CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXXXIV

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXXXIV

O Pentecostalismo – VI

Os reavivamentos da Rua Azusa tornaram-se a grande notícia naquela Primavera de 1906. Multidões de afro-americanos e brancos afluíam quotidianamente para aquele imóvel em Los Angeles, em adoração conjunta na Missão de William Seymour. Estava dado o tom para o começo do movimento pentecostal. O movimento nasceu multirracial, o que na altura, no período entre 1906 e 1924, era um desafio às autoridades e às leis americanas, que impunham a segregação racial.

Todas as denominações pentecostais que nascerão do “revival” da Rua Azusa de 1906, antes da década de 1920, serão multirraciais. Muitas delas tiveram enormes dificuldades para se enquadrarem nas políticas segregacionistas, principalmente depois das já aqui citadas leis “Jim Crow (South)”, pois estavam sob grande pressão para se conformarem com a segregação. Apesar dessa tendência inter-racial, em última análise o Pentecostalismo norte-americano dividia-se, teoricamente, em ramos brancos e em ramos afro-americanos. A situação vai permanecer confusa durante muito tempo, devido às leis segregacionistas. Não desaparecerá, de todo, a convivência cultual inter-racial, mas só ressurgirá assumida e publicamente depois do Movimento dos Direitos Civis (1954-1968). Numa pequena nota histórica explicativa, este movimento americano pelos direitos civis consistiu num movimento e campanha político-sociais para abolir a segregação racial institucional, a discriminação e a privação de direitos aos não caucasianos (em especial os afro-americanos) no País.

UM MOVIMENTO SOCIAL PLURAL

Se racialmente o movimento era plural, do ponto de vista do género também não deixou de o ser, embora não de forma plena. Seguindo a crença de que quem recebeu a experiência pentecostal tinha a responsabilidade de a usar na preparação da segunda vinda de Cristo, as mulheres que aderiram ao Pentecostalismo defendiam que o baptismo no Espírito Santo lhes daria poder e justificação para se inserirem em actividades que lhes eram tradicionalmente negadas. A primeira pessoa a receber o baptismo do Espírito no “Bethel Bible College” ou “Bethel Gospel School”, também conhecida como “escola bíblica de Parham” (fundada em 1900 em Topeka, no Kansas, por Carlhes Fox Parham), com a evidência da poliglossia (falar várias línguas), foi de facto uma mulher, Agnes Ozman (1870-1937), que era caucasiana.

Não ficariam por aí as mulheres pentecostais. Figuras como Florence Crawford, Ida Robinson e Aimee Semple McPherson, líderes carismáticas pentecostais, fundariam novas denominações, além de que muitas outras não apenas estudariam nas escolas do movimento como serviram activamente como pastoras, co-pastoras e missionárias. Também se lhes deve a autoria de hinos e canções religiosas, a edição de jornais pentecostais e também o ensino nas escolas bíblicas, que não poucas vezes dirigiram.

O movimento pentecostal nasceu intenso, emotivo e pouco convencional, na forma, na adesão e no “cocktail” multiétnico, e sem discriminações de género ou condição social. As reuniões eram verdadeiros momentos apoteóticos, de grande fervor e espontaneidade espirituais, de forma aberta, o que era atractivo, principalmente para todos que não se enquadravam nos espartilhos hierárquicos, institucionais e formais das confissões cristãs nos Estados Unidos, particularmente entre os protestantes. Oração comunitária intensa, canto, baptismos no Espírito, manifestações glóssicas, homens e mulheres sem divisão, tal como do ponto de vista étnico, eram verdadeiros “melting pots”, que não deixavam de atrair curiosos e depois adesões ao movimento. No início do movimento, neste furor efervescente, temos as mulheres na maioria dos convertidos e frequentadores da igreja. Mas estávamos apenas no início.

De facto, começaria a alastrar entre os membros uma ambiguidade em torno das mulheres no movimento. No “arrefecimento” do movimento pentecostal, já na década de 1910 – embora difira de região para região, ou país –, essa ambiguidade em relação ao papel das mulheres na igreja tornou-se evidente e em crescendo. Depois do “boom” inicial do Pentecostalismo, uma abordagem socialmente mais conservadora face às mulheres ganhou terreno e impacto no movimento. A participação feminina perdeu destaque, em liderança e protagonismo, também no ensino e nos ministérios, sendo as mulheres remetidas para papéis mais solidários e tradicionalmente aceites, mais ajustados e similares à condição feminina da sociedade coeva em geral. As mulheres passaram para um nível auxiliar, de apoio, num espelho do tradicionalismo americano, que se projectava assim cada vez mais no movimento. Neste crescendo de tradicionalismo, o talento das mulheres era mais canalizado para a acção social e caritativa, e também para a missão ou até dinamização evangélica, mas cada vez menos como pastoras e líderes.

Outra imagem de marca da maioria das denominações do movimento pentecostal nascente seguia um dos princípios fundamentais de outros movimentos evangélicos, como os Adventistas do Sétimo Dia, por exemplo: o pacifismo cristão. A objecção de consciência e a recusa em prestar serviço militar, em alguns grupos, ou pelo menos, se o fizessem, possuir, tocar ou usar armas, são as evidências mais comuns desse pacifismo.

O movimento não deixou de enxamear nos Estados Unidos. Mas não apenas aí, pois irradiou para lá das fronteiras do País. A experiência de Azusa tendia para essa disseminação, dado o estado de inebriamento individual e colectivo que aquele tipo de eventos produzia. Houve casos de comunidades evangélicas inteiras a converterem-se à fé pentecostal. Mas nem sempre conheciam sucessos desses. Com efeito, não foram poucas as vezes em que os pentecostais se viram compelidos a estabelecer novas comunidades, o que sucedia quando a sua experiência e metodologia de acção eram rejeitadas pelas igrejas estabelecidas. A desconfiança existia e a não aceitação era frequente. Não era chegar, baptizar no Espírito, viver um “happening” pentecostal e ter logo grupos a querer viver a mesma experiência. Houve muitas resistências, nos Estados Unidos como fora do País.

Uma das primeiras áreas de envolvimento pentecostal teve lugar em África. Em 1907, uma leva de missionários americanos rumou à Libéria, uma nação fundada por antigos escravos americanos alforriados (libertos), em 1847. Outros grupos missionários dirigiram-se para a África do Sul em 1908. Estes missionários partiam com a convicção de que não teriam dificuldades linguísticas, dadas as suas poliglóssicas nos reavivamentos pentecostais. Acreditavam que o dom das línguas nos reavivamentos incidia em línguas estrangeiras vivas (xenoglossia), pelo que apenas teriam que aprender as línguas dos povos a evangelizar. O Espírito Santo faria o resto. Mas os desapontamentos face à realidade foram chocantes, quando as línguas africanas se ofereciam complicadas de aprender e falar….

Vítor Teixeira 

Universidade Fernando Pessoa

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