CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CLXIII

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CLXIII

Os Huteritas – IX

Encerramos hoje este ciclo sobre os Huteritas. São poucos, discretos, desconhecidos, isolados, mas fiéis às suas tradições e marcha de vida. Crentes no Baptismo como rito de passagem para a comunidade, como grande elo de ligação à sua identidade e como expressão maior do sentimento de pertença e do ser huterita, este grupo persiste e cresce, atrás da linha do horizonte e isolado do mundo que acelera e vive na vertigem dos dias e na voragem dos tempos. Para os Huteritas, a escala do tempo é diferente, até dos demais Anabaptistas. Mas, claro, há o antes e o depois do Baptismo.

Quando os jovens se sentem prontos para se comprometer com o baptismo, reúnem-se com o ministro mais velho e fazem um pedido formal para serem baptizados. O ministro leva o pedido a toda a irmandade e, se não houver objecções ou impedimentos, os candidatos serão aceites para um período de “estágio”, dir-se-ia, de reflexão e discernimento. Assim, todos os Domingos à tarde, durante seis a sete semanas, os candidatos ao baptismo visitam cada um dos irmãos que serão “testemunhas” do acto, os quais lhes darão ensinamentos espirituais e religiosos, em sessões entre dez minutos a mais de uma hora.

Os huteritas aceitam todos os Doze pontos do Credo do Apóstolo como Verdade da sua fé. Todos os membros declaram publicamente a sua crença no Credo do Apóstolo após o baptismo, na fórmula huterita, passando a ser membros efectivos da comunidade.

A VIDA HUTERITA

Depois da entrada na vida adulta, através do baptismo, os jovens normalmente canalizam a sua vida para o próximo passo, o casamento. Um casamento huterita é algo alegre, festivo, um momento importante na vida dos noivos como também para as comunidades. Tão importante que geralmente ocupa quase dois fins-de-semana. É um momento de felicidade e celebração – uma oportunidade de reencontros, de estreitar laços, de ligar comunidades. De se verem velhos amigos ou até fazer novos amigos.

Espera-se então que o homem, o pretendente, inicie o processo que conduzirá ao casamento. Em primeiro lugar, deverá procurar e obter a permissão e orientação dos anciãos da sua colónia, sendo que depois desta anuência as suas intenções serão anunciadas publicamente.

Depois temos o “aufred hulba”, pelo qual, tradicionalmente, o futuro noivo vai à colónia da noiva com familiares e amigos apresentar-se e declarar intenções, de forma “oficial”. O “aufred hulba”, geralmente, tem lugar uma ou duas semanas antes do casamento. Tem lugar num Domingo à tarde, ou à noite, consistindo de uma reunião na casa da noiva, na qual tomam parte anciãos, amigos, parentes e jovens: perante esta congregação, o futuro noivo pede, publicamente, o consentimento dos pais para a mão da filha em casamento, que já estava “acertado” há mais tempo. Revelam-se então muitos desejos para o futuro casal, além de se darem conselhos por parte dos mais idosos, dos amigos e dos parentes. Sendo um momento festivo, é normalmente seguido de um bom repasto convivial, muito à moda gregária huterita.

Depois do jantar, ocorre o feliz evento, o “hulba”. Este consiste numa reunião de toda a colónia e convidados. O futuro casal fica sentado no meio, na fila da frente, cercado por familiares e amigos íntimos de um lado, e ministros e outros convidados especiais do outro. O canto é uma marca importante da cerimónia, ocorrendo de várias formas, desde arranjos corais feitos pelos jovens até pequenos grupos, além de grupos de crianças e das canções tradicionais de toda a congregação. Mas muitos da colónia da noiva não estarão no casamento, pois a maioria dos casamentos acontece na colónia do noivo. O “hulba” será a única oportunidade de muitos membros da comunidade da noiva poderem comemorar com ela. Nesta reunião, os jovens costumam continuar a cantar até altas horas da noite. Um dia da semana seguinte ao “aufred hulba” será geralmente reservado para o casal obter documentos legais e para as famílias do casal passarem algum tempo juntos, geralmente seguidas por um churrasco ou um jantar num restaurante. Nesse dia aproveita-se também para se tirarem fotos aos noivos.

E CHEGA O DIA DO CASAMENTO

No sábado antes do casamento a noiva despede-se dos amigos que deixa na sua colónia de nascimento. O casal será escoltado numa espécie de comboio de veículos, que carrega tudo o que puderem levar para a festa de casamento na colónia do noivo. A chegada deste cortejo de veículos tradicionais, às vezes alguns já mais modernos, é já em si um evento alegre, numa espécie de “confusão organizada” de gritos, balões coloridos e buzinas, em volta da carroça que leva a noiva até à colónia do noivo. A noiva e os convidados são então recebidos por membros da comunidade. Depois desta recepção oficial, há uma breve cerimónia na igreja, uma ceia festiva e outras actividades semelhantes à celebração do Domingo anterior, o “hulba”.

No dia seguinte, Domingo de manhã, decorre a cerimónia de casamento, na qual, no final de um longo sermão sobre a conduta cristã no casamento, o casal fica diante da igreja reunida, troca votos de casamento e é declarado marido e mulher. Trata-se de uma cerimónia simples e pouco ritualizada, do ponto de vista puramente religioso. Após a cerimónia de casamento, é servida uma refeição tradicional típica desta festa ao meio do dia, por entre cenários e decorações de mesa feitos especialmente, planeados e trabalhados nos dias e semanas anteriores, a adornarem as fartas e convidativas mesas. Entre as 15 e as 16 horas, tem lugar outro encontro, o “huchzeit”. É essencialmente uma continuação das actividades e entretenimento do “hulba”, com canto e talvez poesia ou um “powerpoint” especialmente criado para este evento. Lanches e sobremesas são servidos entretanto. Um casamento huterita é na verdade um evento alegre e de forte comemoração. É uma união cristã, validada pelo facto de ambos os parceiros serem membros da igreja huterita. Uma vida pura dada como sacrifício por Cristo e à Sua igreja é o precedente ou condição necessários para que essa união possa ocorrer. Mas dizem os ministros huteritas, o amor de um casal nunca deve exceder ou ofuscar o seu amor a Deus e à Sua igreja.

É este exacerbado amor a Cristo, esta lealdade transformada na perenidade de tradições intactas, fundadas no comunitarismo e na convicção do baptismo, que os huteritas teimam em persistir, longe do mundo, mas mais perto de Deus….

Vítor Teixeira

Universidade Católica Portuguesa

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