CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CLIX

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Os Huteritas – V

Os Huteritas são de facto um grupo singular no universo anabaptista. São um dos que detém menos efectivos demográficos, embora em crescimento, está mais confinado a dois países essencialmente, Canadá e Estados Unidos, mas é marcado, como já vimos, por um forte e perene comunitarismo. Também como já vimos, falam três idiomas, o Inglês, o Alemão e o Hutterisch, ou Alemão huterita, todos de forma fluente. Usam um vestuário baseado em roupas simples e modestas, cujo estilo é muito uniforme.

De facto, a tradição manda no quotidiano huterita. Como se pode comprovar, por exemplo, no “estilo” do vestuário, que advém das suas raízes alemãs e austríacas, nas quais os trajes masculinos consistiam em “lederhosen” – calções de couro com suspensórios em forma de H, pretos, tradicionalmente usados por homens nas regiões alpinas da Baviera – e os trajes femininos num longo vestido – o “dirndl”, um vestido sem mangas com blusa, para mulheres e meninas. O “dirndl” é longo, até ao tornozelo, sobre uma blusa, com avental e um lenço negro na cabeça, conhecido como “tiechl”. Os “lederhosen” foram sendo substituídos, gradualmente, com os homens a usar, actualmente, calças escuras e suspensórios, em vez daquela indumentária bávara. As crianças por norma usam cores mais claras que os adultos, homens e mulheres. Os meninos andam muito descalços, com calças escuras e suspensórios, com camisa. Já as meninas, em vez de um “tiechl”, usam um “mitz”, que é uma espécie de gorro.

TRADIÇÃO E IDENTIDADE NO VESTUÁRIO

Com efeito, desde as suas origens, não deixaram de se registar variações e mudanças, que fazem parte da história e dos contextos da existência desta comunidade e da sua diáspora, até à sua fixação, há cerca de cem anos, no Canadá e Estados Unidos. Ao longo dos anos, os huteritas foram modificando o vestuário, dentro da sobriedade e uniformidade, para o tornar mais usável e confortável. Além do seu valor como tradição cultural, o vestuário é um símbolo exterior de unidade e modéstia, sendo parte integrante de sua vida no plano da fé, identificando e lembrando quem os huteritas são como povo, no espírito da tradição judaica do Antigo Testamento descrita em “Números 15,37”. Ou seja, como narra a Bíblia, têm nas vestes a recordação vivencial dos preceitos do Senhor, o que os santifica, não se devendo deixar levar pelos olhos e pelo coração, ou seja, pela tentação da vaidade e ostentação.

Já aqui falámos na existência de três grupos entre os huteritas: dariusleut, lehrerleut e schmiedenleut.

Cada um definiu, ao longo da história, as suas próprias variações no vestuário. As semelhanças entre os três grupos incluem as blusas e vestidos até ao tornozelo, a par do tradicional “tiechl”, no que concerne às mulheres; quanto aos homens, o ponto em comum são as calças escuras e os suspensórios. Também pode existir uma sintonia nos casacos, que homens e mulheres geralmente usam, por norma escuros. As crianças, de todos os grupos, na maioria dos casos, usam cores mais claras que os adultos e, nos três grupos, as meninas usam sempre o “mitz”. Estas são as concordâncias, ou formas e cores que distinguem os huteritas.

As diferenças são pontuais, nada abissalmente distinto. Entre os dariusleut, por exemplo, os homens usam casacos sem gola, havendo neste grupo uma maior propensão dos cavalheiros para usarem um chapéu. Usam também coletes. O vestido de duas peças das mulheres com mangas até ao cotovelo é identitário do grupo, sendo relativamente escuro. As mulheres usam um avental do mesmo tecido que o vestido. O seu “tiechl”, por sua vez, é preto com pequenos pontos brancos (“bolinhas”). Os meninos usam um boné preto caseiro, a que dão o nome de “katuss”.

Já nos lehrerleut, os homens trajam como os dariusleut. A diferença aqui está no vestuário feminino: as mulheres usam vestidos sem mangas, um pouco mais leves e mais claros que os vestidos das mulheres dos outros grupos, com um avental xadrez também mais leve. As “bolinhas” dos seus “tiechl” são já maiores que as dariusleutfrauen, apresentando-se rigidamente engomado, dando uma impressão de parecer quase branco.

O terceiro grupo, schmiedenleut, tem como principal diferença, no que toca aos homens, o uso de muitos tipos de casacos, simples, de cor escura. Os casacos de fato masculinos são, por exemplo, semelhantes aos de qualquer casaco não huterita. Além disso, são quase sempre feitos em casa. As mulheres usam um vestido de duas peças, ou uma peça, de acordo com a sua preferência. O “tiechl” é por norma preto e liso, sem as “bolinhas”. Em algumas colónias deste grupo, poucas, as mulheres usam um avental completamente preto para o culto, embora a maioria o tenha eliminado.

O vestuário huterita é pois sinónimo de preservação e autenticidade das suas tradições culturais. Para os huteritas, o objectivo da modéstia e simplicidade, em estilo uniforme, de acordo com os seus preceitos religiosos e de maneira diferente da sociedade em geral, faz tão parte do Huterismo como a vida em comunidade, ou comunitarismo. Faz parte do sentimento de pertença e de grupo, promovendo um sentimento de ligação a um todo muito maior. Os huteritas aqui seguem também os ensinamentos bíblicos, no espírito do ensino do Novo Testamento, quando aí se exorta os crentes a esforçarem-se por uma “beleza interior”, a qual produz uma riqueza de boas obras, uma boa conduta e respeitabilidade, recordando “I Pedro 3,1”. É como um testemunho que não apenas beneficia cada um como parte do todo que é o grupo, na alteridade que se experiencia, mas agrada e honra, como defendem os huteritas, a Deus. Por isso, hoje falarmos um pouco destas tradições de vestuário huterita, pois reflectem não apenas os seus preceitos e forma de vida mas também os seus fundamentos bíblicos.

Prevalece sempre o amor fraterno, de misericórdia e união, como exorta “I Pedro 3,8”. Nesta unidade, a existência de algumas peculiaridades em cada um dos grupos ajuda à permanência do estilo e forma de vida. Os jovens huteritas têm, assim, muitas oportunidades de conhecer jovens huteritas de outras colónias, visitar-se e passarem algum tempo juntos, ou até mesmo pode passar semanas a trabalhar noutras colónias, como forma de entreajuda. Estas visitas são a base de muitos matrimónios huteritas, mas quase sempre estes ocorrem dentro de um dos três grupos. Os huteritas encorajam fortemente a pureza nos relacionamentos, pois pretendem que os jovens sejam testemunhas de Cristo. Se os jovens se sentem guiados por Deus, dizem, são encorajados a permanecer totalmente puros no seu relacionamento. Para casar, apenas com um(a) huterita, têm que se baptizar, antes. O casamento é sagrado, o divórcio não existe. Assim era e assim é entre os huteritas.

Vítor Teixeira

Universidade Católica Portuguesa

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