CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CLXX

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Os Quakers – VII

William Penn era cada vez mais uma figura importante no movimento quaker. Não apenas no plano da missionação ou pregação, mas acima de tudo na capacidade de pôr em prática e aplicar os princípios que regiam os Amigos. Assim o demonstrou no labor da fundação da colónia da Pensilvânia, a partir de um conjunto de terras que recebeu do Rei Carlos II como pagamento de uma dívida do soberano ao seu pai.

Penn, com efeito, levava muito a sério os direitos iguais e as leis morais que defendia e apregoava. E teve a oportunidade precoce de o demonstrar quando, na colónia, lhe apresentaram uma mulher de nome Margaret Mattson, em 1683, sob a acusação de bruxaria. Essas acusações eram muito comuns na época, naquelas colónias “puritanas” da América do Norte. Todavia, o veredicto de Penn em relação à acusação pendente sobre Margaret foi de que ela era “culpada da vulgar fama de ser uma bruxa”, o que sem dúvida era verdade, mas tal não era, porém, uma ofensa, tendo acabado por ser libertada. Desde então, não haveria mais julgamentos de bruxas na Pensilvânia.

Este grande quaker teve, no entanto, que regressar à Inglaterra, em 1684. O Rei entretanto morrera, tendo sido sucedido por Jaime II. Como amigo íntimo do novo rei, Penn muito lutou para promover a liberdade religiosa. O ponto culminante desse esforço foi o Acto de Tolerância, de 1689, que permitiu aos quakers e a todos os outros grupos religiosos fora da Igreja Anglicana exprimirem o seu culto abertamente. Piores dias chegariam em 1694, com a morte da mulher, Gulielma. Mas volvidos dois anos, Penn desposou Hannah Callowhill, que era muito mais jovem do que ele. Hannah e William tiveram sete filhos, quatro dos quais chegaram à idade adulta. Em 1699, abalaram para a América, indo viver em Pennsbury, perto de Filadélfia. Penn ainda teve que voltar à Inglaterra em 1701 para resolver problemas financeiros, mas nunca mais voltaria para a sua “Sagrada Experiência”. A sua saúde piorou e em 1712 sofreu um derrame, vindo consequentemente a perder memória. William Penn faleceu em 1718.

Legado de Penn

Talvez a sua cruzada em defesa dos ideais quakers tenha começado no julgamento de Setembro de 1667, na sua primeira prisão, motivada pela participação numa reunião de Amigos. O juiz reconheceu a sua aristocracia pelas vestes, propondo a Penn libertá-lo sob promessa de melhorar o seu comportamento. Ou seja, não repetir reuniões ou ajuntamentos de quakers. Mas o jovem Penn, então com 23 anos, era de outra fibra e recusou o acordo oferecido pelo magistrado. Resultado: foi enviado para a prisão, com outros dezoito quakers. Penn defendeu, na altura, que o seu único crime fora a religião, que o tornara refém da malícia de um juiz, mas que ao mesmo tempo fazia dele um “homem livre”. Enunciava assim um dos ideais quakers, o da liberdade e tolerância, religiosas também.

Penn tornar-se-ia a partir de então um activo promotor dos ideais quakers, que divulgou em vários panfletos. Depois de escrever “The Sandy Foundation Shaken”, para refutar as doutrinas da Trindade e a condenação eterna das almas, Penn foi preso novamente, não pelas suas ideias, mas tão somente porque não tinha licença do bispo de Londres para escrever sobre religião. Penn escreveu depois “Innocency with her Open Face”, publicado antes de, na Torre de Londres, ter escrito o já citado “No Cross No Crown”, o seu título mais aclamado.

Depois, a contribuir para a sua aura e legado, temos o julgamento de 1670, em que foi réu a par de William Meade, por ter violado a proibição de juntar mais de cinco pessoas numa reunião que não fosse dentro da Igreja Anglicana, de acordo com o Conventicle Act. Doze juízes e doze jurados receberam Penn e Meade no tribunal. Mas Penn desafiou a legalidade da acusação, afirmando que não iria dirimir razões sem ver uma cópia escrita da acusação e seus fundamentos. Como ninguém lhe mostrou tal documento, Penn declarou-se logo ali inocente. Não sem se lhes aplicarem uma coima, no dia seguinte, não pelo que foram acusados, mas tão simplesmente por não terem tirado os chapéus…

Penn citou a Magna Carta e a “Common Law, invocando os seus direitos. Apesar desses argumentos, o júri foi pressionado para apresentar um veredicto de culpado. Quatro jurados discordaram e foram instigados a repensar o veredicto. O júri considerou então Penn e os outros culpados de “falarem na rua”, mas refutaram o acrescento dos termos “numa assembleia ilegal”. Os magistrados, todavia, recusaram-se a aceitar essa deliberação do júri e ordenaram que o mesmo fosse “encerrado sem carne, bebida, fogo e tabaco”, enquanto Penn, por seu turno, os exortou a não renunciarem aos seus direitos como ingleses.

A acusação de que adoradores, desarmados, de outro credo, quebraram a paz de forma desordeira, ainda que absurda e falsa, segundo Penn, manteve-se, contudo. Este, graças ao desenrolar dos acontecimentos, ganhou novos companheiros na prisão: os doze membros do júri… Mas alguém, provavelmente o pai de Penn, pagaria as multas e todos acabaram por ser libertados. Penn e os jurados processaram o juiz e o oficial de diligências, com o Supremo Tribunal de Justiça a proferir depois uma decisão histórica no fim desse processo, na qual admitia que os juízes “podem tentar abrir os olhos dos jurados, mas não conduzi-los pelo nariz”, num acórdão que ficaria na história do Direito em Inglaterra.

Penn escreveria ainda outro panfleto com um apêndice citando vários precedentes desde a Magna Carta de 1215, em defesa da sua posição e contra a sua prisão por questões religiosas. Mostrou também, Penn, neste julgamento, que os procedimentos arbitrários e opressivos dos tribunais necessitavam urgentemente de uma reforma, constituindo ainda hoje um precedente de grande notoriedade.

Pregar sem fazer juramento, era outro motivo de prisão em Inglaterra então. E Penn conheceu essa acusação, mas mais uma vez defendeu-se: o Conventicle Act exigia esse juramento, sim, mas era apenas para os que tivessem ordens sacras, o que não era o caso de Penn, como viria a demonstrar. Mas seis meses esteve preso, o que resultou na escrita de mais panfletos, além de protestos acerca das horríveis condições das prisões inglesas. Escreveu também ao Parlamento, contra o Conventicle Act. Penn ajudou ainda a libertar George Fox em 1673 (preso havia um ano), em Worcester, através de um recurso de “habeas corpus”; não foi preciso muito esforço, pois o juiz Matthew Hale encontrou tantos erros na acusação que dispensou Fox. Este nunca mais foi preso, talvez devido às boas influências de Penn junto dos dois últimos reis Stuart. Penn era um homem culto, astuto: muitos acreditam que libertou mais de mil e 300 quakers da prisão….

Vítor Teixeira

Universidade Católica Portuguesa

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