CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXLII

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXLII

Os Menonitas – V

São comunidades curiosas as dos Menonitas. E são praticamente iguais em todo mundo, seja em que continente for. Com destaque para as que observam de forma mais estrita e rigorosa as tradições desde a sua fundação, ou pelo menos desde a migração para o Canadá e daí a sua irradiação pelo Novo Mundo. As suas habitações continuam muito semelhantes às aldeias da Saxónia das origens, recordando o povoamento rural dos campos da Europa Central. Na espiritualidade e no quotidiano, vemos marcas na morfologia agrária e na forma de vida, povoamento e técnicas, em comunidade auto-suficientes.

As habitações são maioritariamente quadrangulares, com pequenas janelas, algumas ainda com paredes de adobe, principalmente nas regiões de clima tropical ou mais quente, como no México e na América do Sul. São hábeis “engenheiros”, ou técnicos, sempre em regime comunitário, dado o seu elevado gregarismo. Assim, não é de admirar que tenham criado um sistema de construção rápida para construir paredes, as quais assentam em cofragens verticais que lhes permitem ser moldadas depois pelo betão armado. Junto às casas de habitação, anexam os estábulos, às vezes praticamente sob o mesmo tecto, em contacto directo com o gado, um elemento importante na vida de uma quinta menonita. Ao qual dedicam cuidados e uma alimentação elevados, o que torna o seu gado sempre cobiçado e vencedor de prémios. Os celeiros, galpões, assim como o forno, ou o poço, fazem parte da fisionomia das quintas menonitas, que se adivinham nas planícies pela elevada estrutura metálica do moinho de vento, que se destaca à distância. Encontram-se ainda quintais, junto às casas, começando aí as enormes quintas, em regime de latifúndio. Um modo de vida feliz, auto-suficiente, comunitário e tranquilo.

Ganhar o pão com o suor do trabalho

Se a Bíblia o enuncia, os menonitas levam o preceito à risca e assumem-no como uma forma de vida, uma identidade. E de pequenino se começa: o preceito é logo ensinado na mais pura e tenra infância, mantendo-se sempre na educação dos seus filhos. Daí que divertimentos, desportos, actividades lúdicas várias, são considerados não apenas supérfluos e descabidos, como também justificados como violentos, pelo que são proibidos. Desde tenra idade, as crianças assimilam e compreendem a seriedade dos problemas da vida; portanto, desde a infância, devem ajudar no trabalho agrícola, cuidar do gado, alimentá-lo, tratar das aves de capoeira e cuidar dos seus irmãos mais novos.

Uma árvore de Natal em casa de um menonita é algo que jamais poderá ser admirado pelas suas crianças, pois é considerada, como muito do folclore e adereços em torno da mesma, como uma manifestação do paganismo. Ensina-se desde sempre às crianças a não mostrarem ou exibirem sinais de bens materiais, pois são mesmo educados a imitar os pobres. O divórcio é estritamente proibido e as viúvas podem casar-se logo após um luto, este por muito tempo e de acordo com o que os anciãos da comunidade determinarem. O tabaco é usado com moderação, tal como o consumo de álcool, mas sem toldar o espírito ou a mente. A música ou canto fora da igreja estão proibidos, não tendo sequer permissão para dançar mesmo em reuniões familiares. É proibido o uso de jóias, bem como assistência a espectáculos, teatro, cinema, jogos e “shows” desportivos, ir a restaurantes ou sequer jogar às cartas. O carro, a electricidade e, como consequência, o uso de dispositivos electrónicos, não estão contemplados no quotidiano menonita. A electricidade poderá servir apenas para tarefas agrícolas, de forma limitada e autorizada, mas não é comum, não existindo nas comunidades mais conservadoras por exemplo.

Entre os menonitas, a família é a base da organização social. O sistema de governo dentro da família é “matriarcal”, isto é, embora aparentemente as mulheres menonitas não tenham direitos, um menonita não toma nenhuma decisão sem antes consultar a sua esposa e esta aprovar, ou não. Mas no entanto estão proibidas de falar na língua dos países de acolhimento, por exemplo, como no México ou noutros países latino-americanos. O casamento ocorre assim que os jovens passam pela puberdade, com características contratuais e um elevado grau de reprodução. Ou seja, a partir dos 16-18 anos, casam-se, tendo por isso um ciclo reprodutivo mais longo, além de que não existem métodos contraceptivos ou controlo de nascimentos. Casamentos com menos de dez filhos, por exemplo, são raros. Dentro da família, há um profundo respeito entre todos os membros, além de uma forte obediência mas também docilidade, raramente violadas, em relação ao pai, líder da família.

As autoridades das colónias são ao mesmo tempo civis e religiosas, mas é importante recordar que o aspecto civil, entre os menonitas, está sempre sujeito ao religioso, de acordo com a sua organização teocrática. Cada colónia, de origem normalmente comum, a partir de um ponto de imigração (recebem muitas vezes o nome da região de origem, do Canadá ou da Europa), tem um “bispo” e um “chefe” civil, sendo cada um deles, por sua vez, ajudado por uma espécie de “vice-chefe”. Os bispos têm pregadores auxiliares para as comunidades. Há também um grupo de conselheiros (mais velhos) que, em casos especiais, são chamados às “reuniões de irmãos” para resolver problemas de interesse colectivo. Os líderes “civis” estão encarregados de resolver os problemas mais pequenos, mas o Conselho, formado pelo bispo e os seus pregadores, tem o poder de vetar ou aprovar as resoluções daquelas ou das “reuniões dos irmãos”.

Uma das características mais peculiares nas comunidades menonitas, decorrente da valorização da família, são as “Instituições para viúvas e órfãos”, uma espécie de “sociedades mútuas”, seguradoras ou bancos colectivos e de carácter mutualista. Estas instituições financeiras já existiam no Canadá, tendo suscitado no México uma inspecção por parte do Governo aquando da sua instalação no País na década de 20 do século passado, dada a sua peculiaridade. A companhia de seguros paga dois terços do valor da propriedade destruída por um incêndio, por exemplo, sendo o dinheiro colectado a partir da repartição do valor entre os segurados, evitando assim uma contabilidade complicada para a cobrança de prémios periódicos. Um mecanismo que funciona e não se discute…

Em grande parte das comunidades menonitas nas Américas a propriedade é distribuída individualmente em lotes adquiridos às entidades que foram criadas para comprar terras originalmente. Mal se termine o pagamento do lote em prestações, o proprietário adquire todos os direitos e obrigações, para poder até vendê-lo, caso decida fazê-lo. Mas só a um membro da comunidade, nunca a alguém de fora. Singularidades menonitas, que subsistem e funcionam.

Vítor Teixeira 

 Universidade Católica Portuguesa

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