CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXXVIII

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXXVIII

Testemunhas de Jeová – XIII

O movimento das Testemunhas de Jeová pouco mudou, em termos de crenças fundamentais, desde a sua fundação. Apenas se foram mudando alguns detalhes, ou “novos entendimentos”, como as Testemunhas de Jeová designam. Mas a sua escatologia, a concepção do mundo, o seu messianismo e ética, os seus pilares, mantêm-se intactos. A terminologia e as citações bíblicas de suporte permanecem imutáveis, igualmente, em todas as publicações, sejam livros ou revistas.

Com efeito, cada Testemunha de Jeová (TJ) reconhece a si própria e a outros, em termos precisos e repetidos. Os conteúdos não são extensos, mas a sua repetição torna-os vivos e “actuais” para os seus membros. Uma terminologia que vai das críticas mais violentas à Igreja Católica Romana (considerada como “pagã”, “babilónica”, “religião falsa”, “meretriz”, etc.), até às concepções sobre o mundo (“sistema perverso de coisas”, “as coisas deste mundo”, “mundano”, “políticos do mundo”, “governantes de Satanás”). Um arsenal de críticas ferozes que procuram eleger as TJ como o caminho seguro e certo da salvação.

Numa análise de conteúdos das suas publicações, assiste-se a uma reiteração cuidadosa e deliberada dos termos básicos de acordo com o seu conteúdo. Por exemplo, a infindável referência em títulos a “Babilónia, a grande e falsa religião”, a partir do termo “Babilónia, a Grande”, do Apocalipse. Para a interpretação das Testemunhas de Jeová, este termo representa todas as religiões, lideradas pela Igreja Católica Romana. Mas o curioso, num estudo cuidado, é a repetição duas vezes por parágrafo nos estudos consagrados a críticas a outras religiões. Além da repetição, volta-se à carga na forma de uma pergunta no final de cada parágrafo. Se pensarmos que cada estudo dura uma hora, onde são somadas as leituras e as respostas dos participantes, podemos imaginar a inculturação profunda dessas comparações das TJ com as outras denominações cristãs. Nos estudos específicos sobre doutrina, por exemplo, nas definições a respeito da Igreja Católica Romana, esta é conotada amplamente com o fim do mundo, o Armagedão, o fim do sistema de “coisas”, sendo por isso considerada como “religião falsa”, etc. Certos estudos são preparados especificamente, e neles há um termo ou alusão fortes e significativos, muito agressivos por vezes, em que se repete deliberadamente a crítica mordaz a outra fé. Estas frases quotidianas não apenas reforçam a pertença, a crença, mas também alienam drasticamente os que não são Testemunhas de Jeová. Quem ouve uma conversa entre Testemunhas falando sobre as suas crenças tem extrema dificuldade em entender o que se fala e na construção e interpretação dos acontecimentos políticos no planeta.

CONCLUSÃO

Um dos pilares sobre o qual esta organização constrói o conceito de si mesma como testemunha é o da conduta, no sentido moral e normativo, que nasce nas próprias concepções das Testemunhas de Jeová sobre o sentido e o futuro do mundo. As instâncias morais na acção individual assentam na consciência imediata da conduta de cada um, visível para todos os demais. Cada um direcciona a sua própria consciência e, por isso, o olhar dos outros. O comportamento é assim aquilo que se vê, ser e parecer; as forças inconscientes ocultas se existem, parecem não existir. Daí que o comportamento acabe por ser moldado exclusivamente pelo meio, ou seja, pelo grupo e contexto das Testemunhas de Jeová. Dito de outra maneira, um elevado nível espiritual é alcançado quando cada um domina o seu comportamento e quando os membros do grupo a que se pertence reconhecem esse domínio, ou conduta. O sentimento de pertença alia-se à aceitação do grupo.

E os que não são Testemunhas de Jeová? Por norma, são colocados num plano de inferioridade existencial. São denominados como “mundanos”, “pessoas do sistema perverso de coisas”, “pessoas deste mundo”, “adoradores de satanás” e assim por diante. Os outros são, pois, o inferno, aqueles que serão destruídos no Armagedão. Quanto ao comportamento diante dos “mundanos”, cada Testemunha de Jeová é instada a afastar-se, a evitá-los para não se contaminar. Essa atitude é extremada no caso das relações familiares.

Pertencer denuncia-se através de códigos precisos, mensagens estrategicamente colocadas nos “pontos de articulação”, conceitos como “mundo”, “outros”, “o meu comportamento”, onde se reconhece a Testemunha de Jeová. Por exemplo, quando referem que “eu sou um cidadão do mundo, devo a César a parte dele, mas eu não apoio este mundo perdido, porque as suas práticas não agradam a Deus. Dentro da organização de Deus eu tenho o meu lugar”.

Quando uma Testemunha de Jeová viola as normas estabelecidas (associação com pessoas não testemunhas, relações sexuais fora do casamento, discordância ou tomada de posição contrária à Bíblia e ao Criacionismo, como a evolução biológica), dá-se a expulsão, negando-se até a saudação, mesmo nas relações familiares. Esse membro é posto de lado e é ignorado.

Muitos perguntam se o que se prega é executado em rigor. Pode-se dizer que o grau de variabilidade em relação às normas é muito baixo, pois o sentimento de pertença é muito forte. Por exemplo, procura-se ter empregos que deixem a maior parte do dia para trabalhos e reuniões evangélicas, logo de preferência dentro de empresas ou com empregadores que sejam Testemunhas de Jeová. O estatuto nas TJ é medido pela quantidade de tempo usado “nas tarefas do reino” e a quantidade de material que se distribui. Há um controlo rígido em relação ao trabalho de cada membro, incluindo o controle das horas dedicadas à “pregação”. Quando um membro dedica muito tempo ao seu trabalho ou vida pessoal e negligencia o seu papel na organização, ou o diminui em detrimento do reino, é criticado. Há uma forte bipolarização entre as Testemunhas de Jeová e o mundo “pagão”. Para se pertencer ao reino, o aderente tem que se afastar do mundo, não participar e não apoiar qualquer manifestação de ordem social. Porque as TJ se consideram a verdadeira religião. Há como que um círculo fechado, que termina sempre no mesmo ponto: a autojustificação do seu desempenho, mas sempre dentro desse círculo construído.

A adopção de um novo papel (servo de Deus e não do mundo) entre as Testemunhas de Jeová é moldada por dois processos: condições psico-sociológicas anteriores à conversão (afectivas, rupturas sociais etc.) que levam à procura de uma nova identidade e mundividência, e um trabalho preciso realizado pela organização para que esta conversão seja eficaz. Consiste em técnicas de estudo e uso de vocabulário de rápida adopção, por serem simples, mas eficazes. Isso reforça a intersubjectividade, a pertença e a identificação com o grupo. Acrescentam-se depois as normas morais pietistas, a par de conceitos sobre a consciência humana próximos do behaviorismo. Tudo fundamentado biblicamente, o que é importante no processo de identificação. As Testemunhas de Jeová são um grupo pequeno e diferente de outras religiões. Abel, irmão de Caim, foi a primeira “testemunha”, por este martirizado, vítima de um mundo que se renega….

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *