Os Mórmons – IV
O ano de 1831 seria o alvor de uma nova era no movimento. As reuniões junto às “estacas de Sião” marcavam a espiritualidade do grupo, alimentado pelo fervor que as revelações divinas manifestavam nos seus líderes. Estes, na partilha com os discípulos e os que se convertiam, alicerçados no Livro de Mórmon, construíam paulatinamente a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.
Naquele ano, corria o mês de Junho quando um grupo de missionários partiram de Kirtland, rumo a Oeste, até Independence, no Missouri. Smith era o líder do grupo, imbuído pela revelação de Deus de que aquele era um local de reunião dos Mórmons e seria também uma “Nova Jerusalém”. Em Agosto, o grupo lançava a primeira pedra de um templo, onde um ano volvido se reuniriam mais de oitocentos membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (IJCSUD), que para ali se tinham mudado, além dos convertidos. Apesar da correspondência do lugar com uma revelação, Joseph Smith decidiu manter a sede da Igreja em Kirtland. Aqui instalado e tranquilo, Joseph Smith começou a trabalhar numa redacção, inspirada, da Bíblia, que seria a base deste grande livro para os Mórmons.
No ano seguinte, em 1832, forma-se a Primeira Presidência dos Santos dos Últimos Dias, composta por Smith e dois conselheiros, os quais detêm autoridade sobre todos os assuntos da igreja nascente. Mas nem tudo correria da melhor maneira: em 24 de Março, uma turba não-mórmon ressabiada com o crescimento e influência da Igreja Mórmon, aplicara um castigo a Smith em frente à sua casa em Kirtland, à boa maneira dos pioneiros americanos: enrolaram-no em alcatrão e depois encheram-no de penas. Era uma forma de ridicularizar, mas também de mostrar à IJCSUD que nem tudo eram “rosas”…
ENTRE ÊXITOS E FRACASSOS
Em 1833, na sua condição de sede da IJCSUD, Kirtland assiste ao dealbar das obras de um grande templo mórmon. Levará três anos para ser concluído, constituindo um edifício de uma escala considerável. Ao mesmo tempo, Smith prepara, para publicação, a primeira colecção de revelações que recebera, que se intitulará de “O Livro de Mandamentos”.
Apesar destas alvíssaras, o incidente do “alcatrão e penas” de Smith seria o primeiro de muitos que os Mórmons do Missouri começaram a sofrer nas mãos de outros habitantes locais. A sua prensa tipográfica (na qual O Livro de Mandamentos estava a ser impresso) seria destruída em Julho. Depois, a violência da multidão expulsou os Mórmons para fora do Condado de Jackson, forçando-os a atravessar o rio Missouri para outro Condado, Clay, em Novembro. As páginas rasgadas d’O Livro de Mandamentos seriam entretanto resgatadas das ruas lamacentas e depois encadernadas, conseguindo-se a primeira colecção publicada das revelações de Smith. Este episódio acrisolaria a fé mórmon que despontava e via nestes episódios um fermento para a sua fé e desígnio.
A outra figura da IJCSUD, Brigham Young, estava prestes a entrar na história do movimento. Young, então viúvo, chegou, com os seus dois filhos pequenos, a Kirtland, em Setembro de 1833.
Em 1835, 138 revelações de Smith foram publicadas em outro livro, “Doutrina e Convénios”. Incluídas entre essas estão as 65 revelações publicadas n’O Livro de Mandamentos, mais sete “Palestras sobre Fé”, preparadas por Joseph Smith, que não foram, porém, descritas como revelações. Antes sim, eram reflexões extraídas das revelações e da experiência de Smith. A doutrina e fundamentos teológicos definia-se então, já com a Igreja instituída e em missão.
Mas as adversidades moram ao lado das bem-aventuranças. Também assim foi para a IJCSUD. De facto, em 1836 os Mórmons do Missouri foram forçados a abandonar o Condado de Clay e a dirigirem-se para os Condados mais remotos de Caldwell e Daviess, na parte norte do Estado do Missouri. Depois destas contrariedades, os sinais do céu indicariam o caminho. Em 27 de Março, mil fiéis começaram uma semana de cerimónias de dedicação do templo em Kirtland. E acontecimentos maravilhosos sucederam-se, segundo relatos de membros da IJCSUD. De acordo com os testemunhos, ocorreram ventos fortes, uma coluna de fogo e a presença de anjos, em torno do templo. Durante a dedicação deu-se uma experiência visionária radical, em que Smith e Oliver Cowdery, que se esconderam atrás de um véu que separa um púlpito elevado do resto do templo, afirmam terem visto um personagem que acreditaram ser Jesus, que aceitava o templo como um lugar onde Ele se manifestaria ao Seu povo. Além de Jesus, os videntes asseguraram terem visto os profetas do Antigo Testamento, Moisés e Elias, que entregaram nas mãos dos Mórmons as chaves da Aliança do Povo de Israel e da caminhada na plenitude dos tempos.
Apesar de toda esta força espiritual e taumatúrgica, a intuição carecia de uma boa instituição, sólida e de apoio à IJCSUD. E quando se trata do lado material, surgem os problemas, as divisões, as suspeitas, desconfianças e a crise. Depois daqueles ventos tão bonançosos, Smith, em Novembro do mesmo ano, fundou uma entidade financeira, o Kirtland Safety Society Bank, mas as coisas não correram de feição. Uma crise económica rebentara nos Estados Unidos em Março de 1837, atingindo o sector bancário. O banco de Smith entraria logo em colapso e tudo se esfumou. Na sequência da falência, surgiram também acusações de apropriação financeira ilícita da parte de Smith, além de questões de foro sexual.
Mas se no plano material a situação estava crítica, no plano espiritual o ano de 1837 revelou-se mais benfazejo, com o início da evangelização mórmon na Inglaterra.
Mas os altos e baixos marcam estes tempos primevos dos Mórmons, pois em Janeiro de 1838 assistiu-se à fuga de Smith, de Kirtland, embrenhando-se pelo Missouri adentro com a sua família. Muitos Mórmons do Ohio seguiram-no, instalando-se no Condado de Caldwell, numa localidade a que chamaram Far West. Smith logo planeou um novo templo, ao mesmo tempo que impôs a sua liderança, embora de forma mais veemente que o costume, pois excomungou velhos amigos ao lado dos que eram seus adversários, incluindo o fiel Cowdery. Este voltara-se contra Smith, acusando-o de adultério. Por outro lado, a paz que existia com os vizinhos não-mórmons também se viria a revelar ilusória. Em Julho, o conflito estava prestes a explodir, insuflado por hostilidades com vizinhos e ameaças de “extermínio”….
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa