CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXXX

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXXX

O Pentecostalismo – II

Para conhecer os Pentecostalistas, é necessário conhecermos a tendência geral em que se inserem actualmente muitas das suas denominações: os Evangélicos. Falamos não das igrejas evangélicas, no sentido histórico ou tradicional, com raiz na Reforma Protestante dos Séculos XVI e XVII, mas nos movimentos surgidos a partir do Século XIX, em particular no pós-Segunda Guerra. Mas é importante recordar que se trata de um grande movimento religioso que se desenvolve paralelamente à crescente secularização da sociedade e ao correspondente decréscimo dos fiéis nas religiões cristãs em muitas regiões do Globo.

O crescimento dos evangélicos corresponde também a um aumento crescente das relações entre a religião e a política. Mas quem são afinal os evangélicos? Porque é que crescem as suas denominações e o número de fiéis? Como é que a sua expansão interfere na vida política na América Latina, por exemplo, estando a começar a impactar também em África? Desde meados dos anos 1980 que estas interrogações têm surgido, pois foi nessa época que os evangélicos despontaram em força na América Latina, conquistaram a Comunicação Social e as massas, até chegarem ao poder, ou interferirem no mesmo, em países tradicionalmente católicos como o Brasil, a Bolívia ou a Costa Rica, além de começarem a protagonizar movimentos políticos fortes noutros países. África começa a ser o novo destino dos evangélicos, em particular no sub-Sahara Atlântico e em especial em países da África Austral.

Mas é na América Latina que se regista um desenvolvimento histórico das denominações evangélicas, em especial os grupos pentecostais, que actualmente constituem a maioria dos evangélicos. A sua influência está a crescer, é um facto, mas tal não tem acontecido de forma espontânea ou casual, antes de modo organizado.

O PROJECTO EVANGÉLICO

Utiliza-se muitas vezes o termo “Evangelismo”, como se fosse um guarda-chuva onde coubesse tudo o que tem a ver com o Evangelho. Os mais desatentos poderão fazer associações de ideias que podem induzir em erro. Não vamos aqui discutir a apropriação histórica do conceito, ou do termo, mas antes, e principalmente, o seu uso hodierno, que não é “naive” ou inocente. Evangelismo é, antes de tudo, um rótulo genérico para englobar tudo o que deriva do processo histórico da Reforma Protestante de onde aparecerem diferentes grupos religiosos: Luteranos, Metodistas, Calvinistas, Baptistas, Menonitas, Presbiterianos e Pentecostais, entre as denominações mais conhecidas.

Todas as igrejas evangélicas, diríamos assim, brotam do “renovo” do Protestantismo, seu antecedente histórico. Porque se arroga do conceito “Evangelho” como radical da espiritualidade e da denominação? Como movimento cristão que é, ao contrário do Catolicismo, baseia-se exclusivamente na autoridade religiosa da Bíblia, secundarizando, ou até diminuindo e anulando, a “tradição sagrada”, além de se opor à infalibilidade do Papa. Por isso, são uma “religião evangélica”, não sendo por isso apostólica, como a Igreja Católica.

Ser evangélico pode também não significar ser-se de uma religião no sentido de pertença institucional ou de fazer parte de um culto ou ritual organizados. Pode então ser um encontro pessoal com Jesus, o Espírito Santo e Deus Pai, uma forma de adesão espiritual do crente. Todo o crente pode e deve dar testemunho dessa adesão, desse encontro, pelo que é considerado também como um “sacerdote”.

Todavia, são várias as correntes evangélicas. É importante recordar que as igrejas evangélicas não consideram importante, ou crucial, a existência de uma autoridade humana suprema em relação ao universo de crentes, como um pontificado, ou papado. Essa preponderância e carisma de liderança não se personifica numa pessoa. Não existe uma instância centralizada que dirija e congregue os crentes, como noutras igrejas, embora por vezes surjam líderes que se tornam carismáticos e supra-denominações. Em cada país existem associações de carácter secundário, local, que assumem uma função de representação corporativa limitada das diferentes variedades de grupos evangélicos. Mas prevalece uma autonomia nessas associações, como das igrejas evangélicas em geral, não existindo um controlo por parte de nenhuma dessas instituições, umas em relação às outras. Podem surgir intentos unificadores, em certas circunstâncias sociais e políticas, conferindo-se desse modo maior importância às associações. Muitas dessas tentam congregar posições unificadas em relação a certos assuntos e combates sociais, como em questões de igualdade de género ou de matriz sexual, de integridade da pessoa humana, etc. Por outro lado, não existe culto e adoração aos santos ou à Virgem.

No conjunto dessas correntes, identificam-se na América Latina pelo menos três grandes tendências evangélicas:

A primeira são os chamados protestantismos históricos, que chegaram à região no Século XIX, depois das independências liberais na maior parte dos países, que deixaram de ser colónias ibéricas e por isso católicas, univocamente. As independências trouxeram a liberdade religiosa, confessional, portanto, abrindo-se espaço às denominações fora da Igreja Católica. Muitos núcleos desta tendência eram compostos por comunidades migrantes de origem protestante, na Europa. Tinham vocação evangelizadora reduzida, ou pouco eficaz, não existia mesmo um escopo missionário. A Igreja Católica tinha ainda uma força e implantação territorial considerável, contrariando-se a liberdade confessional muitas vezes, ou limitando-se, do ponto de vista normativo, e logo cultural. No plano institucional, a Igreja Católica mantinha a sua presença secular. Nos protestantismos históricos encontram-se principalmente os Luteranos, Metodistas e Calvinistas. Não se expandiram muito, geográfica e estatisticamente, apesar de contextos culturais e políticos propícios. Mas não deixaram de influenciar o reforço do liberalismo político, que mais tarde se tornaria num forte compromisso social e que seria decisivo na transformação dos Direitos Humanos na América Latina, além de abrir a possibilidade de evangelização por parte de outras tendências evangélicas.

De facto, um segundo grupo de tendências evangélicas advirá nesse contexto. São as tendências evangélicas com origem nos Estados Unidos, que chegaram à América Latina a partir do início do Século XX, já não enquadradas nas migrações, mas agora com um forte sentido missionário e proselitista, estribadas espiritualmente no literalismo bíblico, então em voga. Eram grupos muito conservadores em relação à Ciência, que praticamente rejeitavam, assumindo-se como criacionistas, além de avessos ao pluralismo religioso. Que curiosamente está na sua origem, ou na possibilidade do seu aparecimento e disseminação.

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

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