando-se na ideia de que a teoria de Darwin proclamava uma origem comum do Ser Humano, enquanto alguns cientistas defendiam a poligénese e diferentes espécies humanas.

O evolucionismo teísta é uma tentativa de compatibilizar a narrativa bíblica do Génesis com o próprio evolucionismo. Muitos dos que defendem essa compatibilidade estão na própria Igreja, não contra esta ou como heréticos, ou desviacionistas, mas tentando articular Ciência e Revelação. Mas nem todos aceitam, ou pelo menos colocam dúvidas.

Muitos foram os membros da Igreja, clérigos ou leigos, a trabalhar nas ciências da vida no século XX, nas experiências científicas e a andarem nos meandros dos estudos da evolução biológica humana. Muitos foram os crentes em Deus a aproximarem-se do evolucionismo teísta. O grande teólogo e paleontólogo jesuíta Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955) foi um exemplo, embora sofrendo críticas. Ronald Fisher (1890-1962) e Theodosius Dobzhansky (1900-1975) são outros dos nomes da ligação dos crentes ao evolucionismo moderno no século XX, combinando genética molecular e selecção natural. Francis Collins, director do Projecto Genoma, é outro nome importante deste grupo, tendo publicado mesmo uma defesa do teísmo evolucionista, em que propõe o conceito de “Bios pelo Logos”, ou “BioLogos” (do Grego bios, “vida”, e logos, “palavra”).

Hoje em dia pouco se avançou em relação à origem da vida na Terra. Esta, segundo a corrente teísta do evolucionismo, surgiu há cerca de catorze biliões de anos (segundo as leis de Deus), com o estabelecimento de propriedades e características próprias à criação de vida. Quando e exactamente como, ainda não se sabe, com segurança absoluta, nem mesmo no empirismo agnóstico ou ateu. Que mecanismos resultaram dessas propriedades para se criar a vida, é uma interrogação sem respostas completas e concretas. O processo de evolução e de selecção natural permitiu, entretanto, o desenvolvimento da diversidade biológica, de forma complexa e multiespacial, além de situada em períodos de tempo longos. Para uns a evolução seguiu depois o seu próprio rumo e criou os mecanismos necessários, ou eliminou os que eram obstáculos. Não era necessária qualquer intervenção sobrenatural (Deus…), defendem os evolucionistas ateus. Ainda que daqui tenha surgido a variante do “acompanhamento e orientação de Deus”, visível na “ideia de Deus presente no Universo”, de Spinoza. Neste processo de evolução biológica surgem os humanos, que têm uma ancestralidade comum com os símios, defendem os evolucionistas. No entanto, os humanos têm, ou desenvolveram, características próprias e exclusivas, como a “evolução” de uma Lei Moral (o que é certo e que está errado) ou a busca de Deus, as quais caracterizam o Homem.

Nos anos 60 do século XX, década de agitação e mudança, surgiu um movimento criacionista que defendia que a Terra é geologicamente mais recente do que é aceite pelos cientistas e pelo senso comum. Mas esta concepção foi considerada como não científica, por ateus e evolucionistas teístas, pela classe científica em geral.

O evolucionismo teísta teve grande adeptos e defensores no século XX, como Alister McGrather, Francis Collins, C.S Lewis, dos quais se aproxima, em certa medida, o já referido sacerdote jesuíta Theilhard de Chardin. As diferenças entre estes podem dar sentido às designações várias que o evolucionismo teísta tece, como Criacionismo Evolutivo ou Evolucionismo Bíblico, assente numa base teológica-científica que procura conciliar as visões antagónicas entre Criação e Evolução. É possível harmonizar Evolucionismo e Bíblia, continua a pergunta, uma das mais fracturantes da História da Igreja moderna. As Sagradas Escrituras eram essencial ou unicamente criacionistas, ou há uma hibridação entre Bíblia e Ciência?

Nem sempre bem visto ou avaliado, Theilhard de Chardin tentou construir uma visão integradora entre Ciência e Teologia, Razão e Fé. No conjunto dos seus trabalhos, definiu uma filosofia que tenta reconciliar a ciência do mundo material, exacta e empírica, com as forças e factores de origem sobrenatural, do sagrado, do divino, bem como a ciência que os estuda, a Teologia. Apesar da sua luta contra os mal-entendidos entre ambos os “blocos” de conhecimento, afloraram mais impossibilidades e contradições do que pontos de convergência. Toda a sua actividade científica se norteou por esse entendimento, mas a Igreja, através do Santo Ofício, proibiu-o de ensinar ou de se ensinarem os seus fundamentos e trabalhos. A Ciência acusou-o de misticismo em excesso, a Fé apodou-o de cientista, exacto e empírico. O modelo de coexistência entre Criacionismo e Evolucionismo concebido por Chardin demorou muito a ser reconhecido, admirado, embora não aceite no seu todo ou tornado aplicável ao ensino, até meados do século XX.

Porém, como o decurso do tempo, a influência do pensamento de Chardin foi fortalecida pelas novidades do mundo científico e pesquisas subjacentes, possibilitando por isso ao Concílio Vaticano II (1962-65) emitir uma declaração de liberdade – e fim das restrições impostas – à obra do pesquisador jesuíta, que podia ser ensinada a partir de então. As duas visões estavam assim mais próximas da unificação, ou aproximação conceptual, justificando “cientificamente”, pelo menos, deste modo, a opinião daqueles que crêem em Deus como criador e ao mesmo tempo manifestem concordância e simpatia pelo evolucionismo. A tal ponto que alguns cientistas até baptizaram o primeiro exemplar de Homo Sapiens com o nome de Adão, considerando-se possível harmonizar o relato bíblico das origens com a teoria da evolução proposta por Darwin. Dito de outro modo: Adão seria o resultado das transformações de hominídeos e formas paleantropóides anteriores ao longo de milhões de anos, sendo o Sapiens “nº 1”. Ou estando nesse grupo evolutivo inicial. O debate não estava acabado, todavia, pois o avanço da própria Ciência é paralelo ao do aprofundamento do conhecimento teológico e bíblico.

Vítor Teixeira 

 Universidade Católica Portuguesa

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